Crônicas


O Tempo e os Corações

asmuitasfacesdeluka-luka.blogspot.com

Estava pensando em como os tempos mudam as pessoas, a ponto de que hoje seja quase inimaginável que alguém aja ou pense com a inocência de outrora. Comecei a pensar nisso quando lembrei de uma “secretária do lar” que conheci quando era ainda meio criança, meio adolescente. Naquela época, eu morava em um pequeno edifício de onde sempre descia para brincar nas divertidas tardes, após terminar minhas tarefas escolares. Assim como eu, outras crianças também desciam e as menores eram acompanhadas das empregadas, babás eram muito raras, e assim conheci Janete que cuidava de uma garotinha moradora do prédio, que além de seus predicativos como doméstica, guardava também seus dotes de poeta e um charme sedutor. Não se tratava de nenhuma beldade, no entanto sua alegria e simpatia provavelmente a tornavam bela diante de seus pretendentes, pois estava sempre de bem com a vida, e seus maiores problemas eram pequenos nós a serem desatados, quando o coração não era astuto o suficiente para administrar suas doces paixões.

Ela gostava de contar sobre seus amores do passado e do presente e mostrar o seu caderninho cheio de poesias, que mantinha com muito orgulho, resultado de suas inspirações românticas. Também gostava de rimar amor com frutas, transformando seus versos em divertidas criações cheias de simplicidade, mas que refletiam a grandeza do seu coração e a vontade de transcrever o seu romantismo latente como eterna apaixonada. 

Certa ocasião a encontrei um tanto quanto preocupada a matutar sobre determinada questão. Assim que me viu foi logo me chamando, pois o assunto tinha urgência e era de difícil solução. Como ela me confidenciava sobre os seus amores, achou que eu entenderia a situação e poderia ajudá-la a encontrar uma saída para a saia justa em que havia se metido. Seu coração ávido por amor, traíra sua consciência, fazendo com que ela marcasse um encontro com seus dois amores na mesma hora e local. Com isso criou uma situação um tanto quanto embaraçosa que a enroscou em um emaranhado de mentiras que só um quase milagre faria a situação retornar ao ponto anterior ao embate, cenário que desejava desesperadamente. Ou seja, queria manter seus dois amores, mas sem que um soubesse da existência do outro, tudo na “santa paz”. 

Após uma breve reflexão, a primeira coisa que lhe falei diante da minha pouca experiência, foi que não via solução para o mal criado, pois para escapulir da presença do primeiro ao chegar ao encontro, ela inventou uma história mal contada onde havia lembrado repentinamente que tinha um compromisso com a mãe e que estava atrasada, e precisava ir embora urgentemente. Ela havia visto de longe o outro se aproximando do local e teve que se esquivar atrás de um quiosque, agindo de forma suspeita. Mas como o seu namorado Nº 1, denominação dada por ela porque este havia sido o primeiro a conquistá-la na época, não tinha como saber se era verdade ou não, aceitou a desculpa, apesar de suas desconfianças. Enquanto isso, o Nº 2 ia sendo agraciado com uma espera interminável, pois ficou na expectativa da chegada dela até cansar e ir embora,  recebendo posteriormente como explicação uma bela desculpa onde contou que repentinamente tinha se sentido mal, como naquela época não existia celular e em sua residência não tinha telefone, não havia como avisar. A coisa foi tão inesperada, que mal chegou, teve que e retornar para casa. Ela não era muito boa com mentiras, seu coração sincero não conseguia contar histórias tão mirabolantes sem uma ponta de insegurança na voz, deixando os dois com a pulga atrás da orelha. E a partir daí começaram a cercá-la a fim de descobrir o que havia por trás daquelas desculpas esfarrapadas. Sentindo-se acuada veio pedir socorro, pois segundo ela, estava perdidamente apaixonada pelos dois. Foi quando perguntei admirada:

- Como assim, apaixonada por duas pessoas ao mesmo tempo? Isto não existe! Mas ela me garantiu que sim e que precisava acabar com aquele clima porque estava sofrendo com aquela situação, etc, etc. 

Porém, mesmo com todo aquele amor dentro do peito, não houve solução e ela teve que optar por um dos pretendentes, e o eleito foi o Nº 1, porque ela precisava de um critério de desempate e achou que a antiguidade era a resposta para sua dúvida, ou pelo menos uma justificativa para sua escolha. O fato é que terminou com o Nº 2, alegando que não tinha certeza quanto aos seus sentimentos. 

Algum tempo depois, percebi que mesmo tendo resolvido a questão quanto ao compartilhamento do coração, ela ainda parecia meio triste. O resultado foi que um dia sem poder conter mais sua saudade recolhida, ligou para o Nº 2 e sem maiores delongas perguntou decidida:

- Você ainda me quer? E o ex-abandonado do outro lado da linha surpreso e ao mesmo tempo exultante, respondeu:

- Acho que sim.

E marcaram um encontro onde Janete, disposta a abrir o seu coração, resolveu contar sobre o outro e propôs que eles ficassem juntos sem que o primeiro soubesse. Ela supôs que se ele gostasse realmente dela, poderia compreender que seu coração era grande suficiente para caber os dois. E naquele momento ele fez a pergunta que não queria calar:

- Você está me propondo ser seu amante? Ao que ela respondeu:

- Não é bem isso, embora pareça, é que eu gosto dos dois da mesma forma.

E num misto de paixão e dor, o amante a puxou para junto de si e tascou um tapa na cara dela, beijando-a em seguida, para no instante seguinte declarar:

- Se é isso que você quer, assim será!

Nem ela esperava por aquela reação antagônica. 

Pasmada e chocada com a aquela narrativa, perguntei:

- E se um dia um dos dois quiser casar com você? Ela parou, pensou e plena de sentimentos e ao mesmo tempo encarando toda aquela dubiedade com naturalidade, disparou praticamente num suspiro:

- Será um belo casamento!

Retornando às minhas reflexões, concluí que, independente desta história ser contemporânea ou não, a romântica Janete sempre seria considerada uma mulher bandida, hoje talvez ela fosse classificada como mais uma “piriguete”, naquela época, porém não havia ninguém que a convencesse de que apaixonar-se por duas pessoas ao mesmo tempo se constituía em algum tipo de pecado, pois segundo sua concepção de romantismo e filosofia de vida, não concebia a ideia de sofrer ou deixar um amor sofrendo quando existia um sentimento recíproco, pois isto sim, seria o verdadeiro pecado, e um coração apaixonado não deveria ser simplesmente abandonado.



                                                                                                                                             Agosto/2011

O Político

omundonoar.blogspot.com.br
Esses tempos de campanha política me faz lembrar sempre de um colega de escola que, embora muito jovem, já possuía uma grande capacidade de encarnar o político fazedor de discursos. O mais interessante é que ele não era dos mais desinibidos, não tinha muitas amizade e normalmente andava apenas na companhia do seu melhor amigo. Geralmente era muito sério, tão formal que nos eventos mais importantes da escola estava sempre vestido a caráter com um dos seus ternos, o que alimentava ainda mais a imagem do político de plantão, além de deixá-lo a cópia do pai, um homem das leis acostumado a se utilizar dessa indumentária em razão de sua profissão. Além disso, ele não se envolvia nas brincadeiras da turma, muito menos em ações suspeitas como esquemas envolvendo fila ou armações dos grupinhos da sala. Porém, mesmo com todo o seu comportamento introvertido, na hora em que era solicitado o uso de seus dotes de orador ele se transformava imediatamente com seus discursos inflamados, como defensor implacável de sua plataforma política ou de suas posições diante do assunto em questão.


Certa vez decidiu-se que as turmas deveriam eleger um representante de classe e foi comunicado aos alunos que aqueles que estivessem interessados se inscrevessem para concorrer ao cargo. Após as inscrições iniciaria um breve período para a campanha e, em seguida seriam as eleições. É claro que o nosso orador não perdeu tempo e foi logo se candidatando, até porque foi incentivado pela turma que ansiava por seus discursos, não por acharem importantes, mas porque se divertiam com aquela figura do “grande ditador” discursando com uma seriedade e convicção totalmente desproporcionais àqueles tempos de muita brincadeira, nenhum compromisso e muito cochicho, aquilo era um prato cheio para os habituais gozadores. E assim o nosso candidato iniciou sua campanha com seus discursos enérgicos, que invariavelmente terminavam com seus colegas de turma não se fazendo de rogados ovacionando-o com a máxima: “já ganhou! já ganhou! tá eleito!”. Mas aquilo não passava de uma bravata, na verdade ao terminar as eleições e fazer a contagem
dos votos, apenas dois votos haviam sido computados para ele, o que obviamente deduziu-se ser o dele e o do seu melhor amigo.

O tempo passou e mesmo diante do fracasso na sua primeira campanha, ele não esmoreceu, no ano seguinte voltou a se candidatar, novamente os eleitores voltaram a incentivá-lo, e novamente não o elegeram. Foi quando finalmente ele percebeu a verdadeira intenção da turma e desistiu de persistir na sua carreira política na escola.

Mas como o rio sempre corre para o mar, anos depois tamanha foi a minha surpresa ao me deparar com um cartaz de propaganda política com a foto do meu ex-colega de escola, olhei bem o nome para ver se não era de alguém parecido, porém estava lá seu nome e sobrenome, então não poderia ser engano. Acredito que a surpresa maior não foi vê-lo candidato e sim o fato de tantos anos terem se passado até que ele começasse a se lançar na carreira política, afinal um talento nato daquele, àquela altura, parecia já ter se perdido no tempo.

Apesar de ter tomado conhecimento da sua candidatura, é bem verdade que eu não assisti a nenhum programa eleitoral dele e nem tampouco a nenhum discurso de campanha, de forma que não sei se houve evolução no seu poder de convencimento, que era o seu ponto falho. Como ele deve ter cursado direito, pelo menos foi o vestibular que prestou na época, deve ter atentado para a necessidade de melhorar a sua retórica, já que seus gestos exagerados e suas frases enfáticas precisavam apenas de um conteúdo eloquente para convencer seus eleitores. Mas o fato é que, ao terminar as eleições, só por curiosidade, fui verificar se ele havia sido eleito, olhei a lista dos votos por candidato e vi que ele quase havia chegado lá. Fiquei imaginando o que faltou para que aquela criatura cumprisse a sua sina. E ponderei que talvez não fosse a falta, e sim exatamente a sobra, o excesso, pois diante do despejo de promessas vomitadas pelos políticos e a falta de cumprimento destas, é preciso saber fazer mais do que prometer não faltar, e faltar com certeza. Então terminei me deparando com duas possibilidades: não sabia se o nosso candidato simplesmente não havia aprendido a receita dos eleitos ou se não havia ainda, se deixado contaminar pelo cinismo dos demagogos.



                                                                                                                                          Setembro/2011

 Se eu volto, ela vai

Karina e Fernanda eram duas colegas de trabalho que se entendiam muito bem, vez por outra engatavam uma conversa tão cumprida que não fossem as obrigações a esperá-las, gastariam horas a fio trocando experiências de vida e contando histórias, e apesar de trabalharem na mesma sala, não costumavam conversar sempre, parece até que ficavam só guardando assunto. Mas o mais curioso, é que apesar das duas passarem a maior parte do tempo caladas, concentradas nas suas tarefas, sempre que surgia algum assunto no ambiente que desse a oportunidade de uma delas dar uma alfinetada fatal, elas não perdiam a chance, e como diziam os companheiros de equipe: “não perdoavam”.
Fernanda tinha resposta pra tudo, não havia assunto que questionada, não tivesse uma tirada mortal para disparar. Foi criando fama no grupo de tal maneira que quando alguém queria dar uma boa agulhada em um colega, já solicitava a opinião da especialista e era só esperar, que lá vinha a “bomba”.
Karina, apesar de também gostar de soltar das suas, não tinha o talento de Fernanda, mas segundo seus colegas, a convivência com a “alfineteira” de plantão, a estava influenciando de modo que as duas já estavam ficando parecidas, cada uma com a língua mais afiada que a outra, e tiveram esta certeza quando em uma certa ocasião Fernanda entrou em férias e Karina mostrou que podia substituí-la a altura, suas tiradas eram igualmente terríveis e quando Fernanda voltou, pôde dar boas gargalhadas ao ouvir os relatos dos companheiros de trabalho sobre a sua “substituta”.

Mas não bastasse a semelhança na língua, o tempo foi mostrando que elas tinham uma outra característica em comum: eram donas de um desligamento mental que as transformava em protagonistas de distrações monumentais. Então, curiosamente, em certa ocasião, que para piorar aconteceu no ambiente do trabalho, as duas se envolveram cada uma em um episódio parecido, só que diferente, uma na entrada do expediente e outra na saída, mas que selou a fama de distraídas: Karina foi a primeira a inaugurar o repertório de lapsos mentais, acostumada a fazer coisas ligada no “piloto automático”, um dia ao sair da sua sala e se despedir dos colegas indo para casa, resolve antes ir ao banheiro para depois sair da Empresa, então ela entra no sanitário, faz o que tinha que fazer e ao sair, ao invés de ir embora, retorna para a sua sala. Já ia então se aproximando da sua baia de trabalho, quando ao olhar para o colega que a observava admirado, logo se dar conta de que alguma coisa estranha está acontecendo, e em frações de segundos, descobre o que acabara de fazer, e para a sua infelicidade, o colega também, e este, só pra ter certeza, pergunta:
- Karina, você, por acaso, esqueceu que havia ido embora e voltou? Ao que ela responde:
- Foi. E caiu na gargalhada.
Sua chefe a olhava com uma expressão de interrogação, quando ela já estava dando ré, e desaparecendo rapidinho, pois sua bolsa havia ficado pendurada no banheiro e precisava correr, antes que alguém a encontrasse e começasse a imaginar quem era aquela aluada que havia esquecido uma bolsa naquele lugar, exatamente na hora de ir embora. Karina ao parar para pensar o porquê daquela sua maluquice, logo encontrou a explicação no seu velho hábito de ligar o “piloto automático”. Neste caso, como não registrou que havia pegado a bolsa para ir embora, seu cérebro já desassociou aquele momento da saída do expediente e, evidentemente, a ação seguinte foi retornar para a sua estação de trabalho. No dia seguinte teve que aturar os comentários e gozações dos rapazes da sua equipe, que jamais deixariam de graça “a história da colega que esqueceu que havia ido embora e voltou”. Porém, não sabiam eles que alguns dias depois Fernanda seria protagonista da história daquela que na chegada do trabalho, achou que estava saindo e foi embora.
Desta vez Fernanda quase superou Karina ao entrar na Empresa, registrar a sua entrada e na mesma hora dar meia volta e sair em direção ao estacionamento a fim de pegar o carro para ir embora. Coincidentemente, neste dia, na hora em que ela chegou, Karina também estava entrando e resolveu esperá-la próximo à entrada, pois poderiam subir juntas para a sala. No entanto, tamanha foi a sua surpresa no momento em que viu Fernanda saindo em direção ao estacionamento. Ela não entendeu nada e, apesar do estranhamento ficou esperando para ver se, de fato, ela iria embora, apesar do expediente estar apenas começando. Mas eis que de repente surge a colega morrendo de rir e diz para ela:
- Karina, você não imagina o que eu acabei de fazer: registrei a minha entrada, achei que estava indo embora e fui para o estacionamento, quando já ia abrir a porta do carro, senti que algo soava estranho. E não é que eu acordei e percebi a maluquice que estava quase terminando de fazer. Ao que a colega respondeu:
- Eu vi... mas não entendi nada!
Quando as duas chegaram na sala com cara de riso, os colegas desconfiados, já foram  perguntando o que elas haviam aprontado, e Karina, sem perda de tempo, foi logo contando o atrapalhamento da outra, para a alegria dos gozadores de plantão.

E foi assim que as duas confirmaram de vez a má fama de desligadas, além da já consagrada reputação de língua afiada.

                                                                                                                                          Outubro/2012

O Contador de Histórias

Fim de tarde dos sábados era garantido encontrar Leôncio numa roda de amigos, contando suas histórias e tomando aquela cervejinha sagrada, por nada neste mundo ele trocava aqueles momentos. Era a ocasião em que colocava os papos em dia e se atualizava sobre os novos acontecimentos da vida de seus amigos e da cidade. No seu grupo de tudo havia um pouco, cada um com sua mania, maluquice, esquisitice ou qualquer coisa do gênero.

Léo, como era conhecido por todos, era o típico rapaz do interior, a diferença era que se achava diferente, gostava de dizer que nada o surpreendia ou o chocava, praticamente um “mente aberta”, segundo ele já havia visto muita coisa nas suas andanças e já havia aprontado o suficiente nos mais diversos setores da vida privada. Seu curriculum era extenso, como ele mesmo gostava de dizer: “melhor nem comentar”, a lista de ex-namoradas já era um combustível para sua fama, além das histórias vividas junto aos seus companheiros de juventude quando eram cúmplices em bebedeiras ou em armações para pegar os distraídos e os “chatos” democraticamente reconhecidos pela turma. Não! o rapaz não era um bom vivant, nem mesmo um Don Juan, apenas um jovem que como muitos não queria crescer, levando a vida de bar em bar e contando suas histórias.

