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15/12/2019
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Desde a adolescência gosto de ler crônicas, acredito que adquiri esta preferência graças ao interesse da minha mãe pela leitura. Lembro de sempre vê-la lendo algum livro, esta é uma das imagens mais fortes que tenho dela. Se não desse para comprar, pois na época era caro manter o hábito de adquirir livros, ela conseguia emprestado. Recordo também que ela adorava a sessão do jornal Diário de Pernambuco intitulada “Dito e Feito”, que era a coluna escrita por Fernando Sabino. De tanto que comentava sobre as histórias dessa coluna, de vez em quando eu lia e me deleitava com a forma do autor transformar fatos simples em temas interessantes, começando assim meus primeiros flertes com os seus escritos.
Então, um dia ela comprou uma pequena coleção de livros de crônicas intitulada “Para gostar de ler”, com os principais escritores do gênero, incluindo Fernando Sabino. Creio que a leitura dos exemplares dessa coleção foi o que despertou meu gosto por esse estilo de texto, cheguei a ler repetidas vezes algumas histórias. Mas, como o destino tem caminhos próprios, de alguma maneira acho que estava predestinada a ser fã desse talentoso cronista. Então na época da escola tive contato com algumas de suas crônicas, através dos livros de Português. No 7o. ano, pela primeira vez li uma obra sua, como um dos livros escolhidos pela professora, para os trabalhos de interpretação de texto naquele ano, cujo título foi “O menino no espelho”. Me diverti muito com ele e li tantas vezes que passou a ser a minha fonte de distração antes de dormir, a sua leveza me deixava alegre e relaxada e já sabia de cor quase todas as histórias. E como tinha que ser, alguns anos depois, tive uma amiga que possuía vários livros dele os quais não hesitou em emprestá-los a mim. Eu já havia lido “O grande mentecapto” quando o filme homônimo foi lançado. Nossa! Para mim que já estava completamente enamorada pelo estilo desse escritor, foi um prazer desfrutar do resultado desta obra pitoresca de ficção que encantou o público.
Mas se tive a oportunidade de desfrutar dos livros desse mestre, o que dizer então da possibilidade de vê-lo pessoalmente, após tantos anos absorvendo suas obras? E este dia quase aconteceu na extinta e histórica livraria Livro 7. Era uma das suas noites de autógrafo, por ocasião do lançamento de mais um livro de Fernando Sabino, e eu estava lá. Cheguei a entrar na fila de autógrafos com meu velho e já tão manuseado “O menino no espelho”, coisas de estudante que ainda não podia comprar um livro recém-lançado, porém quando estava perto de chegar a minha vez, fiquei imaginando como ele reagiria ao ver aquele velho livro diante dos seus olhos, ao invés do seu lançamento novinho em folha. Diante da pressão de estar tão próxima do meu autor favorito com um livro que, naquele momento, ao meu ver não fazia jus ao grande escritor que estaria diante de mim, não pude continuar ali, saí da fila e logo depois fui embora. É claro que lamentei bastante, não sabia o que era pior, a sensação de não ter falado com ele estando tão perto, ou imaginar o que ele diria se me visse com aquele velho livro. Hoje, diante de tudo que sei sobre ele só consigo imaginar que, com certeza, teria sido gentil comigo, pois sempre conversou com estudantes e procurou de formas diversas estar próximo de seu público, fosse através do contato direto, ou através da sua escrita acessível a todo tipo de leitor, pois esse era seu modo de ser e de escrever.
Mas, tudo isso foi só para explicar de onde vem minha inspiração para a crônica. Se existe um escritor que me influenciou e me influencia até hoje, o nome dele é Fernando Sabino e tenho certeza de que devo a ele toda a minha paixão por esse tipo de literatura e a minha mãe que me apresentou, nos meus primeiros anos de leitura este mineiro, amigo de outros três conterrâneos, que juntos formavam “Os quatro cavaleiros de um íntimo apocalipse”, desta forma autodenominados. Onde quer que ele esteja, mesmo sem saber, estará sempre me guiando através de seu estilo e de seus pensamentos eternizados em suas obras e nos arquivos que preservam a sua memória. Em meus guardados ainda mantenho algumas de suas crônicas escritas para a coluna Dito e Feito, outrora cuidadosamente conservadas pela minha mãe. E se vale contar as coincidências, para minha alegria meu filho nasceu no dia do aniversário de 75 anos deste grande escritor, e assim todos os anos nesta data celebro o nascimento daquele que fez surgir em mim a cronista e daquele que nasceu desta aprendiz de cronista.
E para não perder a oportunidade e concluir esta pequena homenagem, deixo aqui uma das célebres e inspiradoras frases desse escritor que é uma das minhas favoritas: “No fim tudo dá certo! se ainda não deu certo, é porque não chegou o fim”.
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Apesar de saber que todo tempo vivido corresponde a uma época na história, não consigo deixar de pensar no quanto é estranho vivenciar fases tão diferentes em um período tão curto de existência, considerando que os fatos históricos parecem estar inseridos em épocas bem distintas, e quando olhamos para trás, tudo parece tão distante, como se o tempo fosse contado de forma diferente, quando o passado é muito remoto.
