Você vai ser roubado

Foto: Isaiah Rustad

Quando alguém chega para você e diz “por mais que você tenha cuidado,   você vai ser roubado”, a primeira coisa que pensamos é: “não é possível, deve haver uma maneira de evitar isso”. Então a gente se enche de   precaução e acha que vai se livrar, que com a gente vai ser diferente.

Há alguns anos resolvemos fazer uma viagem para um país da América  do Sul, sabíamos que ele não estava em seus melhores momentos, mas, ainda assim, valeria a pena conhecer e desfrutar das belezas de sua capital, um pedacinho da Europa na América. Seguimos com nossos planos de viagem e é claro com os nossos alertas ligados, nada que detivesse um brasileiro, em geral acostumado a viver atento, a não ser pelo fato de que preferimos poder baixar a guarda e relaxar quando estamos em viagem. E assim seguimos naquela aventura aparentemente sem incidentes, considerando que conseguimos driblar um quase golpe quando compramos um pacote para assistir a uma apresentação de tango e percebemos a tempo a tentativa de sermos ludibriados.

Quando terminamos de cumprir a nossa agenda naquela cidade e finalmente pegamos o táxi rumo ao aeroporto, certos de que havíamos escapado ilesos do “você vai ser roubado”, comecei a perceber que o motorista do táxi estava dando uma volta na cidade para chegar a um local o qual eu havia verificado no mapa e ficava há no máximo 10 min de onde estávamos hospedados. Resolvemos dar um desconto visto que até ali, tudo tinha ido bem. Porém, ao chegarmos ao nosso destino, fomos surpreendidos com a cobrança da nossa bagagem sem aviso, além do aumento do percurso. Tínhamos imaginado que a aplicação do golpe do trajeto tinha sido suficiente para o taxista, então quando ele nos cobrou as bagagens saímos do sério e, mesmo com toda a tentativa de intimidação, não pagamos a cobrança extra, que poderíamos até ter pago, se ele tivesse feito o caminho correto. E então passado o episódio, nos restou a constatação de que não adiantou, mesmo com todos os cuidados terminamos sendo roubados, aos 46 min do segundo tempo.

Lembrei desse caso porque outro dia ouvimos novamente a mesma advertência, só que dessa vez o cenário era bem diferente. Aconteceu quando tivemos a necessidade de comprar uma peça do nosso carro e um colega nos indicou um lugar em uma avenida onde existe uma variedade de lojas especializadas em peças de automóveis, só que ele nos advertiu: “vão encontrar a peça, com certeza, mas vocês vão ser roubados”. Não pude evitar de lembrar do nosso episódio da viagem, no entanto, decidimos que desta vez não seríamos pegos. E não fomos.

Quando moramos em um país onde consentimos fatos como esses, mesmo sabendo que eles não deveriam existir, talvez seja porque de fato, aceitamos essas discrepâncias. Acredito que é preciso combater esse tipo de coisa não concordando e questionando a atitude das pessoas que se prestam a esse comportamento. É como ser enganado em oficinas, a maioria ilude seus clientes, todos sabem disso e se deixam enganar com uma facilidade espantosa, parece que é mais fácil não brigar pelo certo, então aqui e ali vamos sendo subtraídos, uma soma que no final todos saem perdendo, mesmo aqueles que acham que estão levando vantagem. Mas o tempo faz a roda do destino girar, e não importa o quanto são grandes, temos visto verdadeiros gigantes caírem, eles entram num ciclo em que ganham aqui e perdem ali, mas o fim deles é uma questão de tempo. Acredito nisso, como quero acreditar que um dia não tenha mais que ouvir: “não adianta, vocês vão ser roubados!”.

19/12/2021

Os filmes que nos marcam

 

Não sei exatamente o motivo, mas dos filmes que marcaram a minha vida, a maioria pertence a minha adolescência ou à fase que a antecede. Talvez seja o fato de se relacionarem com momentos de agradáveis lembranças. Naqueles anos a família toda se reunia para assistir a alguns icônicos como E o vento levou, ou outros não tão famosos, mas que ou eram de grande audiência ou chamavam a nossa atenção pela propaganda convidativa.