Era um daqueles sábados, quando em meio a uma cervejada um de seus amigos chegou acompanhado de um recém-conhecido, que foi apresentado ao grupo como alguém que estava de passagem pela cidade a negócios. Seu amigo havia gostado do jeito do rapaz e convidou-o para os costumeiros encontros de fim de semana, já que se tratava de alguém que estava só e não conhecia praticamente ninguém na cidade. E conversa vai, cerveja vem, até que lá pelas tantas Léo começa a contar suas famosas histórias, foi quando alguém falou de mulheres e traição e isso o fez lembrar de um caso que haviam lhe contado há alguns anos, quando estava em viagem pelo interior e parou em uma pequena cidade para pernoitar.

Contou que estava em um barzinho onde fez amizade com o dono, e este depois de iniciar uma conversa animada, falou-lhe sobre um “causo” ocorrido com um ex-morador da cidade: tratava-se de um rapaz que havia chegado para trabalhar em uma agência bancária e em pouco tempo começou a namorar uma bela moça da cidade, ele não se apercebia de que quando passeava com ela, algumas pessoas os observava com ares de desconfiança, e havia um detalhe: nos finais da noite da sexta e do sábado, segundo os fofoqueiros de plantão, ela sempre dizia que precisava voltar cedo para casa porque tinha que ir à missa com a mãe na cidade vizinha. Considerando tratar-se de uma recatada e boa moça do interior, este argumento não provocava estranheza ao namorado que a deixava cedo em casa. Num desses dias porém, estando o rapaz desocupado e querendo encontrar diversão, procurou saber onde poderia encontrar uma casa com umas moças animadas onde pudesse se distrair e “aliviar as tensões”. Não tardou para que lhe indicassem um local que ficava em uma das cidades próximas. Chegando lá, foi logo tomando uma pra se animar, já encontrando um colo desocupado pra se aconchegar. O forró começou a rolar solto, e o rapaz empolgado puxou sua companheira e começou um rala-rala no salão, cheio de segundas intenções e quando já estava todo feliz, entregue àqueles deleites, olhou para uma das mesas próximas e não pôde crer no que via, neste momento Léo faz uma pausa e jura pelo seu Padin que é verdade o que vai revelar: Pois não é que era a sua amada nos braços de outro, entregue às tentações e bem distante das orações. E continua...Neste momento num impulso de macho, ele se levanta bruscamente, vai até ela, arranca-a dos braços alheios e lhe taca um bofetada e começa a confusão. O fato é que, em pouco tempo a história chegou à cidade onde ele morava e se espalhou feito rastilho de pólvora.

Léo como sempre foi chegado a uns exageros e floreios quando contava suas histórias, começou então a acrescentar detalhes sórdidos, sugerindo que a moça parecia que era travesti e que o rapaz ficou conhecido como Zé Cornin, que quando ia trabalhar as pessoas queriam ser atendidas por ele, só para conhecer a cara do corno, etc, etc, findando no seu sumiço da cidade sem deixar rastros até os dias de hoje. Enquanto o contador da história estava se divertindo com suas lorotas e seus colegas rindo e zoando à toa, o convidado do seu amigo levantou da mesa e falou em tom exasperado: É MENTIRA! Neste instante fez-se um silêncio congelante e é claro todos tiveram o mesmo pensamento fatal, mas Léo querendo entender o que estava acontecendo e ao mesmo tempo romper com aquela cena surrealista fala: Como Mentira? Você conhece a pessoa? E o rapaz constrangido responde: Conheço sim! era um colega meu e essa história é toda invenção dessas pessoas que ficam nas praças sem ter o que fazer, que ao invés de cuidar da própria vida, ficam bisbilhotando e falando da vida alheia. Não foi bem assim, a moça não era namorada dele, era só um caso e só bateu nela porque ela estava se fazendo de difícil, e como o rapaz havia bebido terminou se excedendo, mas sabia quem ela era. Naquele instante não havia outra alternativa a não ser fingir que haviam acreditado naquela explicação mal explicada, e em poucos segundos Léo já estava catando desesperado, em sua criativa mente, uma nova história para que a prosa tomasse outro rumo e assim foi. Passado aquele momento e mais umas duas cervejas: a saideira e a de já ir, pediram a conta e foram embora.

No dia seguinte, em novo encontro com amigos, depois da primeira golada na loira gelada Léo não perdeu tempo e foi logo soltando: Cara! não é que o Cornin estava aqui, como esse mundo é pequeno!

                                                                                                                            Abril/2012


Louco, eu?

Sexta-feira e chega ao fim mais uma de semana de consultas no consultório psiquiátrico e a secretária anuncia:
- Doutor, o paciente das 9h já está a sua espera.
- Mande-o entrar.
- Olá, doutor! Tudo bem com o sr.?
- Claro! E como estão vocês? falou o médico, referindo-se ao homem e seu
companheiro inseparável, o guarda-chuva, que adentraram naquela sala e se dirigiram ao divã como de costume.
- Indo, né? Sabe Dr., hoje eu estava no ponto do ônibus para vir para cá e comecei a observar as pessoas. Falam que eu sou doente porque tenho mania de andar com meu guarda-chuva ou com a minha bengala, mas veja só o senhor, todo mundo anda na rua agarrado a algum objeto, se olhar de perto vai ver que as mulheres jamais andam na rua sem uma bolsa a tiracolo, e se você ousar olhar o que tem numa dessas bolsas, logo elas se transformam em fiéis escudeiras de sua propriedade, alegando que em bolsa de mulher não se mexe, e ai de quem tentar contrariá-las.
- É, você tem razão. A maioria das pessoas precisa de um objeto para se sentir seguras, no entanto, não podem ser completamente dependentes deles. Veja bem, hoje, por exemplo, está um belo dia de sol, em pleno verão e mesmo assim o seu amiguinho está ao seu lado. Compreendo a sua relação com ele, mas obviamente é desnecessária.
- O senhor está certo, porém existe um sentimento que não consigo controlar, se estou com meu Charles (apelido dado ao guarda-chuva) me sinto protegido, ele é a minha arma, é também minha bengala, é meu companheiro e ao lado dele me sinto de certa forma até charmoso, posso até dançar com ele, como um verdadeiro Gene Kelly.
- Vou lhe fazer uma proposta, disse o médico: o que você faria, se eu ficasse com o seu Charles, apenas por um curto tempo? Você me emprestaria e quem sabe eu poderia experimentá-lo, gostaria de sentir as suas mesmas sensações, que tal? O médico queria parecer cúmplice dos pensamentos de seu paciente para ganhar a sua confiança, e propôs uma troca: já que ele achava normal pessoas carregando bolsas, ofereceu a sua, uma autêntica Louis Vuitton que fez brilhar os olhos do ofertado, e assim foi velado aquele estranho acordo.

O médico esvaziou a valise, entregou-a ao novo portador, em seguida apossou-se do guarda-chuva e pediu que seu paciente lhe explicasse detalhadamente a aplicação daquele objeto, no que recebeu uma verdadeira aula de manipulação de guarda-chuva: uma esgrima na hora da luta, um apoio para um dançarino hábil e um alimentador de cacoete para quem precisa a todo momento mexer em algo. Loucuras à parte, o trato foi selado e os dois deram-se por satisfeitos, na condição de que em dois dias a troca seria desfeita. Tratava-se de um belo guarda-chuva inglês e aquele psiquiatra há muito desejava-o, e agora finalmente havia encontrado uma maneira de obtê-lo, pelo menos por um tempo. E tratou logo de receber o próximo paciente e ordenar à secretária que desmarcasse as outras consultas do dia, pois aquele seria um momento especial e ele pretendia passar os próximos dois dias praticando suas habilidades com aquele objeto de desejo.

Ao se desvencilhar dos pacientes do dia, saiu do consultório andando pelas ruas cantarolando e dançando. Para se sentir ainda mais charmoso, passou numa loja e comprou um chapéu para completar o figurino. Agora sim, se sentia o próprio galã de cinema, uma mistura de Gene Kelly com James Bond, pois seu objeto de charme também seria uma arma fatal para quem soubesse utilizá-la. Nesse ínterim, quando o médico estava entregue às suas fantasias e devaneios de dançarino, ouve uma voz incisiva que ordena que ele passe os seus pertences imediatamente. Nesse momento, investido de sua versão James Bond e arrebatado pelo seu filme particular, ele saca o Guarda-chuva inglês e dá uma “guarda-chuvada” no bandido, desferindo um golpe rápido e certeiro que faz o meliante cair estatelado no chão. E meio tonto e furioso, o nocauteado xinga:
- Seu maluco! Quer me matar? Mas a esta altura o nosso herói já estava longe.
Após ter utilizado sua arma quase mortal, ele se dirigiu a ela e afirmou vitorioso:
- Vamos Charles, seu dono vai ficar muito orgulhoso de você. E saiu numa velocidade que em segundos já estava longe do alcance das vistas do agressor.
O problema é que, logo depois, ele percebeu que usou uma força tão grande para eliminar seu adversário, que terminou quebrando algumas hastes do guarda-chuva. Percebendo que estava encrencado, procurou uma loja que fizesse o reparo, mas recebeu a triste notícia de que não seria possível fazê-lo, pois daquele modelo não tinha como trocar as partes danificadas. Sem conserto, só comprando outro na longínqua Londres.

Chegado o dia de devolver o precioso objeto, deu-se a seguinte cena:
- Doutor, como vai o sr.? Eu já estava com saudades do Charles, imagino que cuidou dele como a um filho.
- Caro amigo, você sabe, às vezes um filho se acidenta, não é? E não é que somos relapsos ou descuidados, acidentes acontecem.
- O que o sr. quer dizer com isso? Indaga o dono do guarda-chuva.
- Veja bem, é apenas uma observação, acredito que ficará orgulhoso do Charles quando souber que ele foi um verdadeiro herói e me livrou de ter meus pertences roubados. Um golpe certeiro com esta arma maravilhosa foi suficiente para confirmar as suas afirmações sobre o grande Charles! Mas infelizmente tivemos um pequeno imprevisto e algumas hastes se quebraram e não pude consertá-las, sei que não se trata de uma grande notícia, mas você entende, não é? Explica o receoso médico, com um ar duvidoso, tentando disfarçar a gravidade das suas palavras e imaginar que tipo de represália viria do outro lado. E o dono do guarda-chuva, sem acreditar no que acabara de ouvir, invadido por um súbita mudança de humor e por uma confusão mental típica da sua patologia, pega a sua bengala, que agora fazia-lhe companhia no lugar do amigo que estava emprestado, e vai em direção ao velho médico, que já prevendo aquela reação, desvia-se rapidamente do golpe num ato de reflexo e sobrevivência. E o paciente ainda descontrolado, exaltado e mortificado com o estado do seu Charles, grita:
- Seu maluco assassino! Destruidor das amizades alheias! Você acabou com o Charles, e vai pagar por isso! E num gesto obsceno aponta o dedo “maior de todos” e dispara:
- Aqui que eu me trato mais com você! E vai saindo pronto para bater a porta na cara do médico, quando este lhe chama, esquecendo a boa educação e a ética médica, incorporando uma expressão de malícia e de desdém, dignas de alguns dos seus pacientes, e com o mesmo gesto indecente devolve:
- Aqui que eu lhe atendo mais!
                                                                                                                            Maio/2012



Chico das Almas

Ele era conhecido como Chico das Almas, alcunha que recebeu, segundo seus relatos, depois de protagonizar vários episódios “malassombrados”. Pense num rapaz medroso! E depois que a sua fama se espalhou a coisa ficou pior, porque seus colegas não perdiam uma oportunidade de fazer um medinho pra essa alma assustada.

Certa noite quando vinha passando na calçada do Cemitério, que para complicar era no caminho da sua casa, ele ouviu uma voz distante que o chamava: - Chiiiiico! No começo ele achou que era impressão, depois resolveu parar achando que algum conhecido o chamava da rua, porém depois que apurou os ouvidos, percebeu que aquela voz na verdade partia do Cemitério. Como vinha com alguns amigos, parou e perguntou-lhes se estavam ouvindo também aquela voz, ao que eles responderam categoricamente: Não! Neste momento Chico empalideceu e quase sem voz tornou a indagá-los: Tem certeza? E um dos amigos respondeu-lhe: Chico, acho que estão te chamando lá do outro mundo, dizem que se a pessoa responder, é morte certa. E mal terminou de falar, a voz mais uma vez chama pela sua vítima, mas antes que os amigos pensassem em dizer qualquer coisa, Chico sai desembestado, sussurrando com voz de alma assombrada: O diabo é quem responnnnde!

No dia seguinte na velha cidadezinha onde morava, os colegas reunidos na praça não falavam em outro assunto. O acontecido já havia se espalhado e Chico, quando era questionado sobre o assunto, afirmava convicto: tá vendo? Eu não digo que as almas me perseguem? Mas não sabia ele que seus amigos estavam por trás daquele malassombro, que haviam planejado o susto e agora estavam só curtindo o resultado da trama bem sucedida. O pobre já vivia tão assombrado, que bastava alguém entrar no quarto dele silenciosamente, enquanto estava distraído lendo ou olhando alguma coisa, que quando percebia a presença inesperada já dava um pulo da cama todo assustado, e às vezes nem adiantava entrar chamando-o porque se fosse no silêncio da madrugada o susto era o mesmo.

E o tempo passou e foi chegado o momento de ele ir para a cidade grande estudar. Foi morar com um grupo de rapazes que em pouco tempo começaram a perceber a fraqueza de Chico. Os companheiros eram todos primos, e como as brincadeiras faziam parte do cotidiano deles estavam sempre planejando alguma armação e Chico por ser o que mais reclamava do comportamento dos primos, passou a ser a vítima ideal. Certo dia, após mergulhar num sono profundo em sua rede que ficava na sala, seus primos resolveram dar-lhe um susto básico, só pra ele achar que ali também residiam as almas penadas que tanto o perseguiam: amarraram umas panelas na cozinha com um barbante em cima do balcão, de forma que o cordão saísse pela área de serviço e terminasse em um dos quartos do apartamento, quando tiveram a certeza de que Chico mergulhara no sono, entraram no quarto e deram um puxão no cordão de tal maneira que as panelas caíram e o cordão se soltou. Na mesma hora ouviram um grito de horror vindo da sala e rapidamente removeram o cordão. Chico correu para o quarto dos primos e encontrou-os com a expressão mais cínica do mundo, com cara de quem não estava entendendo nada e, ao mesmo tempo, também espantados porque não imaginavam o tamanho do espalhafato, nem a intensidade do grito.

A coisa foi tão feia, a ponto de dois minutos depois o vizinho bater à porta para perguntar o que havia acontecido. Chico pálido, após entrar na cozinha e constatar que não havia ninguém por lá para derrubar as panelas explica aflito o que ocorreu, e o vizinho desconfiado e ao mesmo tempo penalizado com a expressão de medo do rapaz deseja uma boa noite e sai se benzendo, sem imaginar que as almas penadas de fato moravam ao lado, só que estavam bem vivas.


                                                                                                                                       Novembro/2012

Quem Toca?

Valdemir morava em um apartamento que seu pai havia alugado para que ele  pudesse estudar na capital, ele gostava de bancar o boçal e se achava o mais esperto do pedaço, passara no vestibular e agora era universitário. Quando não estava “fazendo tipo” pelo bairro, estava estudando, que era sua incumbência para fazer jus ao investimento do seu velho pai, um matuto exigente que vez em quando ligava para se inteirar da situação do filho e saber se ele andava na linha, conforme suas recomendações. E para tentar vigiar os passos do seu herdeiro, mandou instalar um telefone, coisa difícil na época, dada à escassez de oferta de linhas. E foi por causa desse privilégio que num domingo, quando descansava tranquilamente em casa, começou a receber sucessivos telefonemas solicitando informações sobre a venda do seu apartamento que havia sido anunciado nos classificados de um jornal, por um preço super atrativo com a justificativa de viagem. E quanto mais ele tentava explicar que se tratava de um engano, que o apartamento não estava à venda, mais as pessoas insistiam em fazer ofertas, imaginando que ele estava segurando o imóvel para alguém. Pouco adiantou suas explicações, ao final do dia estava cansado de tanto falar e falar sobre o engano. Não tinha coragem de tirar o telefone do gancho, com medo que o pai ligasse e ele não atendesse. Assim os telefonemas duraram por toda a semana, até que gradativamente as ligações foram diminuindo e nenhum interessado desse mais notícias.

Chegado o domingo seguinte, ele rezou e pediu ao seu santo de devoção que não deixasse mais as pessoas ligarem atrás de comprar o apartamento, porque não aguentava mais aquela chateação. Parecia que suas preces haviam sido atendidas. Levantou-se, tomou seu café da manhã e quando ensaiou pegar uns discos para curtir um som no final de semana, a campainha tocou, ao atender, tamanha foi a sua estranheza ao ver na sua frente um homem com um gato no colo todo feliz por ter encontrado alguém que quisesse comprar o seu bichano, que não era lá muito de estimação, mas... , por incrível que parecesse, aquilo se tratava de mais um engano, ele não havia colocado um anúncio no Jornal oferecendo-se para comprar gatos, e após explicar o equívoco, despachou o homem que agora saía se lamentando. Mas era domingo e Valdemir ia escutar sua musiquinha como de costume, nada iria atrapalhar desta vez. Porém, quando começava a colocar seu LP preferido na vitrola, a campainha toca novamente e quando ele abre a porta, desta vez são dois gatos ao invés de um e a dona chorosa já vai contando a sua história que precisava urgentemente de alguém que ficasse com seus gatinhos porque estava indo embora da cidade e não poderia levá-los, etc, etc. Aquele seria só o início, pois vários chegariam ao seu apartamento durante todo o domingo, e mais uma vez seu final de semana foi por água abaixo, ou melhor gato abaixo, porque no final do dia, depois de abrir a porta para o décimo felino, ele mal deixava a pessoa falar e praticamente ia jogando o bicho escada abaixo junto com seu dono. Os vizinhos escutavam os miados agoniados e só iam contabilizando: lá vai mais um! ai!