Imagino que soe estranho falar dessa forma, mas o que quero dizer é que, dentro dos anos que vivi, não pensei que pudesse assistir ao meu país e ao mundo sofrer mudanças que remontam a um tempo tão recente. É difícil acreditar que algo historicamente ruim possa voltar a existir dentro de um tempo de uma mesma existência. Se registramos a história para não repetir os erros e amadurecer com eles, não parece coerente reviver situações do passado das quais lutamos para nos libertar. Livros e filmes passam diante dos nossos olhos as cenas de períodos recentes da nossa história, que são o registro exato do que não queremos mais, e que nos condenou a um grande atraso em todos os níveis. É para que aprendamos, é para que não esqueçamos. Podemos dizer que “ontem” estávamos lutando por liberdades, conquista de direitos e igualdade, em vários lugares do planeta, assim como em nosso país, enquanto hoje muitos desses mesmos direitos e liberdades conquistados estão sendo perdidos, ou mesmo entregues até por quem um dia se beneficiou deles.
Mesmo sabendo que o mundo continua a girar como sempre, temos que concordar que não faz sentido pessoas que ontem se arriscavam nas ruas para brigar por direitos e dignidade do trabalhador hoje sejam surpreendidas por governos que tentam compensar suas incapacidades sacrificando os mais fracos e obrigando os já cansados a travarem lutas vencidas. Não é justo nem compreensível que liberdades de expressão conquistadas a custo de muitas vidas estejam hoje ameaçadas. Não é concebível que, por exemplo, pessoas que viveram os anos de chumbo no Brasil, e sofreram com isso ou assistiram àquele momento, agora revivam estarrecidas o temor de outrora, que parecia enterrado com o passado, o qual deveria ter ficado para trás e servido como lição para um país jovem, que ainda tem muito a conquistar e evoluir, e não pode “se dar ao luxo” de retroceder no pouco que avançou. Países que hoje estão retrocedendo politicamente, como alguns da Europa, estão muito além de nós, porque ainda somos socialmente adolescentes, para permitirmos que nos tirem o pouco que evoluímos como nação.
E é por tudo isso que ainda reluto em entender o porquê de, em tão pouco tempo, voltarmos para realidades as quais não deveríamos revisitar, a menos que de fato tenhamos que sofrer mais uma vez para aprendermos o que ali, bem atrás, o tempo tentou nos ensinar e não fomos capazes de aprender. Haja vista o abominável preconceito preconizado na Segunda Guerra Mundial, que hoje ressurge pouco a pouco em muitos países, numa demonstração clara de que o ser humano não tem aprendido com os erros, não somente aqui em nosso solo, mas mundo afora. Se há esperança? Talvez, porque, de acordo com a história, há também sempre os “heróis da resistência”, que não se deixam seduzir pela banalidade do mal, que volta e meia assola a humanidade, e continuam lutando por um mundo melhor, apesar de tudo e daqueles que não conseguem enxergar no outro um ser humano igual a ele mesmo.
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Sem entrar no mérito de como as famílias, logo cedo, começam a travar as suas batalhas, e considerando que, já neste momento, se iniciam os primeiros desafios do dia, creio que devemos procurar começá-lo, então, da forma mais positiva possível. Porém, tenho visto que a vida é que vai moldando as rotinas diárias, e muitas vezes, as situações vão mudando de tal forma, que, quando nos damos conta, cada membro da família já tem o próprio horário de refeição. Até mesmo eu tive que me adaptar a esta nova realidade caseira e aceitar que, mesmo tendo uma família, em minha mesa matinal, normalmente sou a minha própria companhia.
E para não ter a sensação de solidão, assim como muitos, comecei a solicitar a companhia da minha pequena TV da cozinha. Nos primeiros anos, achava até agradável preparar meu desjejum e comer ouvindo as notícias do mundo rural. Sempre me identifiquei com esses assuntos, e era então uma boa companheira, até o dia em que a emissora achou pouco o festival de jornais que assolam as programações e resolveu oferecer aos telespectadores, nas primeiras horas da manhã, uma overdose de notícias locais e do mundo regadas a tragédias e bad news para todos os gostos. Que saudade de ter notícias do campo logo cedinho! Sentia-me até com um pezinho na terra. Sonhava um dia, literalmente, colher os meus próprios frutos e poder partilhar esta realização. Portanto, meu café da manhã consistia sobretudo em alimentar meus sonhos ecológicos/rurais.
Com isso, e sem opções, após passar um tempo acompanhada de reportagens locais, de pautas infinitamente repetitivas, por fim desisti desta alternativa e comecei a pensar em como tornar este momento mais agradável. Foi então que reencontrei em uma ideia super simples, o meu prazer durante o café da manhã: comecei a fazer aquilo que as pessoas estão abandonando com o advento da tecnologia, que é ouvir o bom e velho rádio. Não para ouvir más notícias, mas para desfrutar de uma programação fantástica, que todos os dias presenteia o ouvinte com pérolas de um tempo de consistência e significado. Hoje, porém, essas pérolas foram substituídas por composições de péssima qualidade, alimentadas pela mídia atual. A grande diferença é que estas jamais serão eternizadas ou morarão nas lembranças desta geração, quando as boas recordações forem uma de suas maiores riquezas. Eu, no entanto, agora sigo com minhas ceias matinais cheias de poesia, colhendo outros bons frutos, outrora plantados por nossos talentosos artistas, estrelas de um tempo de muita inspiração e transpiração..