Algumas trilhas sonoras também marcaram época, como em Um dia de sol, cuja música-tema estourou nas rádios. O mesmo ocorreu com Hair, quando passou na TV. Lembro que gostava de assistir com meu pai a filmes relacionados à temática dos índios americanos. A maioria não desperta atenção, mas O pequeno grande homem, em especial, permaneceu muito tempo no meu imaginário, assim como a mini série A saga do Colorado, que nos deixava de olhos grudados na telinha. Embora fosse muito jovem, me emocionei bastante com Susan e Jeremy, cujo tema também se tornou muito popular entre os jovens da época. Minha irmã, que já estava nessa fase, em pouco tempo conseguiu uma gravação da música e a letra.

Assistimos ao antológico Love Story, também em família e todos se emocionaram. Houve dois longa-metragens que não pude assistir, quando passaram no cinema, porque não tinha idade suficiente: Os embalos de sábado à noite e Grease, no entanto, curti muito suas canções, antes de vê-los na TV, vários anos mais tarde. Minha irmã havia assistido e assim que foram lançados os discos com as músicas-tema, ela imediatamente comprou os álbuns, que foram sucesso absoluto nas rádios e na nossa casa. Até meu pai, um eclético no gosto musical, era um entusiasta das trilhas que minha irmã conseguia gravar ou comprar os discos. Acredito que isso contribuiu bastante para que esses momentos e produções cinematográficas se tornassem um marco na minha vida.

Quando fiquei um pouco mais velha e adentrei na adolescência, o melhor era poder entrar nos cinemas. Não lembro de muitos que fizeram história nesse período, mas era um programa certo nos finais de semana. Dessas investidas gosto de relembrar O sol da meia-noite, Flash Dance e o romântico e divertido Tootsie, com trilhas sonoras contagiantes. Passada essa fase, assisti já adulta Titanic, que marcou a todos. A mim especialmente, porque foi a última vez em que fui a um tradicional cinema da cidade fora de um shopping, numa sala de extrema beleza clássica. Estava lotado e sentamos na escadaria coberta por carpete. Foi um esforço que valeu a pena, e acredito que encerrou a temporada dos campeões de bilheterias e de uma era de glamour dos cinemas.

É claro que os filmes ainda nos encantam, emocionam e divertem, mas aquele charme e expectativa que nos criavam parecem ter esmorecido diante da pulverização das mídias e do fácil acesso aos longa-metragens. De qualquer forma, assistir àqueles que no passado foram tão marcantes, causa uma certa nostalgia. Hoje faço esse registro, porque não quero esquecer do quanto essas produções mexiam conosco e com nossa imaginação, colorindo os nossos momentos e coroando nossas recordações com suas trilhas musicais inesquecíveis.

11/11/2021

Saindo do corpo

 

 O ser humano é muito reflexivo e passa a maior parte de sua vida pensando sobre si mesmo. Não cheguei a conclusão em qual momento da vida a gente faz isso com  mais intensidade, desconfio que é entre a adolescência e a juventude, porque é exatamente quando mais se “entra em parafuso”, como costuma-se falar. Por isso lembro bem que nessa época vivia me fazendo mil perguntas sobre eu mesma e sobre a vida. E nesse ínterim, na tentativa de encontrar respostas, assim como grande parte da humanidade, saí em busca do meu autoconhecimento, e para isso comecei a participar de um grupo, junto com alguns colegas, onde recebíamos ensinamentos sobre uma filosofia de vida que de fato nos trazia muitas respostas e também nos proporcionava novas experiências, que para um jovem é algo entre o interessante e o desafiador, como por exemplo, sair do próprio corpo.

Não cheguei nesse ponto, afinal era necessário praticar regularmente e ter atingido um nível mais avançado, antes disso, deixei o grupo. Estava numa fase onde não passava muito tempo em algo, pois cabeça de jovem vê caminhos em toda direção que olha e geralmente quando chega em algum lugar, surge sempre uma esquina para dobrar e ele dobra. Manter-se num único caminho não é próprio dessa fase.