E Valdemir a essa altura, só fazia praguejar, oferecendo o que tinha e o que não tinha para saber quem tinha sido o infeliz que havia colocado aqueles malditos anúncios. Mas fosse quem fosse que tinha feito aquilo, resolveu dar uma trégua e vários dias se passaram na santa paz.

Até que num belo dia alguém bate à sua porta e quando ele abre se depara com uma “perua” que aflita e num tom de cheque-mate pergunta: onde está a minha cadelinha Lulu? E antes que ele dissesse algo, um latido aparentemente vindo do interior do apartamento fez a “perua” empurrá-lo e emburacar sala a dentro chamando pela sua amada Lulu. Valdemir espantado corre atrás da despranaviada, que a essa altura pega-o pelo pescoço praticamente intimando-o a fazer aparecer a sua cadelinha que devia estar escondida em algum lugar daquele muquifo, porque ela havia escutado um latido, que na verdade havia sido do cachorro do vizinho. Valdemir sem escolha, termina por levar sua histérica visitante por todos os lados da casa, na tentativa de provar que não estava com nenhuma cadela e indagava de onde ela havia tirado a ideia de que ele estava com o animal. Depois de muito puxa-encolhe, onde os dois quase se estapiaram, ela finalmente relatou que um rapaz havia ligado para a casa dela e informado o endereço e o nome dele, depois que ela havia distribuído cartazes com a foto da cadela desaparecida e o telefone para contato. Neste momento Valdemir pensou: “desta vez eles foram longe demais”, e “eles” eram os vizinhos do andar de cima, que eram seus conterrâneos e adoravam uma brincadeira.

Passada toda a confusão, depois de despachar a “madame”, Valdemir decide: eles me pagam! E resolve ligar para o pai de um dos rapazes, que é um conhecido da sua família, para contar todas as patifarias que ele supôs que foram arquitetadas pelos rapazes. O velho atendeu Valdemir muito solícito, afinal era pessoa muito correta, um homem de fibra que garantiu-lhe tomar providências.

No dia seguinte, o velho que recebeu a queixa de Valdemir, ligou para o filho - que ainda se divertia com os amigos, lembrando-se de como eles haviam aproveitado a promoção dos anúncios classificados gratuitos do jornal local, para perturbar a vida do “rei do pedaço”- e num tom firme o pai foi direto ao assunto perguntando: foram vocês que anunciaram o apartamento do Valdemir, e também que ele estava comprando gatos e ainda ligaram para uma dondoca dizendo que ele estava com a cadela da moça? O filho pego de surpresa e, além disso, temeroso diante do tom grave e incisivo do pai tentou se fazer de desentendido, ao mesmo tempo que pensava em frações de segundo, em milhões de desculpas para convencê-lo de que eles não tinham participação naquelas armações. De repente, escutou uma estrondosa risada vinda do seu genitor do outro lado da linha, que sem se conter e já se traindo disparou: vocês não deveriam ter feito isso! Mas eu pagava pra ver a cara do Valdemir botando os gatinhos pra correr e brigando com a madame.


                                                                                                                                                 Julho/2013

Serenata a Dois

Roberval cantava alegremente músicas que mal se lembrava, coisas do tempo do seu pai. Ele e seu parceiro que conhecera naquela mesma noite, pareciam velhos conhecidos, quem os visse juntos podia jurar que se tratava de uma longa amizade, regada a cantorias e cervejadas. Nem ele mesmo imaginou que aquela comemoração, que começou sem grandes expectativas, terminaria ao estilo de uma velha serenata ao som de um boêmio violão.

Tudo começou com uma viagem a trabalho onde ficaria uma semana na filial da empresa, substituindo um dos funcionários em férias. Ele já conhecia todos por lá, havia estado outras vezes neste escritório a serviço e se relacionava muito bem com eles. Algumas vezes chegava até a achar divertido trabalhar com aquela equipe. Como um deles era seu conterrâneo e compadre, isso o fazia se sentir ainda mais à vontade, e o clima era muito descontraído, tanto que quando um dos rapazes da equipe fez aniversário, não hesitou em convidá-lo também para o “bota-fora”.

A comemoração seria numa sexta-feira e portanto, a primeira vista não teria grandes empecilhos para o seu comparecimento, mas como só ele e o seu conterrâneo tinham disponibilidade para aceitar o convite, o aniversariante passou a contar e fazer questão da presença dos dois e já tinha avisado que não aceitaria a ausência deles, por nenhum pretexto. O fato é que quando foi se aproximando do dia “D”, os dois convidados descobriram que se tratava de um evento em família e que a maioria dos convidados eram os parentes do aniversariante: tios, tias, pais, irmãos, etc. E com esta perspectiva os dois começaram a esfriar os ânimos, a ponto de começarem a pensar numa justificativa para não aparecerem por lá. Vasculharam todo o repertório de desculpas esfarrapadas que conheciam, mas estava difícil, porque arrumar um motivo àquela altura, onde já haviam garantido a presença e praticamente jurado de pés juntos que não faltariam de maneira alguma, só mesmo um acontecimento muito esdrúxulo para ao mesmo tempo afetar os dois e justificar ausências tão imprevistas.

Chegado o dia da festa, Roberval já achando que aquele convite na verdade se tratava de uma roubada, começou a imaginar que os deuses não queriam que ele fosse ao aniversário, e comentou com o amigo que seu intestino estava com maus pressentimentos, que havia amanhecido meio revirado depois de uns petiscos ingeridos na noite anterior, antes de retornar para o Hotel. Provavelmente sua mente já o estava induzindo para a desculpa perfeita, porém com o passar das horas, ele estava cada vez melhor e disposto, contrariando suas próprias expectativas. Mas, haveria de aparecer um imprevisto para salvá-lo, e... o chefe estava cobrando um baita relatório que eles teriam que entregar naquele mesmo dia; e o computador estava com problemas; e os dados necessários não estavam disponíveis; e a rede estava fora do ar. Era a combinação perfeita para uma noite frustrada, os dois tendo que trabalhar até tarde, contra a vontade deles. Nossa! Um cochilo depois do almoço e um meio pesadelo quase o fez sorrir dormindo, estava salvo afinal, até que o seu celular tocasse e ele acordasse sem nenhum relatório para fazer e com tudo na mais perfeita harmonia. Nada impediria a presença daqueles dois convidados tão especiais, afinal eles seriam os representantes da turma de trabalho nas bodas do colega.

E finalmente chegada a hora do famigerado aniversário, seu compadre junto com a esposa pegou-o no hotel, pelo menos ficariam os três juntos, constrangidos porém unidos. Estavam quase chegando na casa do aniversariante quando o carro do amigo foi parando, parando até parar de vez, estavam tão perto que mais um quarteirão e chegariam no destino. Roberval brada irônico que isto poderia ter acontecido alguns quilômetros antes, pois seria a salvação e a redenção deles, mas agora teriam que empurrar o carro até lá e como se não bastasse a urucubaca, ainda chegariam suados e cansados. Não parava de praguejar e repetir que sabia que eles não deveriam ter ido para aquela festa (ledo engano até que algumas doses de whisky provasse o contrário). Segundo os seus cálculos, algum tempo depois de terem chegado, constatou que somando as idades de alguns dos convidados já tinham atingido a marca de aproximadamente 3000 anos.

E depois das primeiras rodadas de bebida, ele já havia nomeado um dos tios do aniversariante como sendo o convidado mais chato da noite. Segundo seu medidor de paciência, tratava-se de um caso de personalidade arrogante, resultado da sua posição de promotor, além disso o fato do velho ter simpatizado logo com ele, o convencia de que seria necessário mais algumas doses de whisky para digerir e dirigir aquela situação, que algum tempo depois se transformava numa cena surreal: o velho “insuportável” já promovido para a categoria de camarada, algumas doses depois para “companheiro de cantoria”, onde a esta altura os dois já falavam a mesma língua dos etílicos e, entre tapinhas e apertos de mão, comemoravam a conclusão de cada música interpretada com todo o ardor musical, brotado daquela amizade e cumplicidade repentinas. Aplausos por favor! bradavam os cantores, enquanto que seu conterrâneo, agora ex-acompanhante, tentava sair à francesa, após ter sido convidado para formar uma “dupla de três”, como diziam nossos mais novos seresteiros, cada um com uma garrafa de whisky em punho, fazendo as vezes dos microfones: “boemiiiiiiiiiia aqui me tens de regresso...”.


                                                                                                                                           Setembro/2015

 Cuspidos do Vagão

 Eram quatro amigos inseparáveis, que apesar de morarem em uma pacata cidade do interior, adoravam uma boa aventura e quando estavam de férias procuravam um bom destino turístico, queriam sempre conhecer novos lugares, fazer turismo ecológico ou mesmo se aventurar numa cidade para conhecer as facilidades e modernidades que assolam as grandes metrópoles.

Numa dessas ocasiões decidiram viajar para uma das capitais mais desenvolvidas do país, para tanto fizeram todo planejamento para não cair nas armadilhas e surpresas da cidade grande. A primeira coisa que descobriram sobre o local para onde iam, foi que possuía uma enorme malha metroviária, então procuraram informar-se através dos mapas quais os trens que deveriam tomar para chegar aos destinos planejados. Inicialmente acharam muito fácil, até chegarem nas estações onde era necessário fazer baldeação, ou seja, trocar de linha para chegar em locais onde a linha em que estavam não passava.

E foi num dos trens em direção a principal estação onde teriam que fazer baldeação, que passaram por uma situação até então inusitada e impensável para estes jovens provenientes do interior, onde nem ônibus enche. Era hora de pique e enquanto esperavam o trem começaram a perceber que não seria fácil embarcar, pois os dois primeiros que passaram estavam tão lotados que as pessoas pareciam, segundo eles, frutas espremidas em um vidro enfiadas ali com a ajuda de um socador e, quando muito, um ou dois passageiros se aventuravam a furar o bloqueio dos “amassados” entrando na disputa por alguns centímetros de chão para colocar o pé. E enquanto esperavam um trem onde pudessem entrar, os amigos percebiam que mais passageiros iam se aglomerando atrás deles, e no terceiro trem onde finalmente haviam apenas passageiros sentados, eles foram literalmente levados para dentro do vagão pela multidão ansiosa e apressada indo parar do lado contrário do vagão encostados em outra porta, em dois segundos a lotação estava completa, cada um garantindo seu mísero espaço. Neste momento, começaram a pensar como conseguiriam descer duas estações à frente, já que estavam do lado contrário à porta de saída e não vislumbravam uma maneira de sair dali com aquela quantidade de pessoas prontas para não mover-se um centímetro sequer do seu lugar e deixá-los passar. Foi quando um deles resolveu perguntar a um dos passageiros como poderiam descer já na próxima estação se nem podiam se mexer, ao que prontamente soltando uma larga risada, este respondeu: - Nem se preocupe, quando a porta de saída abrir, a de entrada também será aberta, e a multidão que vai entrar os empurrará para fora. Mal recebeu a informação e antes que assimilasse aquela apavorante e inesperada situação o trem parou, as portas se abriram e os quatro amigos foram cuspidos do vagão, quando se deram por conta já estavam fora e totalmente desorientados.

Para espanto deles a estação era a mais movimentada da cidade, onde todas as linhas se cruzavam e vários andares foram construídos solo abaixo para que fosse possível integrar todas essas linhas. Não haviam imaginado aquele festival de placas indicativas em tantas direções, tantos nomes de destinos, tantas indicações de roteiro dos trens, em meio àquele emaranhado de informações e gente, simplesmente não conseguiam entender onde pegariam o próximo trem. Começaram a tentar seguir as placas, mas cada vez que pegavam uma das escadas rolantes e olhavam as indicações, não tinham certeza do que pretendiam fazer. Para não parecerem um bando de caipiras perdidos, decidiram que não iriam pedir ajuda às pessoas, e então foi necessário percorrer todos os andares da estação para finalmente admitirem que estavam perdidos e desorientados. Por fim resolveram perguntar a uma senhora em que ponto da estação deveriam pegar o trem para o destino pretendido, a essa altura já estavam tão confusos que nem sabiam mais qual das linhas era a que eles haviam verificado anteriormente no metrô, pois ao olhar tantos mapas na estação, não conseguiam entender quem partia e para onde. Ao receber a explicação da passageira de que precisavam descer as escadas, logo correram ao andar inferior e para não errar novamente, indagaram outro passageiro que após parar e pensar por alguns instantes os direcionou para o andar de cima novamente, foi tão convincente que descartaram a orientação anterior e já subiram escada acima para novamente indagar outro passageiro na tentativa de ter pelo menos duas opiniões iguais, no entanto, a única coisa que conseguiram foi constatar que a maioria dos passageiros só conhecia a linha onde costumam andar. E após inúmeros passeios de escada rolante, num exercício de sobe e desce frenético sem direção, uma mudança de estratégia finalmente os salvou, resolveram "caçar" um passageiro que fosse para o mesmo destino que eles, desta forma não tinha como errar. E assim conseguiram chegar, ou melhor, sair do metrô e chegar ao tão suado destino.

Passados alguns dias de volta da viagem, mostrando as fotos para outros amigos, alguém perguntou: - O que vocês faziam no metrô com esta cara de “perdidos”? Ao mesmo tempo que outra pessoa indagava: - Vocês não estavam dentro deste trem no meio dessas pessoas amassadas, estavam? Afinal de contas, admirados com a situação dos passageiros, eles haviam fotografado as “frutas amassadas” enquanto aguardavam a sua vez de serem inevitavelmente “amassados”.


                                                                                                                                          Setembro/2015

Onde está o Carro?

Ela era o tipo de pessoa que tropeçava no próprio pé, esquecia que tinha tomado o remédio e tomava novamente, saía de casa sem um tostão no bolso para pegar uma condução e só se apercebia do fato quando já estava na parada do ônibus. Em tempos de faculdade já saiu de casa só para entregar um trabalho ao professor, e deixou o dito cujo em casa. Assim era Henriqueta, quanto mais tentava fazer as coisas da forma certa, mais se atrapalhava com suas eternas distrações.

E, apesar de se tornar mais velha e madura, Henriqueta continuava a ser aquela menina que volta e meia fazia das suas, vítima de suas próprias “viagens”. E foi num desses dias de lapso mental que ela de repente viu-se andando mais perdida que cachorro em meio de feira, havia passado no supermercado, feito as compras do mês e resolveu parar no centro da cidade para fazer alguns pagamentos. Como sempre costumava estacionar o carro num determinado local, foi mais uma vez procurar uma vaga no lugar habitual, não encontrando vaga ela seguiu em frente e resolveu estacionar numa rua próxima dali, mas isto não seria bem um problema se o cérebro dela tivesse registrado esta mudança de plano. Após resolver suas pendências no centro tamanha foi sua surpresa ao constatar que o seu veículo não se encontrava no local onde ela costumava deixar. Logo ela começou a imaginar o pior e a tremer diante de seus tenebrosos pensamentos, afinal se não estava lá então havia sido roubado e o que e é pior, com a sua feira do mês dentro. Tamanho era o seu estado de choque que não conseguia conceber outra possibilidade além do sumiço do seu amado veículo, comprado com tanto esforço e que agora, segundo suas deduções, já devia estar bem longe nas mãos de um bandido qualquer, que além disso, devia estar morrendo de rir ao constatar que de quebra ainda tinha levado a feira do mês. Pense num roubo de sorte! E quanto mais Henriqueta viajava nesses pensamentos, maior era o seu desatino, a sua revolta e mais e mais explicações descabidas vinham a sua mente, a certa altura ela já estava culpando o governo pela falta de segurança, a polícia da área pela incompetência, as pessoas pela conivência ou por não terem percebido o sinistro, no final todos eram culpados, exceto ela própria, uma trabalhadora que havia comprado seu carro com tanto esforço num financiamento, do qual pagaria a última prestação no mês seguinte.

Malditos sejam os longos financiamentos dos automóveis! Afinal, antes que termine de pagá-los, o carro já está pronto para ser trocado ou já foi roubado! Mas como não adianta chorar sobre o leite derramado, Henriqueta tentou se recompor recolocando os pensamentos no lugar e se preparando para tomar as providências cabíveis, como tem que ser nestas circunstâncias. Pegou o celular, ligou para a polícia e comunicou o acontecido, para que fosse dado o alerta do desaparecimento do veículo, depois se informou como deveria proceder para dar queixa do fato e dirigiu-se à delegacia mais próxima para fazer o registro . Queixa prestada e choro contido, é chegada a hora de voltar para casa e aguardar notícias, já que não restava mais nada a fazer.

Como diz o velho ditado “nada como um dia atrás do outro e uma noite no meio”. No dia seguinte Henriqueta acorda otimista e cheia de esperança, pois haveriam de encontrar o carro dela e de repente com um pouco de sorte, o ladrão poderia não ter aberto a mala do carro e visto a feira, tudo era possível, agora que ela havia recobrado seu ânimo, até podia se imaginar recebendo àquela notícia tão esperada. E foi neste estado de espírito que ela foi trabalhar, as horas se passavam devagar e cada vez mais devagar, porque quanto mais o tempo passava e o telefonema tão esperado não chegava, mais seu ânimo ia esmorecendo e seus pensamentos teimavam em lembrá-la a todo momento daquela coisinha chata que tinha acontecido.

Quase toda a tarde havia passado quando Henriqueta finalmente recebeu o tão esperado telefonema, ela estava radiante e foi chamada à delegacia para que pudessem levá-la onde estava o veículo. Ao chegar lá, rapidamente foi levada ao suposto local do abandono do veículo, que coincidentemente era o mesmo local onde ela o havia deixado no dia anterior. É claro que ela em fração de segundos lembrou dos momentos finais em que esteve com o veículo e percebeu o tamanho da esparrela que tinha aprontado, mas como não queria e não podia admitir toda lambança que havia cometido, não se fez de rogada, disparando para os policiais que os bandidos deviam ter pego o carro para fazer algum roubo e colocaram de volta próximo ao local onde ela o havia deixado, ou apenas queriam fazer algum tipo de brincadeira de mal gosto. Enquanto ela fingia que não tinha esquecido onde havia deixado o carro, os policiais fingiam que acreditavam nela. Sem mais bobagens para falar foi até a delegacia, encerrou a queixa, saiu com o rabo entre as pernas, desconfiada como quem está mesmo errada e foi para casa dormir com mais essa no curriculum e, de quebra, com os alimentos gelados estragados após tanto tempo cozinhando dentro da mala do carro dentro da lixeira, que também precisaria ser exorcizada depois do cheiro de bicho morto que se instalou por lá.


Novembro/2015

                                                                                                                                        
Arroxa Colorau!


Quando eu era criança, lembro que na minha família falava-se uma expressão que eu achava muito engraçada: “arroxa colorau!”, que significava apertar alguma coisa com exagero. Mas no geral tinha outro significado, que nasceu com uma brincadeira de uma das minhas tias com a minha prima, filha dela. É que sempre que aparecia um casal se beijando nas novelas, minha prima ficava alarmada e começava a chamar a mãe para mostrar, até que um dia minha tia falou brincando: “arroxa colorau!”, por conta da demora do beijo. E aí, desde esse dia, a minha prima que era muito pequena e por achar muito engraçado o que a mãe havia falado durante o beijo, passou a repetir a mesma frase sempre que via um casal se beijando, fosse na televisão ou na vida real. E todos da família achavam a expressão tão divertida, que logo a adotaram, de forma que também passaram a usar a frase quando alguém presenciava alguma cena de beijo exagerado.

Mas depois de muitos anos passados e a expressão quase cair em desuso, hoje consigo pensar nela depois de ouvir o relato de uma história completamente ou literalmente a base de colorau. Trata-se de uma daquelas patifarias, como diria o matuto, que só se vê nas comédias pastelão. O fato é que, Fabiano, criatura sem noção e amigo de Juliano - outro lunático que acatava totalmente as ideias do amigo sem nem parar para pensar na lógica das coisas, tinha sempre suas ideias “geniais” que resolviam qualquer problema que atravessasse no seu caminho e Juliano é claro, sempre pronto para segui-lo, afinal de contas, existia uma relação mútua de confiança onde sempre se ajudavam quando necessário.

Ocorreu que um certo dia Juliano chegou à casa do amigo com seu carro já meio baleado do tempo e do uso, e comentou que agora havia aparecido mais um defeito e que ele já havia descoberto a origem, só não sabia como resolver. Fabiano ao ouvir que o problema estava em um buraco no radiador, imediatamente ligou a questão a um artigo que havia lido em alguma revista de décima categoria sobre automóveis, que explicava sobre o uso do colorau para tapar um eventual furo nessa peça, que coincidentemente tratava-se da mesma peça que era o motivo da preocupação de Juliano. Neste momento, Fabiano expôs a sua ideia baseada na reportagem lida, e como a fonte parecia confiável Juliano imediatamente concordou em por em prática a genial solução dada pelo amigo, que nada mais era do que adicionar colorau dentro do radiador, até que o mesmo decantasse entupindo o famigerado buraco, que estava provocando o mau funcionamento do carro.

Ora! a ideia parecia tão simples, que naquele momento dirigiram-se até a bodega vizinha à casa de Fabiano, compraram um saquinho de colorau e começaram a operação “tapa buraco”. Despejaram o primeiro saco, testaram e não deu certo, concluíram que havia sido pouco colocau, então compraram um segundo saco e como o resultado foi o mesmo resolveram comprar logo mais dois sacos, deixando o dono da bodega curioso, que não perdeu tempo e já foi perguntando:

- Que danado de receita é essa que vocês estão fazendo com tanto colorau? valha-me! um saco já dá pra cozinhar para um batalhão, avalie quatro! Mas Fabiano achando a coisa muito natural, respondeu:

- É para colocar no radiador do carro! E saiu antes que se fizesse mais perguntas e é claro, deixando o dono da bodega atônito com aquela resposta sem pé nem cabeça, principalmente para um proprietário de automóvel que nunca havia ouvido falar em nada parecido com aquilo. Mas a coisa não parou por aí, e como o problema ainda persistia, resolveram comprar mais colorau. E o vendedor nesse momento e de certa forma aliviado, porque desconfiava que eles estavam aprontando alguma bobagem, respondeu:
- Não tenho mais colorau, vocês compraram todo o resto que tinha. Ao que Fabiano pergunta:
- E cominho, você tem? E o vendedor entrega-lhe dois sacos, conforme solicitado, não sem antes comentar:
- Eu nem consigo imaginar o que vocês estão fazendo com o radiador, quatro sacos de colorau e dois de cominho.

Na cabeça genial de Fabiano, ele havia chegado à conclusão de que, como cominho era até mais grosso do que colorau, seria mais fácil terminar de tapar o buraco, então colocaram mais essa ideia em prática e, evidentemente após testar o carro, a coisa não havia dado certo. E como não havia mais dinheiro para comprar condimentos, Juliano despediu-se do amigo, declarando que deixaria o carro na oficina de um conhecido seu, pessoa de confiança, que resolveria a questão. E assim o fez, deixou o carro no conserto e ficou acertado que dois dias depois retornaria para pegá-lo.

No dia marcado, ao chegar à oficina, o dono correu para falar com ele, estava abismado e intrigado com o que havia visto no radiador. Ele mal podia esperar para saber o motivo daquela peça estar tão temperada, a ponto de impregnar a oficina dele com cheiro de cominho e sujar tudo de colorau, ele havia perdido as contas de quantas vezes havia limpado o local e gasto desinfetante para dar fim aos temperos que haviam saído de dentro do radiador, foi um Deus nos acuda. Se o dono da oficina não fosse seu velho conhecido, possivelmente ele teria que pagar o custo do trabalho, para dar cabo de tanto condimento. Mas o mais curioso de tudo foi que Juliano só conseguia achar graça na desgraça do dono da oficina, e Fabiano depois de tomar conhecimento do ocorrido, também só fez engrossar o cordão da risadagem.

E eu, após ouvir toda essa baboseira, só conseguia imaginar a cena de Fabiano dizendo para Juliano:
- Arroxa colorau!

Novembro/2015

 
Agora Falando Sério


Mudando radicalmente de assunto, ou como diz a música do Chico (o Buarque mesmo), agora falando sério, eu queria não falar, falando sério[...]”. Digo isso porque diferentemente das minhas crônicas anteriores, agora o assunto é para pensar.

Estando inseridos num contexto totalmente inesperado, onde hoje o clima em que estamos vivendo tem sido um misto de ideias e ações contraditórias, é quase um chamado a necessidade de nos pronunciarmos diante de tão surpreendes e chocantes fatos que cercam o momento político-econômico do nosso país. Porém, imagino que falar de política e economia sem ter conhecimento profundo destes assuntos, que envolvem uma verdadeira ciência social em torno deles, seria correr o risco de dizer algo infundado, portanto, me resguardo a falar como cidadã conhecedora de economia doméstica e militante de tantas causas em minha juventude, e como tal, sinto uma inquietação ao observar a incoerência de atitudes e opiniões que rondam os meios sociais, quando comparo com momentos históricos vividos anteriormente, não somente por mim, mas também por tantos outros indivíduos que viveram esses mesmos tempos.

Apostamos num futuro melhor e ele veio, mas sem base de sustentação. Hoje esse futuro desmorona e nos puxa de volta ao ponto de partida, quando deveríamos estar a caminho da solidificação de uma nova cultura de “Ordem e Progresso”, como está estampado em nossa bandeira. Mas ao invés disso, vemos o nosso povo mergulhado numa escuridão cultural, social, de consciência de sua própria cidadania, de senso de coletividade e de ética. Se ontem íamos para as ruas porque não aceitávamos sermos governados por um presidente demagogo e corrupto, hoje alguns defendem a continuidade de uma administração baseada em atos que no passado tantos deram a vida para combater, ou como eu, foram às ruas para brigar contra. Hoje, cometer atos ilícitos e subtrair a nossa pátria só é errado se praticado por alguns, por outros é normal, ou não deve ser julgado porque “outros já faziam também”. A nossa crise ética faz tantos cegos, surdos e mudos da realidade e cria a relatividade dos atos, ou seja, o errado só é errado dependendo de quem pratique e para que. Ora, desde quando ensinamos a um filho, por exemplo, que roubar pode, dependendo de quem rouba ou para quê? Como dizia um velho amigo: “o certo é o certo”. Só seremos uma nação em progresso, quando a maioria pensar assim, quando o senso de honestidade e coletividade for a regra e o contrário a exceção, de outro modo, todos perderão.

Mais do que julgar esse ou aquele político ou partido, precisamos reavaliar nossos conceitos e, também nosso papel de reconstrutores de novos ideais e novas bases éticas que devem guiar os nossos pequenos e grandes atos, desde pensar no outro na hora de jogar um papel na rua, até o grande ato de votar.

 Agosto/2015

Reorientando a Viagem

E como estamos nesta onda de reflexão, me peguei divagando sobre o determinismo para o qual estamos “programados”, segundo alguns princípios filosóficos, os quais tive a oportunidade de conhecer em um determinado momento de busca interior da minha vida, e princípios científicos, que tive conhecimento recentemente, onde concluí que nada mais são que a ratificação de velhos aprendizados outrora estudados.

Explico melhor: Há muitos anos atrás, tive um orientador que nos ensinava sobre uma espécie de filosofia de vida, onde afirmava que temos a tendência de seguir os mesmos passos dos nossos pais. Ou seja, nós temos uma inclinação natural para buscar e traçar caminhos similares àqueles trilhados pelos nossos genitores. Depois que recebi essa “revelação”, comecei a observar e constatar que isso, de fato, é uma realidade. Vi muitas pessoas repetirem os mesmos erros cometidos por seus pais, como também os mesmos acertos. O mais curioso foi perceber que o erro cometido no passado pelo pai ou pela mãe, nem sempre serve de aprendizado para evitar que o fato se repita de uma forma semelhante na geração seguinte, de alguma forma aquilo pode ser até um álibi para que o descendente possa justificar seus atos equivocados, porém herdados.

Cientificamente falando, conforme resultados das pesquisas do cientista americano Bruce H. Lipton, que realizou um profundo estudo sobre o comportamento celular, nós herdamos no nosso DNA a memória de vida dos nossos pais, e daí nasce a origem desta tendência determinística de nossas vidas. Porém, ao mesmo tempo que ele explica de forma acadêmica a origem desse comportamento, ele também expõe a característica e a capacidade que todos nós temos de poder mudar ou romper com essa premissa. E é, com base nesta espetacular saída diante de um pressuposto destino, traçado por uma cadeia de genes inteligentes, que hoje compreendo e admiro aqueles que constroem uma nova história para suas vidas, apesar do apelo carnal de suas origens. É o que chamo de reorientar a viagem, é quando as pessoas traçam seus próprios caminhos, apesar dos “ventos contrários”.

Mas para tanto, é preciso que a consciência esteja desperta, para reconhecer qual o caminho que se está percorrendo nesta jornada que chamamos de vida: se é o nosso próprio, ou se estamos apenas deixando ela nos levar, seguindo nossos instintos genéticos. Acredito, verdadeiramente, que se é preciso redirecionar nossa caminhada, a fim de irmos ao encontro de um destino diferente, é necessário, além de estar consciente da própria existência, querer mudar a própria história e fazer acontecer. Daí a minha admiração por aqueles que conseguem fazer diferente e romper com esse determinismo, exercendo um dos maiores poderes que temos sobre a nossa existência: o de escolha.


Outubro/2015

Vida e Pátria

Estava assistindo a uma série que retrata a época do império do tráfico na Colômbia e, é claro que além da dura realidade que todos conhecem a respeito daquela fase tão triste e lamentável da história desse país, que ainda luta contra as sequelas daquele período, na verdade existe um contexto incrível de lances e fatos, que despertam sentimentos bastante antagônicos em quem assiste a esse relato tão verdadeiro é impressionante.

Particularmente, duas situações despertaram em mim sentimentos tão diferentes e me fizeram mergulhar nas profundezas do significado desses cenários: uma foi a coragem de vários políticos que arriscaram suas vidas na tentativa de lutar contra o mal que assolava o país, a ponto de a perderem de fato no meio de uma guerra que enfrentavam para salvar a nação do Imperador das drogas. E a outra situação que provocou o meu senso, foi ver o lamento dos pobres que choraram a morte desse explorador cruel do sofrimento humano, pobres que foram usados por ele como proteção e para garantir votos, a fim de conquistar um cargo político e assim proteger os interesses do tráfico e, obviamente, obter mais poder e riqueza às custas da desgraça de milhões de pessoas dentro e fora daquele país.

Fazendo um paralelo com a nossa realidade atual, não pude evitar de pensar no quanto passa distante da nossa pátria Brasil a grandeza dos atos daqueles políticos. Hoje não é possível imaginar que possa existir um deputado, senador ou qualquer pessoa de responsabilidade equivalente, que tenha a coragem ou a hombridade de dar a vida por esta nação. É possível até que arrisquem as suas vidas ou a liberdade, mas pelo poder e pelo vil metal. Se dependêssemos deles para nos libertar das mãos de um comprador e destruidor de vidas, estaríamos inevitavelmente, todos vendidos e mortos.

Um outro pensamento que me veio quase que de imediato ao ver o choro daqueles pobres que foram usados, foi a lembrança dos menos favorecidos deste país que são comprados e usados, a cada nova eleição, para ajudar a manter esses mesmos políticos no poder. Assim como aqueles outros pobres, os do nosso país também choram pelos seus eleitos, pois da mesma forma que aqueles humildes da Colômbia, estes não têm consciência para reconhecer que os mesmos que apertam suas mãos em tempos de eleição, são os mesmos que os aprisionam à uma vida de desfavorecimento.

                                                                                                                                          
Fevereiro/2016


 Carnaval ou Rotina anual? 

Nos primeiros anos da minha adolescência comecei a gostar do carnaval, como acontece coma maioria dos jovens. Lembro que, apesar dos bailes de carnaval estarem fora de moda há muito tempo, ainda consegui ir a dois: um na minha cidade com uma colega de escola e a mãe dela, e outro no interior com duas amigas e a mãe de uma delas. Ambos foram em clubes, e nesses casos não tem jeito, é sempre da mesma forma: pessoas coladas umas nas outras, dando voltas intermináveis no salão. Normalmente quando o salão está muito cheio, alguns  foliões não chegam a pisar no chão, e é um tal de rodar, que pra sair desse redemoinho dá o que fazer. Ainda bem que por esses tempos eu nem sonhava em ter labirintite. Não sei o que era pior: não conseguir pisar no chão, ou levar umas 450 pisadas a cada volta. Mas o mais incrível é que a maioria parecia gosta r o ruge-ruge, e do roda-roda. Fato é que essas experiências serviram para que eu desse por visto esse tipo de folia e, daí por diante se era pra pular com os pés fora do chão só se fosse pra frevar e se fosse pra andar, que eu escolhesse a direção.

Os meus primeiros carnavais de rua não foram seguindo os blocos e as troças, como é o mais natural para quem vive na terra do frevo. Eu e meus amigos íamos para os locais onde existiam focos de animação na cidade e ficávamos horas e horas pulando na rua, curtindo as músicas da moda e os frevos que um aqui, outro acolá, mantinha a tradição local. E o detalhe era que, geralmente brincávamos à noite até quase amanhecer o dia, o que hoje seria totalmente arriscado e não recomendado, já que os tempos mudaram e infelizmente para pior, pelo menos neste ponto.