O fato é que passados alguns anos, sem que eu nem lembrasse das minhas tentativas de experiências além-corpo, termino por viver algo que de sã consciência é preciso ter muito preparo para conseguir. Era uma época em que eu trabalhava somente à tarde e estava sozinha em casa, numa manhã como outra qualquer. Acordei e levantei, mas como meu corpo pedia cama, em razão de uma gripe, voltei e me deitei, e por isso terminei mergulhando no sono dos convalescentes. Nessa hora, minha mente me levou a um sonho incomum onde eu parecia apenas um espírito, falava com as pessoas e elas não me ouviam, num determinado momento resolvia ligar para a minha família, mas quando ia pegar no telefone minha mão passava direto, o que me deixou muito assustada e me fez concluir que eu era mesmo um espectro. Lembro que logo após essa conclusão, vi do alto meu corpo deitado na cama. Nesse momento, o susto foi ainda maior, em frações de segundos, senti um medo pavoroso que me fez voltar imediatamente para o meu corpo. O impacto repentino desse retorno me fez estremecer e fez também com que meu coração disparasse, me acordando num grande sobressalto. Depois disso, tremia em função do susto.

Foi preciso um tempo até que eu compreendesse tudo o que havia acontecido, atualmente penso no quanto estava despreparada para aquele momento, que lá trás era um dos meus objetivos, mas que naquela ocasião soou como uma quase morte. A vida é mesmo surpreendente, para algumas pessoas é preciso viver certas experiências para ter a certeza de que elas existem. Eu sempre achei que essas experiências eram factíveis, porém havia começado a achar que eu estava muito distante disso. Hoje penso diferente, acredito que todos nós estamos suscetíveis e que deve existir alguma porta que se abre para isso, mas nem sempre sabemos quando será.

Quando conto esse episódio, as pessoas ficam pensativas. Não sei se duvidam ou se surpreendem, sempre existem os que acreditam que “há mais coisas entre o céu e a terra do que supõe a nossa vã filosofia” e existem os céticos. Particularmente agradeço aos céus por essa experiência, pois me trouxe a certeza da existência do algo mais, da energia que chamamos de espírito e que pode ou não estar atrelada ao nosso corpo material. Quanto aos outros, fica a cargo de cada um abrir ou não a sua mente para crer em experiências sensoriais, afinal parte de nós é o que acreditamos.


08/10/2021

Mudando destinos

Uma coisa que me impressiona na história humana é a prerrogativa de um único ser decidir o destino de milhares. Isso é realmente algo que além de ser uma realidade chocante, é desproporcional e um pouco além da nossa compreensão terrena. Basta imaginarmos a ideia de que forças diversas empoderam essas pessoas e as levam a dominar inúmeras mentes que juntas se tornam mais fracas que um único ser, gerando o que conhecemos por líder.

Mas existem situações em que mesmo não ocupando uma expressiva liderança a atitude de um pode afetar a vida de muitos outros, digo isso porque quando alguém está numa posição em que seus atos podem repercutir em consequências que se propagam num verdadeiro efeito dominó, essas pessoas também se tornam responsáveis por numerosos destinos. Pude testemunhar uma situação como essa na empresa em que trabalho onde a atitude de um gerente trouxe consequências para a vida de centenas de funcionários. Se ele simplesmente tivesse tido a ombridade de voltar atrás em uma atitude vergonhosa que sustentou, tantos não precisariam ter tido suas vidas modificadas, desta mesma forma tem acontecido país a fora. Hoje muitos pagam o preço das decisões e atitudes de líderes ou indivíduos que têm o poder nas mãos de “mover montanhas”, mas o fazem sem responsabilidade e sem sentir culpa.

É possível identificar uma lista interminável de ditadores que subiram ao poder para ter ingerência sobre a vida de milhões, alguns chegaram ao ponto de mudar os rumos da humanidade como na segunda guerra mundial, por exemplo, onde a atitude dos principais líderes da época mudaram para sempre a história, é como se eles tivessem nas mãos a direção de vidas alheias. O assustador disso é que muitas vezes aquele que nasceu com a missão de liderar, quando imbuída desse poder o utiliza de forma imprudente. É mais ou menos como se elas brincassem de Deus, não fazendo por onde serem dignas da posição que ocupam ou do privilégio de liderar massas.