Com o passar do tempo percebemos que era melhor brincar durante o dia, foi quando descobrimos que a diversão era seguir os blocos, com suas orquestras animadas, seus componentes cheios de graça, algumas vezes com performances verdadeiramente cômicas. Em pouco tempo surgiu a possibilidade de alugarmos casa no foco da folia, e nossos carnavais ficaram ainda mais animados, podíamos aproveitar melhor os blocos. Assim se passaram  vários carnavais.

Depois de alguns anos nesse ritmo, passei a ir às ruas apenas para ver a folia, ou participando de algum bloco em particular. Daí em diante esse ritual anual começou a ficar cada vez mais parecido, até se tornar exatamente igual. Percebi que a cada ano esses dias pareciam passar mais rápido. Estava tentando entender o porquê disso quando lembrei da "Teoria da Repetição", aquela que fala que quando fazemos as coisas do mesmo jeito o cérebro nem registra mais, joga a coisa no automático, e o tempo neste caso, também não é computado. Pensando nisso, cheguei á conclusão de que o carnaval pra mim havia se transformado numa rotina anual: a cada dia a mesma programação, nos mesmos lugares. E o resultado disso: meu cérebro simplesmente não precisava registrar mais nada, estava no automático e quando menos esperava, estávamos na quarta-feira de cinzas cantando: “Ô quarta-feira ingrata chega tão depressa, só pra contrariar”.  

E, se pra os outros a quarta-feira de cinzas parece chegar tão depressa, como diz a marchinha de carnaval, por toda alegria e diversão desse período, seguramente pra mim, hoje a explicação parece ser bem outra. Mas, mesmo olhando sob esse novo ponto de vista, acredito que o refrão ainda me soa bastante coerente, mesmo num outro sentido.
                                                                                                                                           Fevereiro/2016

 Coisas de Família



Ainda bem que sou do tempo em que as famílias tinham mais que dois filhos e os avós moravam junto com a família, sou também do tempo em que os membros da família faziam as refeições juntos, pelo menos no final de semana, do tempo que os irmãos brincavam juntos e arengavam bastante. E assim, tive a oportunidade de guardar lembranças divertidas de outrora, quando havia outro modo de vida, longe das redes sociais e da vida cibernética.

Hoje relembro os pormenores dessa convivência, às vezes divertida e outras vezes complicada, mas que ainda me fazem rir ou sentir saudades. Pequenos detalhes do comportamento de cada um, hábitos e lances do cotidiano. Às vezes um acontecimento inesperado muda tudo, e é como se tivesse passado um tufão que em minutos muda todo o cenário por onde passa. E assim como acontece com muitas famílias, aconteceu também com a minha. Àquele momento em que o que parecia cor de rosa, começa a mudar de cor e a vida se apresenta como ela realmente é.

Mas, como disse anteriormente, antes que o tufão passasse pela nossa porta, tive a oportunidade de guardar no meu “bauzinho de memórias” pequenos trechos da minha história em família, que apesar de sua simplicidade, fazia a vida mais doce e divertida. Uma das coisas de que gosto de relembrar são as expressões usadas pela minha mãe que, apesar de ter nascido na capital, herdara da minha avó muitos ditados bem interioranos que eu achava muito engraçado. Perdi as contas de quantas vezes minha mãe me mandou pentear macaco, cagar na praia e limpar a bunda com a saia ou mesmo ver se ela estava na esquina, fora tantos outros que ainda são ditos, mas que estão sendo gradativamente substituídos pelas gírias que já não carregam a inocência daquelas expressões, mesmo quando eram mais ousadas.

Lembro que tínhamos um cão chamado Tó que, apesar de não morrer de amores pelo meu irmão, não deixava ninguém pensar em dá-lhe uma palmada, bastava minha vó brigar com o menino, pro danado do cachorro vir correndo e começar a latir em defesa da vítima, que como diria minha vó, era “os pés da besta”. Aliás, isso me faz lembrar de outra cena envolvendo os mesmos personagens, que se passou num dia em que o meu irmão caiu duro no chão fingindo-se de morto, com o intuito de dar um susto na nossa avó, o cachorro sem entender o que se passava disparou a latir, a partir daí era minha vó mandando meu irmão se levantar e Tó, aparentemente, “reclamando” com ela e ao mesmo tempo desesperado porque o meu irmão não dava sinal de vida, enquanto isso eu só assistia aquela cena sem pé nem cabeça, morrendo de rir. Outro episódio aconteceu quando éramos já adolescentes: houve uma campanha contra a filariose na cidade e um funcionário da Superintendência de Campanhas de Saúde Pública (Sucam), passou na nossa casa e deu um comprimido para mim e para o meu irmão e falou pra nossa avó que se tivéssemos determinados sintomas um tempo após termos tomado o remédio, era porque estávamos infectados e deveríamos ser levados a um Posto de Saúde. É claro que o “os pezinhos da besta” ao ouvir aquela recomendação aproveitou a deixa para, pouco tempo depois de medicados, começar a fingir estar com todos os sintomas relatados pelo agente de saúde, deixando nossa avó em polvorosa, logo tratando de comunicar a minha mãe o ocorrido para as devidas providências. E quando minha mãe foi chegando, eu que já conhecia a peça, fui logo dizendo: - É mentira, ele tá fingindo. E ele, claro, foi logo ficando “curado”. Quanto a minha vó, só restou mais uma vez, o desabafo: “Ô menino sem jeito!”.

Voltando as expressões, houve um tempo em que minha mãe comprou um livro de pensamentos que deu muito o que falar, era para ser sério, mas algumas mensagens quando passaram para o nível da vida prática, tomaram outro rumo e particularmente uma caiu nas graças da família. Só lembro que se referia a questão de quando as pessoas criticam os outros e não vêem seus próprios defeitos, e para compor a mensagem o autor falava em algo como; “não ver o cisco do próprio olho”, o fato é que cisco se transformou num travessão e o travessão em um tronco e quem se atrevesse a criticar o outro, lá vinha a história do travessão no olho. E assim entre ditados e frases feitas, algumas vezes nos divertíamos resolvendo as nossas questões diárias.


                                                                                                                                                  Abril/2016
O Mato que há em mim

Sempre fui muito tímida, o que diga-se de passagem é uma pedra constante no meu sapato. Minha mãe costumava dizer que timidez é falta de educação, passei boa parte da minha infância ouvindo esta frase, mas sem nunca entendê-la, pra mim não fazia sentido algum, afinal não era tímida por vontade e também não gostava de sê-lo. Na verdade, nunca descobri o real sentido daquela frase, mas desconfio que o comportamento das pessoas tímidas, algumas vezes, parece de fato falta de educação, quando não antipatia, que é tão ruim quanto.

E como a timidez condena o seu portador a atitudes, de certa forma até estranhas, eu também não pude escapar desse traço de personalidade que sempre considerei um verdadeiro encosto. Digo isso porque parece que tem sempre algo ou alguém nos segurando, mais precisamente segurando a língua, o que me faz lembrar de uma outra frase que os tímidos costumam muito ouvir: “parece que o gato comeu a sua língua”, acho que eu já andava com o gato a tiracolo. Mas isso não é tudo, lembro também que gostava de me esconder quando algumas visitas mais formais apareciam na nossa casa, esse tipo de gente costuma representar uma verdadeira ameaça aos introvertidos, e por essa razão, tinha uma frase na qual sempre eu era enquadrada: “essa menina parece um bicho do mato!”.

Mas essa história toda foi só pra dizer que acho que tinham razão quando diziam que eu era um bicho do mato. Nasci e me criei na cidade grande, mas sempre me senti uma criatura interiorana, do mato mesmo. Quando era criança, tive a felicidade de passar algumas férias em um sítio de parentes. Nessas ocasiões vivi e vi quase tudo que se pode testemunhar da vida no “mato”: Tomei leite de gado tirado na hora; tomei banho em barreiros; colhi milho; vi seca; vi muito atoleiro em estradas de barro por conta de chuvas; vi galinha de capoeira sendo preparada desde o seu corte; porco sendo capturado para o abate e ouvi, não de bom grado, os seus derradeiros gritos; jumento sendo capado; cobra em “rodia”; festa de padroeiro com parque de diversões. Foram tantas as aventuras e desventuras em meio à diversão, e ao mesmo tempo dificuldades vivenciadas em razão das limitações daqueles lugares tão primitivos e tão natureza.

O fato é que, depois de adulta, quando revivi todas essas experiências novamente e outras mais da vida sertaneja, percebi que havia verdade naquela frase que tantas vezes ouvi na minha infância, porque de certa forma acho que sou mesmo um bicho do mato, pois é onde me sinto em casa. Talvez seja até uma coisa de outra encarnação, talvez um dia ainda descubra, mas até lá sigo sentindo que esse bicho vive dentro de mim e sempre aparece quando chego no habitat dele.

                                                                                                                                                 Abril/2016


 Que Patriotismo é esse?


É impressionante o comportamento do brasileiro. Sempre me questionei o porquê de sermos um povo tão pacato e submisso. Embora no passado tantas pessoas tenham sacrificado a vida pelo país, hoje simplesmente parece que não somente não se pensa mais no país, como também as pessoas aparentemente só pensam em si, e o que é mais chocante é ver que este modo de agir acontece em todas as camadas sociais, sem distinção alguma. Foi criada a cultura do “levar vantagem”, e com este pensamento o senso de coletividade tem sido extremamente prejudicado e negligenciado.

Mas como o brasileiro é cheio de atitudes inesperadas e pouco compreensíveis, eis que nas Olimpíadas do Rio de Janeiro, o público passou a torcer pelo país, de uma forma tão exacerbada, que chamou atenção da mídia internacional e várias teorias surgiram para explicar esse fenômeno social brasileiro. A mais falada teoria foi a do torcedor de futebol: ou seja, nós só sabemos ser torcedores deste esporte, que é a paixão nacional, e como a fase atual das torcidas brasileiras é a do exagero, este comportamento foi levado aos estádios nas olímpiadas. Será? Por isso pergunto: que patriotismo é esse? De uma hora para outra todos torcendo em várias modalidades com uma paixão como já não se via.

Tenho minhas dúvidas sobre esta teoria dos torcedores de futebol. E acho que se a explicação não for esta, existe uma luz no fim do túnel e talvez esse povo possa aprender a ter orgulho do seu país e lutar por ele. Colocar sua bandeirinha na frente de suas casas, honrá-la e cobrar dos outros o respeito às suas cores e ao seu significado. De qualquer forma, ver as pessoas nas ruas protestando de forma apartidária, abraçando a bandeira, reivindicando honestidade e justiça contra aqueles que subtraem o país, não deixa de ser também uma centelha de luz no fim do túnel.

De certa forma, foi animador ver brasileiros elogiando uma realização nossa e demonstrando o quanto estavam se sentindo orgulhosos. Levando em consideração o contexto dos últimos tempos, isto soa totalmente como novidade. Acho que nosso povo está, na verdade, muito carente de sentir este orgulho. Nunca sentimos tanta vergonha alheia e decepção com relação àqueles que nos governam, porque esses quando deveriam proteger o nosso país, estão jogando nossa imagem na lama, sem o menor ressentimento ou pudor. Medalha de ouro para os nossos atletas! Pois estes sim, foram bons exemplos de perseverança, superação e amor à camisa. Conseguiram elevar o nome do nosso país, levaram estes valores ao podium e com isso, resgataram um pouco desses sentimentos tão nobres e fundamentais para o crescimento de um país, que é o orgulho pela pátria.

                                                                                                                                        
                                                                                                                                               Agosto/2016
                                                                                                                                                            

 E não é só falar em seca

Site: www.verdinha.com.br

Há muitos anos atrás, fiz uma redação na escola na qual o tema deveria se basear em um assunto atual. Na época me inspirei numa música intitulada Orós II, interpretada pelo cantor Fagner e discerni sobre a questão de que existe muito mais a se falar sobre o Nordeste, do que relacionar essa região apenas ao problema insolúvel da seca, já que na época essa era uma refencia muito recorrente.

Há alguns dias atrás, numa sessão de revival, tive a oportunidade de ouvir essa música, há tantos anos sem escutá-la. Este momento foi certamente de muitas lembranças, e dentre elas veio a da minha redação. Esse pequeno resgate da memória me fez refletir novamente sobre a mesma questão, só que desta vez com mais propriedade. Isto porque quando a letra dessa música diz “não é só falar de seca, não tem só seca no Sertão”, guarda um conjunto de coisas, que tive a oportunidade de ver com meus próprios olhos, e hoje consigo enxergar além do que se dizia naquela época.

Quando outrora falei das belezas do Nordeste que pouco eram lembradas, em contraposição da imagem de território pobre mergulhado numa seca sem fim, eu via apenas um lado da questão e não sabia o quanto de vida havia naquele lugar e naquele povo, que agora sim, vem se afastando tanto da sua terra, que a seca possivelmente se tornará senhora deste território, agora não somente abandonado pelos governos, mas também pelo seu próprio povo.

Pude testemunhar momentos de fartura quando uma vez que a chuva voltava, a esperança se renovava, o verde ressurgia e a paisagem cinzenta era substituída pelo colorido das folhas, numa rapidez que surpreende pela capacidade de recuperação da terra que parece estar apenas aguardando uma oportunidade para reviver e florescer. E como nunca houve interesse real em resolver os problemas, é claro que o tempo só agravaria o que já era difícil por natureza, pois não é dando esmola que se acaba com um problema com raízes tão profundas e antigas. E 30 anos depois, escutando uma música que deveria guardar em sua letra uma realidade superada e ser símbolo de um passado, como uma peça de museu, na verdade traz à tona uma realidade mais atual do que nunca. E o pior: o futuro deste lugar parece inexistente ou mesmo improvável, pois não há como recuperar algo que foi abandonado em troca de uma vida mais fácil, quando não há ninguém para lutar pela sua sobrevivência e prosperidade. Pois quando a terra é hostil, o homem tem que ser mais forte que ela, basta olhar para alguns desertos do mundo que foram domados, mas é preciso investir e trabalhar. E pelo que se vê hoje no nosso país, infelizmente estas duas palavras juntas são para o uso de poucos. E quando hoje escuto as músicas de Gonzagão, que descreveu como ninguém a vida e a realidade do povo do Sertão, vejo que nelas ficará guardada a história desse lugar, como um museu abstrato, e só lá sobreviverá.

                                                                                                                                            Agosto/2016  


Amanhã eu faço
Site: www.fotosearch.com.br

Existe um ditado que a maioria das pessoas conhece: “Não deixe pra amanhã, o que você pode fazer hoje”. Eu mesma simpatizo muito com este adágio popular e procuro aplicá-lo no meu dia a dia, até porque costumava ouvir muito um ditado que a minha avó dizia, que acredito que seja primo dele: “O homem prevenido zomba do tempo”. A gente sabe e cansa de saber que é verdade, mas muitas pessoas preferem usar exatamente o lema que é o oposto a isso tudo, ou seja: “Amanhã eu faço”. Conheço algumas que são assim, paciência! Pois cada qual tem suas filosofias de vida, o problema é quando isso cria um problema.

Estava pensando após ser obrigada a passar 15 dias sem trabalhar, quando eu menos esperava. E não só não podia trabalhar, como também não podia fazer quase nada, o que me obrigou a frear a vida durante esse período, coisa que para alguém que está sempre fazendo algo, é quase como ter as mãos amarradas. Nesse momento, fiquei pensando se existiam pendências ou coisas urgentes que havia deixado de fazer, felizmente não havia. Exceto as minhas atividades laborais, não havia nada que eu houvesse deixado pendente, a ponto de me deixar ansiosa ou preocupada. E nesse momento, pude me regozijar por usar na minha vida este pequeno ditado tão útil, pois como costumo dizer: “Hoje eu sei de mim, amanhã, só Deus sabe”. E quando a gente fica repentinamente impossibilitado de fazer as nossas atividades, a primeira coisa em que pensamos é exatamente no que tínhamos para fazer.

Costumo pensar que o que acontece em nossas vidas serve também para corroborar coisas que a gente já sabe, mas que deixou de lado, ou precisa lembrar de vez em quando. Por este motivo, comecei a refletir a respeito dos meus dias de molho, e pensei que embora tenha passado no quesito prevenção, acho que os Deuses queriam me dar um outro recado. Mas qual recado? Provavelmente deve ter sido: Você nunca para? Alguém me falou nesta possibilidade e comecei a imaginar que esta poderia ser uma resposta. Afinal, de fato, mais uma vez tirei férias e não houve sequer um dia de descanso e já fiz isso outras vezes.

É claro que normalmente a gente imagina que viajar é sempre uma diversão e aí não vai ser cansativo, mas há um certo momento da vida em que até isso cansa, porque já não temos tanta energia, então é preciso considerar uns dias para descanso total quando tiramos férias, principalmente se a rotina é corrida e com muitas atribuições. Hoje, uma das coisas em que mais se fala é do estresse do dia a dia, que muito tem consumido a saúde das pessoas, mas por mais que a gente tente se livrar deste fantasma que acompanha a vida moderna, ele dificilmente sai de perto, então nada mais justo nos proporcionar um momento para entrar no famoso slow down que afasta, pelo menos por um tempo, este diabinho do tripé que cobra o preço da vida instantânea e imediatista. E aí fica a lição: desacelerar é preciso.