Hoje, em nosso país, pessoas são levadas ao poder ou derrubadas, transformando o destino de tantos. E não tem existido responsabilidade nessa prática. Um indivíduo torna-se a representação equivocada de um seguimento da população e assim sem predicados para tanto, irá agir ou não agir impactando populações como se nada fosse. É a vida valiosa de muitos nas mãos de um único ser. Difícil pensar sobre isso e lidar com a realidade de que cidadãos no país, que são peças chaves de um jogo de xadrez, estão fazendo movimentos que são um xeque-mate nos rumos da nação. Confesso que tenho me assustado cada vez mais com a consciência que tenho tomado em relação a esse fato, que tem feito pulsar nas mídias o quão decisivo tem sido a escolha de um ou outro candidato em algumas eleições. Há pouco tempo tivemos o registro claro de um desses momentos, onde o mundo parou para esperar quem seria o presidente da maior potência democrática do mundo, os Estados Unidos da América, pois este resultado afetaria o curso do planeta nos próximos quatro anos. Isso fez grande parte do mundo respirar aliviada frente à perspectiva do futuro de grande parte da humanidade ser afetado pelo comportamento e decisões de uma cabeça que nem sempre faz jus ao grau de importância de seus atos.

Quero crer que os próprios comandados estão começando a enxergar o peso de suas escolhas, mesmo muitas vezes sendo manipulados por pessoas que, infelizmente assim como nascem com a capacidade de liderar, desenvolvem o aspecto negativo desse talento. Pois é preciso saber discernir e separar o trigo do joio, não podemos e não devemos permitir que inconsequentes, despreparados ou dominados pela chama do poder tripudiem sobre nossas vidas, não quero meu destino nas mãos de novos, ou mesmo velhos, degenerados políticos e espero que este seja o sentimento e a atitude da maioria.

07/09/2021


Gravando no meu Tape Deck

 

Outro dia me peguei relembrando de forma nostálgica os tempos em que fazia minhas gravações em fita cassete. Era uma de minhas diversões favoritas gravar minhas playlists, fazer cópia de algum disco ou mesmo caçar músicas nas programações das rádios para gravar quando não tínhamos em discos.

Minhas primeiras experiências com fita cassete foi nos tempos de adolescência quando meu pai comprou um gravador Aiko para os filhos, foi uma novidade e tanto, a gente podia ouvir fitas já gravadas pelos artistas quando lançavam seus discos, e também as nossas seleções, que preparávamos em casa através de um tape deck que tínhamos como parte de um sistema de som com receiver, uma modernidade para a época. A vantagem é que ele possuía botões de ajuste onde era possível controlar, por exemplo, os graves e agudos e também nos permitia ir baixando a gravação, recurso que utilizávamos quando queríamos cortar uma música, sem parecer que havia sido cortada. Nosso sonho de consumo na época era comprar os discos dos artistas favoritos, ou então, comprar fitas virgens para gravar discos que pegávamos emprestado quando não dava para comprar, e aparecia uma alma bondosa para emprestar.

Mas uma das coisas mais loucas que se fazia, se compararmos com as facilidades dos dias atuais, sem dúvida eram as gravações de músicas que ficávamos tentando realizar durante as programações das rádios. Tinha que ficar com a fita no ponto e os botões Rec e Pause apertados ao mesmo tempo para soltar o Pause no momento exato em que a música começasse, e para conseguir esse feito tinha que ter a sorte do locutor anunciar a música antes, ou então ouvir uma programação de rádio repetida de forma que já se soubesse o momento certo em que a música entraria, num verdadeiro malabarismo. Não era fácil conseguir gravar a música dos desejos, mas quando conseguíamos era uma festa, a primeira providência era ligar para os amigos a fim de contar o feito. É inacreditável imaginar hoje que tal coisa acontecia e a satisfação que essas gravações nos proporcionava.

Há muitos anos que não se fabrica mais aparelhos que tocam as fitas cassetes, ainda tenho em casa aparelhos que reproduzem essa mídia, mesmo sendo muito antigos ainda funcionam, porém com as facilidades e qualidade de som que temos hoje nem ouso pegar uma das minhas velhas fitas para ouvir. Na verdade nem sei se ainda estão reproduzíveis, pois os anos comprometem o material que pode até se partir. De repente escrevendo sobre isso me ocorre até fazer um teste para, quem sabe, mergulhar no túnel do tempo, porque é certo que um ato como esse nos transporta diretamente para um mundo que não mais existe e foi deixado lá no passado como tantas outras coisas.

E se fazer gravações em tape deck ficou em um tempo remoto, na realidade se olharmos mais de perto, o próprio ato de gravar caiu em desuso e estão aí o Spotify, Deezer e outros do gênero para oferecer possibilidades infinitas de músicas ao nosso dispor, sem que precisemos da existência de um botão Rec para nos proporcionar essa experiência. E hoje fitas cassetes viraram peças de museu e artefato utilizado em piadas quando se quer classificar a idade de alguém que teve sua juventude num passado mais distante, o que é uma meia verdade, considerando que a tecnologia relativiza o tempo e a sua velocidade cria o obsoleto fazendo-o parecer antigo. E isso é tão natural hoje, que talvez não seja exagero estarmos atentos para amanhã não sermos também classificados como obsoletos, assim como as minhas não tão velhas fitas cassetes.

08/08/2021

Apagando a história

 

Desde os tempos de escola sempre gostei de História, era uma das matérias em que tirava excelentes notas, estudava por prazer e fazia questão de aprender o conteúdo. Embora não tendo seguido nenhuma carreira relacionada a essa matéria, nunca deixei de me interessar pelos seus encantos, afinal, como aprendi com uma das minhas professoras dessa disciplina: registrar o passado através dos tempos é necessário para que não repitamos os mesmos erros outrora cometidos.


Nas minhas andanças mundo afora tenho visto o quanto os outros países se preocupam em preservar seu passado histórico, e é impressionante o quanto eles disponibilizam informações para os seus habitantes sobre a importância dessa preservação, pois além de manter viva a identidade do país, muitas vezes seus pontos de preservação tornam-se fontes de turismo e consequentemente, de renda, beneficiando uma parcela significativa de sua população.

Mas, infelizmente até nesse ponto temos muito a lamentar no nosso país. Uma nação que deixa que se incendeie o seu maior e mais importante museu, vítima de uma morte anunciada, é porque tem fortes sintomas de descaso, falta de educação, de consciência e inúmeras outras fraquezas. Tudo isso expondo a fragilidade da sua identidade, que se perde um pouco mais a cada dia. Pessoalmente me deparei com o “apagamento” de duas cenas do nosso passado na minha região, uma em um museu na cidade de Piranhas no Estado de Alagoas e outra no museu do Pe Cícero na Cidade de Juazeiro do Norte, no Ceará.

Em Piranhas quando levei meu filho para conhecer o Museu do cangaço naquela região, fomos surpreendidos com o sumiço dos artefatos utilizados por Lampião, visto que os atuais administradores do museu tinham ligação com a família dos policiais que mataram Lampião e o seu bando e acharam por bem apenas mostrar o lado deles, apagando o outro lado dos fatos, como lhes convinha. No museu do Padre Cícero fui surpreendida com o sumiço da foto do Padre com Lampião, o qual tinha fortes ligações com o vigário, e se sabe que foi o religioso que deu ao cangaceiro a patente de capitão. Ao indagarmos sobre a foto tivemos a segunda surpresa ao sermos informados por uma beata, que trabalhava no museu, de que o Padre nunca esteve com Lampião, quando na verdade registros contam em detalhes a ligação dos dois. Nota-se claramente nos dois casos o interesse em apagar o que não se tem interesse de que as pessoas conheçam, diferente de outros países onde fazem questão de contar os fatos passados, por pior que sejam, exatamente para evitar que seus males de alguma forma possam retornar.