                                                                                                                                           Setembro/2016

O estranho som do silêncio 

Quando eu era criança, com uma certa idade, lembro que tínhamos um ventilador que a grade dele era de metal. Logo que meu pai o comprou para o meu quarto e de minha irmã, foi uma alegria, naquele tempo era um progresso: um belo ventilador tamanho médio vermelho, com uma grade de metal novinha brilhando. Mas o que parecia uma inovação, com o tempo começou a mostrar suas falhas. Volta e meia a hélice raspava no metal e era uma barulheira danada, não sabíamos o que provocava o problema, se era a hélice que se deslocava pra frente ou se era a grade, que não era lá muito firme e se deformava só porque a gente segurava o ventilador por ela.  O fato é que as noites silenciosas com o novo eletrodoméstico, passaram a ser noites barulhentas com o "metralhinha", apelido colocado por minha irmã no dito cujo. E o jeito, então, foi se acostumar.

Anos e anos usando o nosso “metralhinha” fez com que eu só conseguisse dormir com uma zoadinha no quarto, simplesmente dormir no silêncioera quase impossível para mim. Depois que finalmente aposentamos o zoadento, tive que improvisar e passei a dormir sempre com um rádio ligado na cabeceira da cama. É impressionante o quanto nos condicionamos a certas situações. Muitas vezes quando precisava dormir na casa de amigos ou parentes, só conseguia porque ventiladores e condicionados de ar barulhentos eram quase uma unanimidade.

Mas este tipo de coisa é como acostumar uma criança a dormir só no escurinho e no silêncio, quando sai dessa rotina, não dorme. E foi quase o que aconteceu comigo quando casei. Como fazer com que outra pessoa dormisse sob os meus hábitos? É claro que isso não aconteceu. O caminho foi ter que me acostumar a uma nova rotina e mais do que isso, aprender a dormir ao som do silêncio. Como isso aconteceu? Ora, tive antes de tudo que sentir o “incômodo” som do silêncio ao dormir pela primeira vez no sítio dos meus sogros, onde só se ouvia raros piados de um ou outro animal da região. Era impressionante como meu ouvido parecia zumbir, simplesmente não conseguia conviver com aquela falta de sons, e foi aí que percebi o quanto realmente estava condicionada ao não natural som dos ventiladores da minha vida. Parece bobagem, mas às vezes sentia vontade de tapar os ouvidos, exatamente para conter aquele “zumbido” silencioso. Aquilo pra mim era uma novidade: ouvir o som da natureza. Embora isto soe contraditório, era perturbador. Em outras vezes tentei até levar um toca CD portátil para não encarar o silêncio ensurdecedor, como costumava me referir na época. Mas depois percebi que quem estava errada era eu, uma filha da cidade grande, onde os sons estão por toda parte, a todo momento. Ao prestar um pouco de atenção nessa minha dificuldade, percebi que sempre tinha uma TV ou um som ligado quando não havia nada para encher de barulho o ar e que este é o modo de vida urbano.

É impressionante como não percebemos o quanto vivemos mergulhados numa constante mistura de sons. Pude compreender isso muito fortemente quando me mudei para o meu primeiro apartamento próprio, ele ficava numa rua muito calma, diferente do anterior. E no primeiro dia de moradia, a minha grande surpresa foi ouvir o canto dos pássaros, descobri que todas as manhãs havia um bem-te-vi que alegrava o meu café da manhã com o seu belo canto.

Infelizmente muitas pessoas não têm se dado conta do quanto vivem mergulhadas num mar de poluição sonora, alguns quase estouram os ouvidos com sons estrondosos em automóveis e pouco se importam se estão incomodando. Acredito que a inquietação que acompanha essas pessoas não permite que elas possam encarar o silêncio, pois de fato, ele nos faz ouvir a nossa própria voz e sons com os quais não estamos acostumados e isso nos perturba.

Mas há sempre um tempo em que descobrimos, pelo menos algumas pessoas, que o silêncio alimenta a nossa paz, nos tira do estresse e acalma os nossos sentidos. Há de se respeitar a natureza, ela necessita deste silêncio, e como fazemos parte dela, também precisamos dele para equilibrar esta convivência até com nós mesmos. Afinal, se não podemos parar para escutar o som das ondas do mar ou das folhas, dos pássaros ou da nossa mente, como iremos escutar o outro ou a nossa consciência, tanto corporal como humana?

                                                                                                                                         Outubro/2016



Verde, non me quieres verde


https://pt.dreamstime.com

Assim como muitos seres humanos no planeta, também sou apaixonada pelo verde, quando digo verde, na verdade me refiro à natureza. Apesar dos que vivem para destruí-la, existem os que a defendem e assim o nosso planeta vem escapando de sua morte prematura e a raça humana da aniquilação, pois se a natureza se extingue, por tabela findamos também. Esse é um elo que não se desfaz, pois somos parte dela e somos nada mais nada menos que animais dentre tantos outros.

Essa minha paixão me faz gostar muito de contemplar as árvores, os rios e os mares. Mas, tenho percebido que em cada época da minha vida me identifico mais com um segmento da natureza. Quando era adolescente adorava ficar observando o mar, desfrutando daquela imensidão diante dos meus olhos, sempre sentia uma sensação incrível de liberdade, mesmo estando apenas sentada na areia num estado quase meditativo, ao contrário daqueles que se lançam ao mar e desbravam seus horizontes, conquistando o que aparentemente parece infinito e inconquistável. Mesmo estando no meu pedacinho de areia eu navegava nas ondas da imaginação, só de olhar o inatingível encontro entre o céu e o mar.

Há alguns anos atrás, quando tive a oportunidade de ir várias vezes a uma das regiões do sertão do Ceará e ficava hospedada no sítio do meu sogro, eu pude conhecer uma bela paisagem de vales, onde do terraço da casa observava uma larga faixa de terra com pouca vegetação, mas de uma beleza quase singela onde de tempos em tempos se via uma pequena árvore solitária no topo de uma elevação. Aquele pequeno mundo, nem sempre tão verde, mesmo com suas dificuldades naturais possuía seus encantos e também me fazia entrar num estado contemplativo, quando por horas me sentava no terraço da casa a admirar aqueles campos, pois mesmo não tendo a vastidão do mar, por sua vez, havia também um aparente inatingível encontro, só que entre o céu e as serras.

Hoje sinto um incomensurável prazer em olhar as árvores e as plantas. Sempre fico pensando que quanto maiores, mais vida tem em cada uma, fico imaginando quanto tempo levaram para atingir aquele tamanho, toda aquela folhagem e seus frutos, quando é o caso. Cada uma tem a sua história de vida, assim como nós. E algumas são de uma raridade incrível como alguns seres humanos, por isso quando vejo uma árvore morrendo ou sendo morta sinto a dor de ver um ser indefeso sendo extinto, como uma história de vida e de contribuição para a nossa própria existência. Por isso experimento um imenso prazer quanto cultivo minhas plantas e minha pequena horta, mas o mais estranho nessa relação é que como na vida real, é uma convivência baseada na paciência e na persistência, pois apesar do meu imenso sentimento por esses pequenos seres verdosos, infelizmente não nasci com boa mão para plantas, como dizem os entendidos. Acho que herdei da minha mãe o gosto por elas, mas provavelmente não herdei o seu talento para interagir com esse mundo verde doméstico. De forma que se hoje eu canto “verde que te quero verde”, a recíproca não parece verdadeira. Talvez o meu verdadeiro talento seja para admirá-las, mas mesmo assim, vamos convivendo nesta insistente tentativa de conquista do meu pequeno pedaço de natureza viva. Desta forma, espero que um dia essa interação possa germinar e consiga literalmente florescer e dar bons frutos..

                                                                                                                                            Outubro/2016 

Você leu?


www.lendo.org

Interessante como essa coisa de dar conselhos é uma característica puculiar do ser humano. É curioso como as pessoas, às vezes, gostam demasiadamente desta prática. Não é à toa que existem vários tipos de conselheiros. Ao longo da história da humanidade, muitas vezes eles tiveram papel importante e até decisivo, algumas vezes para o bem e outras para o mal.

Apesar do ditado que diz que “se conselho fosse bom não se dava, se vendia”, a maioria das pessoas não se sentem intimidadas, elas adoram quando alguém surge esperando por um bom conselho. Existem aqueles que mesmo que você não peça, eles fazem questão de dar. Tem os que têm conselho para tudo, mesmo que jamais tenha vivido situação semelhante a do aconselhado, eles sempre têm uma solução pronta, como se já tivesse experiência no assunto. Eu mesma conheço gente que é especialista em todos os assuntos, não tem perrengue que fique sem solução, é aquele caso em que a pessoa nem quer conselhos, mas mesmo assim ele ou ela faz questão de dar, e haja paciência pra escutar todo aquele elenco de ideias salvadoras.

Só que essa coisa de conselho tem suas vertentes, como livros de auto-ajuda, manuais espirituais, etc, normalmente escritos por gurus de toda sorte, além dos livros religiosos. Aliás, este último me fez lembrar uma história que aconteceu com um escritor clérico após concluir um de seus livros cujo objetivo era aconselhar fiéis, não tão fiéis, a melhorar a fé. O problema é que o autor, apesar de ser um religioso profissional, não tinha uma vida muito eclesiástica, no sentido bíblico da palavra, e decidiu pedir a um amigo, especialista em língua portuguesa, para revisar o livro. Aconteceu então que tendo o amigo recebido os originais do livro, e conhecendo o autor como conhecia, ao tomar ciência do conteúdo da obra, não pode evitar de pensar no tamanho da contradição entre os conselhos escritos e a vida prática do seu autor, e prontamente escreveu um bilhetinho e o enviou através do portador com a seguinte recado: “Você leu o livro? porque deveria ler, acho que está precisando”.

Pois é, nem sempre o conselheiro se encaixa nos próprios conselhos e, muitas vezes, é um discípulo da velha teoria do “faça o que eu digo, mas não faça o que eu faço”. Por isso, é sempre bom dar uma olhada no curriculum do “Guru”, afinal nem sempre o hábito faz o monge.


                                                                                                                                           Setembro/2016

A relatividade da Solidão


diariosdesolidao.blogspot.com.br

É quase alarmante o quanto se fala da solidão nos dias de hoje. Muito se tem falado sobre este assunto e muitas reflexões m sido feitas, pois quanto mais a vida se moderniza, mais os seres humanos se afastam, se isolam e se individualizam, que essencialmente é muito diferente de individualidade, que é quando cada um busca seu próprio espaço na sociedade e em família, e não tem a ver com o individualismo, o qual se insere numa forma egocêntrica de vida.

Mas apesar de a maioria das pessoas sentirem muito medo de ficarem sozinhas, hoje também muito se vê pessoas que vivem desta forma, por opção. Essas pessoas não se sentem sós, porque elas estão em boa companhia consigo mesmas. Elas querem poder fazer suas escolhas sem ter que consultar a ninguém, querem viver suas vidas independentes e a seu modo. Por isso, acredito que existem dois lados nesta questão: os que querem estar sós e os que realmente estão sozinhos.

Embora, não pensemos muito a respeito, também existem outros tipos de solidão, como aquela que se sente quando se está no meio da multidão e somos apenas mais uma agulha num imenso palheiro. Existe também a solidão da mulher casada, ouvi isso de uma amiga há muitos anos e naquele momento não entendi bem como isso poderia ocorrer, mas hoje vejo que algumas vezes a dedicação exclusiva de muitas mulheres à família, faz com que elas também se isolem ou sejam isoladas de outras pessoas e terminem por se sentirem sós.

Ultimamente tenho desconfiado que a sociedade está caminhando para um novo tipo de isolamento. Tenho observado o quanto as pessoas têm se refugiado nos novos recursos das redes sociais e softwares de bate-papo. A primeira vista parece algo que aproxima as pessoas, porque é onde elas compartilham suas vidas e suas opiniões, muitas vezes até em tempo real. Mas se olharmos bem de perto, perceberemos que este contato virtual está substituindo a presença física, que faz o ser humano sentir o calor da amizade e dos sentimentos familiares, o que implica em investir nas relações pessoais, um lugar onde muitos preferem não entrar, algumas vezes pelo esforço de se doar e outras vezes pela falta do que doar. Mas quanto menos se dá, menos se recebe e isto é praticamente uma lei da vida e vale para todo tipo de relação, haja vista a velha máxima que diz que a verdadeira riqueza é ter amigos, porque manter uma amizade é um dos maiores investimentos das relações humanas.

Uma das maiores contradições da vida é que, muitos que se sentem só não sabem que se doassem um pouco de seu tempo ou, de suas vidas em prol de outros, se sentiriam tão preenchidos, que dificilmente perceberiam o vazio da solidão.

Mas, o fato é que embora existam formas e caminhos para que as pessoas não se sintam aprisionadas dentro desse vazio interior, para aqueles que invariavelmente vivem sós, seja porque não encontraram ou porque não procuraram outra alternativa, estes sim muitas vezes, sentem a verdadeira solidão, aquela que como diz o poeta Alceu Valença: “é fera, devora”.


                                                                     Outubro/2016  (Postado em: Março/2017)


Mudar: Inevitável ou necessário?


http://joiasdolar.blogspot.com.br

Existe uma frase muito conhecida que diz: “a única coisa constante na vida é a mudança”. De fato, mudamos um pouco a cada dia, até porque envelhecemos e não podemos continuar sendo exatamente os mesmos, já que invariavelmente avançamos no tempo e gradativamente abandonamos as diversas fases da nossa vida.

Acredito que a maior parte das pessoas busca a quietude e a rotina, embora se saiba que isto não é muito salutar, pois algumas vezes até a rotina desgasta as relações ou estagna as pessoas pela acomodação. Além disso, o destino parece muitas vezes não gostar de ver as pessoas quietas em suas vidas pacatas, e quando menos se espera algo acontece para virar tudo de ponta-cabeça, ou para obrigar que as pessoas mudem suas vidas de uma forma ou de outra. É só olhar para as catástrofes, os acidentes, as guerras, para vermos essas transformações de uma forma mais ampliada.

Como poucos estão livres deste tipo de experiência, tive a minha própria pra contar já que há um tempo atrás, fui obrigada a viver uma sucessão de mudanças no meu trabalho e não somente eu, mas muitos outros colegas também foram obrigados a conviver com essas sucessivas modificações. Essa experiência também fez com eu assistisse a mudança de pensamento de vários colegas que tiveram que aceitar o desapego, a seus trabalhos, seus lugares, seus companheiros de equipe e é claro que eu também, mesmo sem querer, tive que me render a este sentimento. Ora, mesmo sabendo que a vida está sempre em constante transformação, também sabemos que não é fácil para as pessoas aceitarem tantas mudanças não programadas em suas vidas, e principalmente num espaço de tempo tão pequeno. Mas na verdade, o que mais me chama a atenção nestas situações, é quando uma pessoa é responsável pela mudança de vida de tantos. É claro que durante a história da humanidade isso tem sido um fato até repetitivo, mas quando a gente assiste tão de perto não dá para não se chocar. De certa forma é um tipo de poder sobre as pessoas, que a meu ver é uma responsabilidade que, na maioria das vezes, não está a altura de quem a exerce.

Outro dia uma colega em meio a tantas mudanças argumentou que só queria poder ficar quieta no canto dela, ante às múltiplas alterações nos nossos postos de trabalho. Porém, para quem estava diante de alguém com o pensamento totalmente oposto e poder para decidir sobre a questão, ficou claro que o destino dela, assim como de outros, estava na mão de uma só pessoa que pensa que mudar sempre é necessário, e que é preciso tirar as pessoas da sua zona de conforto, lugar onde muitas vezes queremos estar e não queremos que outros que não tem nenhum sentimento por nós, seja o “senhor” do nosso destino.

                                                                        Outubro/2016 (Postado em Março/2017)

Final de semana e Praia


http://br.freepik.com

Às vezes fico lembrando do quanto tive sorte de passar tantos domingos legais na praia durante parte da minha infância e adolescência. Não naquele dia que se faz piquenique ou coisa parecida, explico: parentes e amigos tinham casas de praia e praticamente todos os finais de semana, durante aquela época, nos davam a possibilidade de frequentar suas casa, e consequentemente aproveitar a praia com todas as possiblidades de diversão que, naturalmente poderíamos desfrutar naquela época, e empinar papagaio era uma das coisas mais divertidas para a criançada fazer em tempos não cibernéticos.

Algumas vezes, íamos para a casa de um casal de amigos da família onde levávamos nossa prancha de isopor, era uma sensação pegar pequenas ondas, ou simplesmente ficar nadando deitado em cima dela. É certo que algumas vezes nos queimávamos com as caravelas que em determinadas épocas, fora do verão, davam o ar da graça nos presenciando com sua beleza, mas nos punindo por invadirmos seu habitat. Mas de toda forma, adorávamos os banhos de mar, as brincadeiras e os famosos picolés da Maguary.

Adorava quando íamos para a casa do meio-irmão da minha mãe. O melhor de tudo é que ficava bem de frente para o mar, a um passo do “Paraíso”. Podíamos ir para a praia na hora que quiséssemos, e quando nos cansávamos e a fome aportava, era só correr para a casa e em minutos o problema era resolvido. Ainda havia um jardim enorme onde podíamos brincar quando a maré não estava muito amigável.