E se as pessoas acham que isso acontece porque trata-se de uma região de poucos recursos e escassez de educação, o que dizer então da narrativa sobre o “descobrimento do Brasil” do país que foi forjada no passado e hoje serve para confundir uma população que sequer conhece a verdade sobre suas origens? E como se não bastasse, quando estive na cidade de Ouro Preto-MG, berço dos inconfidentes e guardiã desse belo registro de lutas pela nossa independência, fui mais uma vez tomada de surpresa pelas afirmações advindas de estudos que questionam a veracidade sobre as ações desses heróis, e deixa a dúvida a respeito da morte de Tiradentes, nosso maior rtir. Mas, nada disso se compara a negação da existência da ditadura, um acontecimento tão recente que ainda existem vítimas e familiares vivos para comprovar seus fatos. Dos apagamentos da nossa história, esse com certeza é o mais chocante e descabido, desafiando a nossa capacidade de permitirmos sermos “lobotomizados” em praça pública. Isso fatalmente nos leva a retornar aos nossos erros recentes avultados pela passividade histórica da nossa população, acostumada a esquecer rapidamente seu passado, mesmo que recente.

Iremos precisar de muita persistência, luta e coragem dos que enxergam o verdadeiro valor da preservação da nossa memória a fim de que possamos vislumbrar um futuro melhor para todos, com a construção de uma identidade como nação e de uma consciência de cidadania, passando pela auto-estima de um povo que permite não somente a subtração daquilo que lhe é devido, como também da sua própria história.

11/07/2021

Sonhando com a minha cidade

 

Uma vez alguém me indicou um curta metragem intitulado “Recife frio”. Assisti e foi uma verdadeira viagem através da imaginação, mergulhei totalmente na vibe do diretor e fui em frente. Pois, se a cidade fica situada em uma região onde as temperaturas praticamente o ano inteiro variam ente 25 e 30 graus, imagine se essa temperatura caísse bruscamente a ponto de gelar os rios. Essa foi a realidade fictícia trazida pelo filme e todas as consequências atreladas a esse fenômeno. Fiquei entusiasmada de poder ver de forma tão realista uma situação tão surreal, mas palpável através da imaginação. Seria algo como materializar algo que você já havia idealizado ou pensado, “e se fosse assim?”

Então outro dia me peguei numa dessas fantasias do “E se...”. Comecei a sonhar com o Recife como se fosse uma grande metrópole desenvolvida, não me parecia nada distante, pois vejo que o abismo das diferenças sociais é criado e mantido pelo homem que hoje habita esse chão. Fechei os olhos e vi uma bela cidade limpa, com os seus rios de águas claras, as ruas com calçadas, jardins e praças bem cuidados, com um transporte decente para o seu povo, que diariamente é esmagado em viagens perversas. Vi os bairros mais humildes com dignidade, pessoas em suas casas pintadas, as ruas arrumadas, cada um com suas escolas, parques, espaços para as crianças. Vi um lugar onde as pessoas poderiam andar sem se preocupar com a segurança, aproveitando o talento natural da cidade para a beleza, afinal, não é à toa que Recife é conhecida como a Veneza Brasileira. Ah! como seria fantástico se tivessem metade do cuidado que a verdadeira Veneza tem com sua história e com seus recantos. Com seu clima ensolarado quase o ano todo, se encheria de turistas ávidos por desfrutar de suas belezas naturais e de suas praias. Seria uma cidade e tanto para se morar e para passear. É possível que alguns moradores até pensem que moram em um lugar assim, afinal um dos traços de seu povo é a megalomania, que os faz achar que tudo na cidade é maior, e nesse pensamento, o que pode ser melhor? Quem irá buscar o melhor?

Depois resolvi ir um pouco mais longe e ainda com os olhos da imaginação vi Olinda, sua cidade irmã, também sufocada pela ganância política e cheia de talento para a beleza. Vi uma cidade bem cuidada, limpa e segura, com muitas áreas verdes, praças, com inúmeras vias de acesso permitindo o trânsito fluir sem causar os transtornos diários que vivem os seus habitantes. Vi uma beira-mar sem tantos prédios, permitindo que a brisa do mar cheque a quem não mora há poucos metros do oceano. Esse que torneia e embeleza uma cidade tão cheia de atributos naturais, também maltratados pelos homens que habitam esse pedaço de terra. Difícil pensar que outrora inspirou seus descobridores e lhes causou profunda admiração e desejo de tê-la para si, como um troféu por seu espírito desbravador, que os fez atravessar o oceano e aportar em suas águas.