Outras vezes, íamos para a casa da meia-irmã da minha mãe e passávamos o final de semana, não ficava tão perto da praia, mas também havia muito espaço para brincar. Por vezes, quando havia outros convidados na casa, eu achava muito legal, porque animava e sempre havia muitas conversas e cervejadas para os homens e meu pai apreciava muito. Se fosse hoje, esses passeios não seriam possíveis, já que eram sempre regados à base de bebidas alcoolícas e voltávamos para casa praticamente com o anjo da guarda tomando conta da direção do carro.

Havia um Restaurante que costumávamos frequentar nesta mesma praia, e lembro que havia algumas mesas sob pequenas cabanas de palha onde ficávamos e podíamos aproveitar para tomar banho de mar, empinar pipa e chupar nosso picolé favorito da Maguary, afinal quando a carroça passava, ouvir o sininho tilintar indicando a chegada dos nossos adorados picolés, era uma festa. Como era um restaurante, nos divertíamos e almoçávamos lá mesmo, acredito que foi onde comi meus primeiros caranguejos. Falando assim hoje, parece tudo meio sem graça, mas não havia nada mais animador que os nossos passeios à praia aos domingos, sempre iluminado com muito sol e diversão familiar. São recordações que fazem parte de algumas doces lembranças que guardo da aurora da minha vida e que gosto de rememorar.



                                                                           Janeiro/2017 (Postado em Março/2017)
 Sincronia

www.boadaserra.com.br

Gosto muito dos exercícios de pilates, dentre outras coisas, porque executamos movimentos que a primeira vista parecem impossíveis, porém depois que conseguimos executá-los, ficamos com aquela sensação de “eu também posso fazer isso!”. Por outro lado, têm exercícios que não são muito do meu agrado particular, principalmente quando envolvem equilíbrio, que não é o meu forte. Um dia, enquanto fazia um desses exercícios, onde é necessário realizar dois movimentos diferentes simultaneamente e estes precisavam ser executados em sincronia, pois de outra forma eu me desequilibraria e não executaria os movimentos corretamente, ou simplesmente não os executaria. Comecei a pensar o quanto de parecido era aquele movimento com alguns momentos da nossa vida. Percebi que era fundamental estar concentrada, caso contrário, bastaria um instante de distração para que os movimentos ficassem fora de sincronia, e aí só recomeçando para completar a sequência com sucesso.

Se observarmos o rumo de nossas vidas podemos perceber o quão semelhantes são os passos e as direções tomadas por nós, e os exercícios sincronizados. Se não prestarmos atenção ao mundo que nos cerca e as nossas próprias atitudes, nos descuidamos de nós mesmos e perdemos a direção. Basta um pouco de descuido para enveredarmos por caminhos onde muitas vezes nem sabemos porq seguimos, é quando somos levados pelas circunstâncias, ao invés de termos escolhido nosso próprio rumo, é quando nos desconcentramos dos nossos objetivos e perdemos o foco, seguindo distraídos pela vida.

Enquanto executava os movimentos, vez em quando me desconcentrava e logo me desequilibrava, e aí percebia que não adiantava tentar realizar a coisa de forma automática, como geralmente fazemos quando estamos nos exercitando, ou seja, aprendendo como se faz e repetindo. Saber como executar não era tudo, tão importante quanto o como, era o quando. E assim também é a nossa vida, em dado momento sabemos como devemos agir, mas não sabemos quando, ou perdemos o momento de fazer, pois muitas vezes os obstáculos e distrações nos desviam da nossa caminhada, dos nossos objetivos. Isso costuma acontecer, por exemplo, quando a impetuosidade da juventude leva os jovens a desistir das coisas de que gostam, por paixões arrebatadoras ou por aventuras atraentes, aliadas ao prazer momentâneo. Este momento de embevecimento é o momento da desconcentração de si mesmo e de se deixar levar por um movimento automático que seduz. Quando esses movimentos estão em sincronia com os nossos objetivos, eles nos faz vencedores, quando não, perdemos o trem da nossa história, onde só é possível a vitória quando paramos, traçamos novos objetivos, e os sincronizamos com nossa viagem de vida. Isto significa parar e recomeçar o exercício, executando-o de forma sincronizada e sem se distrair, até completar a sequência.


Postado em abril/2017


Nossos velhos ídolos e seus protestos sempre atuais


www.bigstock.com.br

Desde o tempo em que comecei a curtir a música brasileira na minha adolescência, lembro de sucessos que já falavam dos desmandos do nosso país, dos escândalos, das diferenças sociais e dos nossos políticos e seus interesses. Hoje, quando olho para trás e relembro aqueles momentos, que pareciam uma transição, algo que não duraria para sempre pelo grau de inaceitabilidade daquele contexto, mas diante da evolução do mundo e das realidades vigentes, chega a ser chocante ver que todos aqueles protestos colocados em forma de música, continuam tão atuais e até amenos, se comparados com o que temos assistido. Nem os mais pessimistas analistas econômicos e políticos foram capazes de prever o que a história nos reservou.

Pra não dizer que não vi ninguém falando sobre o que poderia acontecer com o nosso país, caso continuássemos simplesmente a tratar nossas questões como quem tenta comandar um barco à deriva, lembro de uma referência feita pelo meu professor de Filosofia no tempo de Faculdade, ele imaginava que em algum momento os políticos iriam ser pegos por seus crimes e iriam tentar fugir, e afirmava com convicção que quando isso acontecesse, o mais importante seria ficar de olho nos Portos e Aeroportos por onde eles tentariam escapar. Não posso deixar de dizer que de certa forma ele acertou, porque pegos já foram, só faltam pagar o que devem ao país.

Mas, falando das músicas de protesto, acredito que muitos lembram das referências de alguns sucessos dos anos 80, como: “O caso Morel; o crime da mala; Coroa Brastel...”; as músicas do saudoso Cazuza, “Brasil, mostra a tua cara...”, “meus heróis morreram de overdose, meus inimigos estão no poder, ideologia eu quero uma pra viver”, “declare guerra a quem finge te amar” e outras mais. Os Paralamas do Sucesso com sua “arte de viver da fé, só não se sabe fé em quê”; os Titãs com sua “desordem”, “Comida” e outras. E o pior é pensar que lá nos idos de 70 Chico Buarque já cantava em “Meu Caro Amigo”, “a coisa aqui tá preta, muita mutreta pra levar a situação...”. E por aí vai. Mas o que realmente estarrece é a atualidade dessas músicas. Parece que paramos no tempo, que não evoluímos. Em quase 40 anos de democracia, crescemos muito pouco politicamente, moralmente e socialmente, e ainda nos lamentamos pelos mesmos problemas, pelas mesmas questões e votamos nos mesmos políticos e ainda somos enganados por eles, que continuam trabalhando em prol de si mesmos, subtraindo o nosso país sem pagar por isso, e aí Lobão já cantava “quem é que vai pagar por isso?...” .

Então hoje nossos artistas podem cantar as mesmas músicas, porque pra desespero nosso, o contexto as valida e as mantêm atuais. Mas ainda assim, precisamos de novas vozes que cantem a urgência e a necessidade de nos renovarmos, de nos reinventarmos, porque a nossa crise moral é maior que o nosso território e tem nos puxado para baixo numa rapidez onde o mal globalizou-se, o errado virou o certo e estamos à beira de perder o respeito internacional e ver nossas virtudes serem suplantadas por tantos escândalos, desmandos e comportamento imoral dos que dirigem o destino do nosso país nas esferas pública e privada. Quem cantará por nós? Quem proclamará nossas virtudes? Quem invocará a justiça por nós? Onde estão os nossos ídolos a nos representar? Quando vamos poder finalmente dizer aos nossos filhos que adorávamos as antigas músicas de protesto, mas que suas letras são parte de um passado já superado? Então parafraseando nosso poeta maior, o que mais posso dizer, senão: “meus caros amigos me perdoem por favor”, mas a coisa aqui continua preta.

                                                                                                                                          Abril/2017

Expressões da moda


http://br.freepik.com

É interessante como de tempos em tempos surge um termo que as pessoas adoram usar. Na maioria das vezes, ninguém sabe de onde vem, o que não impede a disseminação do seu uso. Dependendo do sentido, chega a ser engraçado o quanto as pessoas se acham descoladas, só por estar utilizando aquela expressão, que é o mais novo sucesso da língua portuguesa nas rodas de conversa, redes sociais, TV, etc.

Pensando nisso, a primeira expressão que me veio à mente foi “caiu a ficha”, além de ser até bastante útil e apesar de ter começado como uma moda, vem perdurando por muito tempo, e o mais interessante é que hoje é usada até por aqueles que não viveram a época dos orelhões de ficha, os quais deram origem a esta expressão. Existem expressões que passam e voltam, chega a ser é curioso ouvir os jovens de hoje falando “é da hora”, velha expressão que não se sabe de onde foi ressuscitada.

Em algum momento de lucidez passageira nasceu a expressão “politicamente correto”. Até parecia que as pessoas estavam preocupadas em seguir o sentido dessas palavras, que eram ditas hora com orgulho, hora com elegância, como um modo de reivindicar uma atitude ou declaração correta por parte de algum indivíduo, normalmente pessoa pública, que de alguma forma não foi feliz em suas declarações ou em seus feitos.

Há bem pouco tempo estávamos todos mergulhados em diversas “vibes”, cada hora em uma diferente, ou cada pessoa em uma. Nunca foi tão necessário estar sintonizado em alguma “vibe”. Primeiro era preciso reconhecer a própria, pra depois se conectar com outras pessoas que estivessem na mesma frequência, para tanto era fundamental estar alerta aos sentidos. Quando via alguém falando que estava ou não em alguma dessas vibrações, não conseguia evitar de imaginar que estava diante de uma antena receptora, e o pior é que nem sempre conseguia identificar a frequência vibratória da criatura. Confesso que não gosto muito dessa expressão, não me parece “da hora” e não percebo ser confortável para todo tipo de ouvinte.

Mas como modismos são passageiros, me parece que a expressão do momento é: “empoderar”. É impressionante como tem tanta gente ficando poderosa, de repente descobriu-se que é preciso delegar poderes. Essa palavra me dá até arrepios, se cai em mãos erradas a coisa pode ficar feia, visto que é algo que só serve pra quem sabe usar. Então fico me perguntando: será que esses empoderados serão dignos desse voto tão grande de confiança? espero que sim, pois certamente aqueles que, neste momento, entendem a importância dessa transferência de competência, imaginam estar fazendo a coisa certa no contexto em que hoje se vive. Espero também que os resultados não sejam passageiros como a expressão, pois conceder autoridade a quem imagina-se saber usar, é tentar guiar as pessoas na direção correta, para se obter delas aquilo que elas têm de melhor. E que o melhor vença, do contrário, nos restará torcer para que uma nova expressão surja para neutralizar a soberania desses “empoderados”.


                                                                                                                                               Junho/2017


Quem eram eles?

http://poemasrecanto.blogspot.com.br

 Durante alguns anos, nos velhos tempos de faculdade, sempre que era época de carnaval junto com um grupo de amigos, costumava alugar uma casa no centro da folia em Olinda, numa localização privilegiada onde nem precisava sair de lá se quisesse ver os blocos e toda a animação do carnaval. Era só arrumar uma vaguinha num dos janelões super disputados do antigo casarão, e a melhor visão da folia estava garantida. Como gostávamos de aproveitar ao máximo essa festa, sem ter que nos preocupar com transporte, alimentação, etc., concluímos que esta era a melhor opção e a mais segura. Aproveitávamos para brincar durante o dia, começando cedo, e à noite nos recolhíamos também cedo, não nos expondo aos ânimos exacerbados de alguns foliões que já não ficavam nas ruas para brincar, mas sim para arrumar encrenca ou algo semelhante.

Bem antes dos dias de folia, começávamos a nos organizar, convocando os nossos colegas para a cota do aluguel da casa. Normalmente todos se conheciam, um ou outro era novo no grupo, mas sempre era parente ou conhecido de alguém do nosso círculo de amizade, praticamente formávamos um grupo de amigos fazendo com que o clima da casa fosse sempre muito familiar, até porque quem cuidava da parte burocrática do assunto eram os pais de duas irmãs colegas nossas, que também ficavam conosco na casa. Cada um levava o seu colchão e se arrumava como desse, o importante era se divertir e respeitar as regras de convivência de uma quase “República de Carnaval”. Apesar de serem muitas pessoas, o espírito era sempre de alegria e colaboração, não faltando bons e divertidos momentos nessas estadas, sempre com muitos lances engraçados para lembrar quando o carnaval acabava.

E no último dia depois de prepararmos tudo para a mudança de volta pra casa, havia sempre aquele momento em que nos sentávamos para comentar os acontecimentos do carnaval e da casa, muitas histórias umas engraçadas, outras meio loucas. Mas em um desses carnavais, aconteceu uma história no mínimo espantosa surgida ao acaso, quando a mãe das nossas colegas indagou sobre a presença de um casal não muito jovem, que ficara conosco até a terça de carnaval naquele ano. Tudo bem até ela questionar de quem eles eram amigos, nesta hora o espanto foi geral e na sequência surgiu a pergunta da nossa parte: - ué, e eles não eram amigos de vocês? Rapidamente deduzimos o que aconteceu: enquanto pensávamos que eles eram parentes ou conhecidos da família das nossas colegas, eles imaginaram que o casal era conhecido de uma das pessoas da turma que sempre ficava na casa, que vez por outra levava mais alguém, ou seja, ninguém conhecia aqueles dois “artistas”. Ao chegar a esta constatação, desabafamos todos quase ao mesmo tempo: “que cara de pau!”. Inacreditavelmente, eles haviam penetrado na casa e agido como se nos conhecessem, além disso, tiveram a ousadia de apossarem-se de um dos disputados janelões, durante todo o tempo em que lá estiveram. Após se aproveitarem da nossa hospitalidade, saíram com suas malinhas em baixo do braço na véspera da quarta-feira de cinzas e antes do almoço, na maior discrição sem se despedir de ninguém, provavelmente para evitar serem descobertos. Estávamos boquiabertos e chocados com a nossa constatação. Esta, sem dúvida, foi a história mais maluca e absurda que vivenciamos naqueles áureos tempos de folia compartilhada e a que nos deixou com a eterna pergunta sem resposta: quem eram eles?   


                                                                                                                                               Junho/2017

Trilhando de bike


Apesar de já ter feito várias viagens para cidades grandes, gosto muito de viagens ecológicas, pois estas nos proporcionam a possibilidade de inúmeras atividades, que nos fazem sentir verdadeiramente conectados à natureza. Essa experiência de proximidade costuma trazer uma sensação de paz e harmonia, nada mais coerente, já que isso deveria ser uma constante na vida dos humanos, que nada mais são do que parte integrante desse ecossistema.

Mas das coisas que fazemos nas viagens ecológicas, uma que mais gosto é fazer trilhas, e tive sorte de poder realizar várias. O melhor das trilhas sempre é o objetivo final, ou seja, chegar a algum lugar ou ponto especial, que nos recompensará pelo esforço empreendido na jornada. Esses lugares geralmente nos presenteiam com alguma paisagem deslumbrante, capaz de saciar a nossa sede de conquista, afinal, chegar ao nosso objetivo nos leva a esta incrível sensação, como se desbravadores fôssemos.

Praticamente todas as trilhas que já fiz posso dizer que foram divertidas ou especiais, e por isso gosto de relembrar. Mais recentemente tive a oportunidade de fazer uma trilha mista, ou seja, parte do trecho a pé e parte de bicicleta, o que foi inesperado e uma novidade rara. Inicialmente quando chegamos ao parque onde seria nossa caminhada, não imaginava que uma longa sessão de pedaladas me aguardava, então ao escolher o nosso objetivo, não havia outra alternativa para percorrer a extensa trilha a não ser pegar as bikes para começar nossa aventura, porém, a primeira coisa que me veio à mente foi: será que vou conseguir? Lembrei que a minha última pedalada de verdade havia sido no início da minha adolescência e senti um frio na espinha, confesso que hesitei, mas não podia recuar, então segui em frente e fui escolher a bike. Para a minha surpresa, vi que é mesmo verdade que nunca desaprendemos como andar de bicicleta, só não atentei para o freio quase ABS do pneu da frente, e para o fato de não alcançar totalmente o chão na hora da parada. E o resultado claro, foi uma bela queda depois das primeiras pedaladas, após uma freada brusca com o freio dianteiro. Mas, apesar do começo desastroso, conseguimos encontrar uma bike adequada para mim e partimos para conhecer mais uma bela cachoeira.