Mas, abro os olhos e vejo que assisto ao meu próprio curta-metragem que me fez mergulhar numa realidade fictícia, embora mais palpável que aquela do filme sobre o Recife. Seria algo tecnicamente possível de se realizar, mas impossível pela cultura hoje instaurada no submundo dos interesses políticos, sempre acima dos sociais, que nos encurrala num paradoxo humanista. Quando a gente sai desse mundo aqui criado e, vê até mesmo em nosso país, cidades com menos belezas naturais e menos potencial, mas desenvolvidas, vemos que não é impossível realizar quando se quer verdadeiramente. Mas isso se um dia fosse vislumbrado, seria um longo processo que teria que nascer de sua gente, que ainda não acordou para a sua realidade. Um despertar que se ocorresse, mesmo que tardio, seria um renascer para cumprir uma vocação natural e inexorável.

06/06/2021

Sua risada é uma graça

Resolvi postar essa crônica porque ela me faz lembrar de Paulo Gustavo, alguém que nos fazia dar belas risadas.


Sempre admirei pessoas risonhas, elas são inegavelmente de uma energia ímpar. Um sorriso largo conquista qualquer um, além de tornar a vida mais leve para quem carrega essa luz e para quem convive com essas pessoas. Hoje é praticamente uma unanimidade entre os estudiosos da área a verdade de que o bom humor ajuda na saúde e na longevidade.

Tive a alegria de conhecer algumas pessoas que são donas de um sorriso permanente que a todos contagia, e mesmo não fazendo parte desse mundo restrito a alguns felizardos, pelo menos consigo facilmente me divertir com elas e com aqueles que tratam a vida com bom humor, ou fazem disso o seu caminho. O interessante dessa particularidade da personalidade de algumas pessoas é que, às vezes mesmo sem querer, elas se tornam muito engraçadas e isso termina sendo o toque de humor que as caracteriza. Tenho um conhecido que exemplifica bem esse caso, ele tem um talento nato para falar coisas engraçadas com uma expressão tão séria que assustaria qualquer um que não o conhecesse, fazendo com que essa sua faceta seja exatamente a pitada de humor que arranca nossas risadas.

Mas, quando se trata de humor profissional temos que convir que não é qualquer um que arranca risadas do público, é preciso ter a medida certa para saber avaliar quando consegue-se fazer graça de verdade, por isso admiro as pessoas que desempenham bem essa façanha, em filmes, programas e peças de teatro, pois é um verdadeiro desafio extrair risadas coletivas propositadamente.

E quando você ri da piada e ri da risada de alguém que riu da piada? Conheci uma senhora que a risada dela era uma graça e, por coincidência, um dia fui assistir uma comédia no teatro e ela estava na plateia, acredito que nesse dia o público assim como eu, riu duplamente na peça, porque a cada lance engraçado ríamos da piada e da risada dela. Foi um dos momentos mais hilariantes que vivi, o que marcou aquele evento na minha memória como algo muito divertido e prazeroso de recordar. Gosto de contar esse fato porque foi bem inusitado e mais interessante ainda pelo fato de conhecer a protagonista.

Por outro lado trabalhei com uma colega que, embora seja uma manteiga derretida que chora fácil fácil, também é dona de uma risada sem igual, onde ela estiver não tem como não saber que é ela, por sua risada inconfundível. E sou uma das pessoas que não resiste às suas gargalhadas, mesmo que estejamos numa situação que não inspire lá muita graça, se ela ri, acabou, não tem como conter o riso. Mas existem aqueles que se incomodam com essa alegria inata, e inacreditavelmente o chefe da colega era uma dessas pessoas, e proibiu-a de dar suas famosas gargalhadas. É claro que ela chorou muito com essa sentença, mas ainda bem que ele estava chefe e não durou muito tempo o seu reinado desastroso, tendo perdido o cargo com a mudança da direção da empresa. E como diz o ditado “quem ri por último ri melhor”, e ela riu por último.