Iniciamos o trajeto por uma estrada de areia ora firme, ora fofa, ora plana, ora com pequenas subidas, muito empolgados até os primeiros quilômetros, quando os movimentos foram se tornando cada vez mais exaustivos e a coisa foi ficando difícil. Não pude conter o meu quase desespero ao encontrar um casal, após vencidos os primeiros 4 Km, e descobrir que estávamos apenas na metade do caminho. Mas. Deus ajuda a quem cedo madruga, e resolvemos ignorar nosso cansaço e a distância, ganhando assim um ânimo de bônus, até finalmente chegarmos ao ponto em que era o fim da linha para as bicicletas e o início da trilha a pé. Neste momento, cruzamos com alguns andarilhos que voltavam e outros que iam seguindo próximos a nós, pelo menos não estávamos sozinhos. Me senti até aliviada pela diminuição do esforço, mas também comecei a descobrir que sentar novamente na cela estreita para fazer o caminho de volta seria tarefa um tanto quanto desafiante, considerando que os músculos da região glútea teimavam em nos lembrar de sua dolorida presença a cada passada. Após algumas subidas, travessia de riacho e pedras, atingimos o nosso objetivo: uma bela cachoeira de águas geladíssimas, formando um lago de águas límpidas e convidativa, porém inviável para os nossos sentidos, nada acostumados a temperaturas bastante invernosas, restando-nos a contemplação e o registro em fotos de uma recompensante paisagem, caprichosamente criada pela natureza.

Hora do retorno após um breve descanso. Tive a surpresa de verificar que andamos 20 minutos até o ponto em que deixamos as bikes. E lá fomos nós, desta vez “voando”, pois tivemos a alegria de descobrir que a maior parte do caminho era descendo, e era só pedalar um tempinho e soltar os pés, que íamos “surfando” por um bom tempo, só curtindo o vento frio no rosto. De tão excitante, não dava pra conter a empolgação, e rapidamente atingimos nosso ponto de chegada. Ufa! Sobrevivi, e bravamente! apesar de décadas sem montar neste veículo tão divertido, que mesmo sendo utilizado por pessoas de todas as idades, é a cara da nossa infância. E agora, contraditoriamente, não posso deixar de dizer que, mesmo tendo sido uma exaustiva experiência, fiquei com aquele gostinho de “quero mais”, assim como outrora, em velhas brincadeiras na infância.


Dezembro/2017


Esses estranhos felinos domésticos


https://pt.dreamstime.com

Conheço várias pessoas que criam gatos, por outro lado, nunca me senti muito atraída por essa espécie doméstica, provavelmente porque meu pai costumava falar que são animais que se apegam ao lugar e não às pessoas, e por este motivo, jamais criaria um. Cresci ouvindo isso, embora a minha avó paterna gostasse de gatos, lembro até de um que ela criava que se chamava Mimi, nome que sendo eu ainda criança na época, achava engraçado. Nunca me certifiquei da veracidade desta teoria do meu pai, mas também nunca duvidei, e até conheci alguns casos que corroboraram a ideia.

Hoje continuo achando que não criaria um gato, mas tenho me admirado com a quantidade de pessoas que cada vez mais têm enchido suas casas com inúmeros bichanos. Não sei se é porque eles se multiplicam rapidamente, ou porque elas realmente gostam de preencher seus lares, ou suas vidas, dessa forma. Mas o que realmente tem me deixado cabreira nessas situações, é que o apego dessas pessoas a esses bichos asm afastado de pessoas. A sensação que tenho é que começam a desenvolver um sentimento de que seus bichos possuem uma série de qualidades que as pessoas não têm e muitas vezes, eles passam a ocupar o lugar de familiares, amigos ou, outras lacunas. Pode até parecer meio exagerado, mas é o que tenho observado em alguns criadores. Conheci uma senhora que declarou que estaria disposta a se separar do marido, caso ele não aceitasse mais a convivência com sua imensa prole de felinos.

De fato, não sou contra aqueles que criam esses animaizinhos domésticos miadores, porém quando estes passam a ser os senhores das casas onde vivem, quando começam a ocupar todos os espaços físicos e humanos, coexistindo com hábitos antissociais de seus donos, acredito que algo muito errado paira no ar. Não sou especialista no assunto, mas posso dizer que, na maioria das casas de famílias onde eles são bem mais numerosos que os humanos, os conflitos provocados por esta convivência, normalmente são frequentes e escondem problemas de cunho familiar não resolvidos.

O negócio é tão sério que um casal de amigos, depois que decidiu criar um par de gatos, entrou de cabeça no mundo dos sites especializados sobre os bichanos, tornando-se assíduos frequentadores, e já tentaram me convencer de que seus gatinhos são praticamente cães que miam. Brincadeiras à parte, este pensamento não é raro entre aqueles que criam esses felinos. Bom para os que vivem do mundo pet, afinal quanto mais “cãezinhos miadores” forem assim tratados, mais movimentado será este mercado e menos solitários serão esses dedicados criadores.

Mas... mesmo com tudo isso, ainda desconfio que meu pai tinha razão. Afinal, quem diabos confia em um bicho que, segundo algumas crenças: consegue ver gente que já morreu; segundo os supersticiosos, se for preto, dá um azar danado; tem uns olhos que possuem um brilho estranho na escuridão; é um problema para os alérgicos e ainda há os que dizem que essas estranhas criaturas pressentem quando o dono vai morrer, e vão embora? Tem que gostar muito mesmo e ter a mente aberta, porque gatos podem ser uma fofura, uma gracinha, etc, etc, mas que tem má fama, isso tem.


Dezembro/2017


Mas é ciúme


http://galeria.colorir.com

Se existe um sentimento que é controverso e dúbio, este se chama Ciúme. Ele tanto é o pi de tristes desfechos de histórias de amor, como é considerado por alguns como o tempero dos corações apaixonados. A todo momento ele paira sobre as questões do amor, raramente fala-se de um sem mencionar o outro ou separa-se um do outro.

Vez por outra gosto de perguntar às pessoas se sentem ciúmes de seus parceiros e o porquê, embora pareça óbvia a resposta, acredito que algumas nem sabem porque sentem, é como uma convenção social, se gosta tem que sentir ciúmes, se não sente é porque não gosta. Nossa! Essa explicação simplificada e resumida da questão passa bem longe das teorias dos estudiosos no assunto. Quando penso que até o amor faz parte de uma cadeia de reações químicas no nosso organismo, o que pensar do ciúme, que de tão explosivo, na sua forma mais extrema, chega a cegar as pessoas e tirá-las completamente da razão? uma verdadeira bomba nuclear para àqueles que não sabem lidar com esse sentimento e se deixa dominar por ele.

Quem quiser sair em defesa do “nobre” sentimento, que o faça, mas com ou sem romantismo, jamais conseguirei ver com bons olhos o causador de tanta tragédia para toda humanidade e que vitima principalmente as mulheres. Pessoas que cultivam sentimentos de posse são as maiores depositárias dessa emoção e não é à toa. Parece que o medo de perder o que acredita-se ser seu, apavora muitas pessoas, a tal ponto de não aceitarem esta possibilidade, semeando dentro de si um sentimento meio patológico, comumente chamado de “ciúme doentio”.

Acredito que exista um motivo muito concreto para que se considere esse sentimento ao menos coerente, pois ele é praticamente um filhote da baixa auto-estima, que geralmente anda de mãos dadas com a insegurança, velha companheira que ronda a vida daqueles que sentem fobia das perdas de coisas ou pessoas amadas.

Mesmo assim, ainda há os que defendam este tipo de dor, então eu pergunto: onde está o prazer ou o lado positivo desse sentimento? Afinal se fosse algo de bom, jamais desencadearia reações insanas ou impensadas, pois bons frutos jamais produzem, e normalmente só provoca sofrimento nos lados envolvidos. Não quero dizer com isso que todos os que são invadidos por essa sensação, que geralmente acomete os apaixonados, estão condenados pelo fato de não evitar sentí-lo, afinal não é difícil encontrar indivíduos que se enquadram neste perfil, porém é possível mudar o final de suas próprias histórias, pois ter a consciência sobre isso, controlar seus impulsos ou reconhecer a própria fraqueza, nos faz senhores de nossos atos, ao invés de permitir que sejamos controlados por algo que devora a sensatez e distorce o sentido do verdadeiro amor.


                                                                                                                                     Dezembro/2017

Que submissão é essa?

sentimento-cru.blogspot.com

 Há muito tempo, e acho que até já falei em algum texto anteriormente, venho sentindo e falando sobre o meu desconforto em relação ao comportamento do povo brasileiro diante de tantas notícias estarrecedoras e chocantes relacionadas à política nacional. Não consigo entender diante de tamanha gravidade, tanta quietude, falta de atitude, paralisia, dormência, e todas as palavras que possa exprimir essa inércia instalada em um povo que se mostra submisso ao extremo, considerando o comportamento catastrófico da realidade moral dos nossos políticos.

Por mais que me esforce e tente buscar uma explicação na base histórica de nossa formação, mesmo assim não tem como explicar, basta olhar para o nosso passado de lutas por independência. Quantos brasileiros morreram lutando pela liberdade desse país e tantos arriscaram suas vidas. Em tempos de ditadura, muitas vidas foram perdidas por se enfrentar a morte em nome de uma causa maior, ou melhor, por um caso de amor com o que chamávamos de pátria. E digo isso porque hoje somos um país, mas não temos pátria. Quem tem coragem para unir pessoas a fim de defender o nascimento de uma nação justa, desenvolvida e ética? Esse líder ou não nasceu ou ainda não cresceu.

Somos um país de Terceiro Mundo com bolsões de miséria de 5o mundo, no entanto não temos falta de alimentos, falta de território para plantar, nem muito menos falta de criatividade para vencer as adversidades. Não temos guerra, mas aqui se morre muito mais de violência urbana, trânsito e falta de saúde do que em muitos países que agonizam com esse tipo de conflito. Então, de onde vem tanta submissão? Por que não reagimos? Por que as pessoas se acostumaram a ter seus bolsos subtraídos todos os dias, por aqueles que são os nossos representantes legítimos? Nossa carga tributária é uma das mais pesadas do planeta e mesmo assim não temos serviços de educação, saúde ou transportes decentes. E por que aceitamos quando querem tirar mais e mais, por que ainda assim consentimos? Nossos vizinhos pobres parecem mais decentes que nós, por muito menos estão lutando pelo que é justo, o que nos faz sentir ainda mais vergonha do que temos sido.

Espero não ter que assistir “deitada em berço esplêndido” a vitória total da impunidade, do roubo, da imoralidade política, porque aqueles que estão colocando filhos neste país que não acena um futuro, nada tem a lamentar por eles, já que seus braços cruzados só validam e aprovam o que hoje se vê. E se amanhã as urnas confirmarem a longevidade dos que hoje destroem nosso presente e nosso futuro, nada há porquê se lastimar, e intrinsecamente, só restará para os que pensam diferente o ecoar da velha frase criada pelos militares no passado: “Brasil, ame-o ou deixe-o’. Afinal, não há ditadura maior do que a da miséria passiva, chancelada por uma cumplicidade social, decorrente do remanso dos que silenciosamente compactuam com o “politicamente incorreto”.


Abril/2017


Mãe é Mãe e Vó é Vó


https://pt.pngtree.com

É comum se falar que pai e mãe cria, e os avós estragam. Embora pareça estranho, muitas vezes é real e até cultural. É sempre aquela peleja, a mãe educa, briga, proíbe, bota os limites, mas quando os netos chegam na casa dos avós o que reina é alegria, afinal eles já deram um duro danado para criar os filhos e aí, só querem curtir os netos.

Existem claro, as exceções. Hoje, com a necessidade das mulheres trabalharem, os filhos terminam tendo que ficar com os avós e estes terão novamente a função de educadores, mesmo tendo cumprido esta missão com os filhos. Coisas do sangue latino, diga-se de passagem, porque em algumas culturas isso simplesmente não existe, seguem aquele velho ditado: “quem pariu Mateus, que balance!”. Aliás, isso me faz lembrar a mãe de uma amiga, que costumava preconizar esse adágio aos filhos, porém como nem tudo que se diz, se escreve, quando os netos nasceram o coração amoleceu e tudo que ela queria era poder “balançar Mateus”.

Mas como a vida é cheia de contradições, conheci uma durona que por acaso era minha sogra, e essa realmente não balançava o Mateus. Criou os filhos no velho estilo, não das palmadas, mas sim das “surras educativas” como era de costume. A coisa não era nada fácil para os três meninos traquinas, que mesmo com toda a rigidez da mãe, não se sentiam intimidados na hora de exercer a criatividade e as peraltices próprias da idade. Fato é que essa mãe e rígida não conseguiu manter suas armas em punho até o final, na verdade quase conseguiu, mas quando do nascimento do meu filho, seu último neto, finalmente a cortina de gelo se quebrou e ela se rendeu, a tal ponto de nos deixar preocupados com o “estragamento” provocado nos poucos dias de convivência nas visita esporádicas em razão da distância geográfica que nos separava.

Essa nova avó, que nem os filhos conheciam, nos deixava de cabelo em pé. Quando chegávamos em sua casa já tinha um delicioso bolo esperando pelo neto para que ele comesse o quanto quisesse. Coisa que controlávamos em casa, lá era impossível diante da avó protetora que estava sempre a postos com sua frase salvadora: “deixe o bichinho comer o que quiser!”. Em outro momento vinha com as famosas bolachas sete capas, popularmente conhecidas como “suja casa”, e entregava um pote cheio ao neto, que literalmente sujava a casa toda comendo as benditas bolachas. Se protestávamos, lá vinha a frase salvadora novamente. Mas, isso ainda não era o pior: à noite costumávamos levar para a área externa umas cadeiras de madeira super pesadas, no intuito de fazermos uma fogueira e conversarmos sob a luz das estrelas, só que algumas vezes quando terminávamos de levar as tais cadeiras, meu filho chegava todo ávido por uma traquinagem, e as derrubava no chão, provocando uma zoada que ao mesmo tempo nos perturbava e o divertia. É claro que corríamos para reclamar do seu comportamento levado, mas era nesse momento que chegavam os “Superavós” com mais frases salvadoras: “deixem o bichinho à vontade!”, “aqui ele faz o que quiser”, nos deixando de mãos atadas.

Meu marido ficava totalmente atônito, aquelas atitudes eram completamente inesperadas, se fosse em seu tempo de criança por muito menos já tinha levado umas boas sovas, ele nunca havia visto seus pais tão avós em toda sua vida. Então diante daquele cenário só nos restou admitir que até seus pais, surpreendentemente, haviam entrado para o grupo dos avós estragadores de netos e que se isso aconteceu com eles, é porque deve ser verdade mesmo: mãe é mãe e vó é vó.


03/04/2018


Como sou desenrolada!

Algumas pessoas que passam pelas nossas vidas nos marcam, por características positivas ou negativas, dessa última prefiro não lembrar e apenas tomar como lição o que não deve ser feito. Mas por outro lado, quando deixam marcas por aquilo que elas têm de melhor, acredito que cumprem sua missão nesta vida, que é o dever de todos nós, mas que nem sempre conseguimos e alguns na verdade, nem tentam.

Tive a alegria de conviver com uma colega de trabalho que dentro da sua simplicidade de vida e despretensão de chamar atenção sobre si, deixou um grande exemplo. Digo deixou porque ao completar seu tempo de trabalho aposentou-se, porém continuou trabalhando até que decidiu que era momento de encerrar esse ciclo de sua vida. Apesar de termos convivido poucos anos, foram suficientes para testemunhar as suas várias facetas. Uma colega que, mesmo estando inserida na faixa etária dos idosos e sendo chamada de “velhinha” por alguns contemporâneos de profissão, nada tinha de velho em seu espírito, na sua disposição ou na sua lucidez para o trabalho de raciocínio, na sua função de desenvolvedora. Além disso, era dotada de um bom humor, que tornava a nossa rotina laboral mais leve e nos proporcionava momentos de descontração.

Este foi um período que vivenciamos muitas histórias divertidas, e dentre tantas que se sucederam houve uma que além de nos render boas risadas, criou um jargão que se manteve por um bom tempo no linguajar dos bons de brincadeira. Na época, havia dois integrantes da minha equipe que eram os alvos das brincadeiras de nossa amiga “idosa” e vice versa e ao mesmo tempo, seus consultores para assuntos de Tablet e Celular. Sim, porque além de tudo, ela gostava de manter-se atualizada no uso dos aparelhos de tecnologia mobile, sempre comprando versões mais modernas deste tipo de aparelho e se garantindo na utilização dos aplicativos.

Então certa vez, ela pediu para um dos seus “consultores” orientação sobre a instalação e uso do aplicativo bancário que precisava para facilitar suas operações financeiras, e deu-se o seguinte fato: ela instalou o programa e foi até a agência bancária para solicitar um determinado serviço, que ela não sabia estar contido no aplicativo instalado em seu celular. Ao chegar na agência a funcionária deu uma pequena explicação sobre como utilizar o serviço via mobile, prontamente ela executou os passos descritos pela funcionária do banco, finalizando a operação com sucesso resolvendo de forma breve a questão. Só que ao comunicar à atendente sobre o seu feito, ela não esperava que a mesma fosse soltar tamanho elogio: “nossa! Como a senhora é desenrolada!”, o que a deixou toda orgulhosa e matreira.

Depois disso, apressou-se em voltar à empresa. Chegando lá procurou seus amigos “consultores” esboçando um riso suspeito que lhe era peculiar em determinadas situações. E sem delongas foi logo contando a sua proeza, arrematando a história com a seguinte conclusão: “viram como sou desenroladinha!” E soltou uma bela risada, daquelas que costumava dar quando estava a fim de zoar os colegas que tinham praticamente idade de ser seus netos. A partir dali sua frase bem humorada foi automaticamente incorporado às piadas internas do grupo.



17/04/2017