09/05/2021

A casa de azulejos azuis

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 Quando a gente é criança tudo parece grande e aí quando a gente fica mais velho guarda muitas lembranças de coisas que depois descobrimos que não eram tão grandes, quanto a nossa memória nos dizia. E foi exatamente isso que aconteceu comigo em relação a uma das casas que morei na minha infância.

A vida é cheia de coincidências e um dia um amigo do meu marido foi nos visitar e no meio de uma conversa falou que morava em um lugar que identifiquei ser perto de onde eu havia morado na infância. Então numa outra ocasião em que ele nos visitou, meu marido decidiu deixá-lo em casa. Quando estávamos perto da casa dele, pensei: por que não passar pela minha antiga residência e ver como estão, a rua e a casa? Fazia quase 20 anos desde a última vez que eu havia passado por lá e achei que seria interessante rever aquela casa de azulejos azuis com branco tão presente nas minhas memórias. Mas, enorme foi a minha surpresa ao descobrir que ela era bem menor do que a casa da minha lembrança, mesmo vendo através de fotos que tínhamos daquela época não conseguia dimensionar o seu tamanho real, passou um tempo até me acostumar com aquela nova imagem, acredito que o meu cérebro ficou um pouco confuso e o subconsciente deve ter se perguntado: e não era maior? O que houve? Encolheu? E o jardim tão grande também diminuiu de tamanho? Como me senti incomodada com aquela situação, comentei na hora: “nossa! Como parece menor, estou chocada com a imagem que havia guardado”, foi um desabafo que valeu o consolo que veio da parte deles através da afirmação de que quando somos crianças, tudo parece grande.

Fiquei tão cabreira com esse acontecimento que na época liguei para a minha mãe e comentei a respeito. E fiquei “matutando” sobre aquilo, a tal ponto que comecei a lembrar de outras coisas da mesma época que me pareciam grandes, como a própria rua onde ficava a tal casa de azulejos azuis que lembrei o quanto a achava larga e no dia que a vi também percebi o quanto ela era estreita, até isso! Então lembrei do rapaz que fazia reparos na nossa casa, que na minha lembrança era super alto e comprido, e tive que tirar a dúvida com a minha mãe se aquela recordação correspondia a verdade, desta vez foi um alívio saber que de fato ele era alto e magro, talvez nem tanto quanto imagino, mas próximo do real ou não, nunca saberei.

Depois que nos mudamos da casa de azulejos azuis, fomos morar numa rua bem próxima, numa casa de azulejos cor de vinho. Então já que tinha ido matar a minha curiosidade em relação a primeira casa, resolvi olhar essa outra para desafiar novamente a minha memória, e para minha não surpresa a impressão foi a mesma, queria estar enganada! Juro que queria! Por que cargas d'água essas casas encolhem com o tempo? essa deve ter sido a pergunta da vez do meu subconsciente. O fato é que hoje tenho dúvidas se é realmente uma boa ideia desafiar nossas lembranças, talvez seja melhor deixar aquelas imagens arquivadas do jeitinho que o tempo guardou, elas podem ser mais doces e bonitas que a realidade, como se costuma dizer: deixa quieto!

E o pior da segunda casa? o azulejo vinho em alto relevo de grande beleza não existia mais, aumentando a minha indignação. Foi colocada uma cerâmica igual no muro e na casa, numa cor bem neutra, tão diferente daquele belo vinho, e o muro todo furadinho foi fechado. Basta! O que fui fazer lá? O consolo é que pelo menos elas não foram derrubadas para em seu lugar construírem prédios que lotam os bairros da cidade. Nesse bairro onde morei casas ainda são muito comuns, o que dá até uma certa nostalgia, pena que as crianças não podem curtir a rua como curtíamos, pois hoje o asfalto duro e quente não permite mais as brincadeiras de outrora e a insegurança tranca de vez cada um em sua casa, com ou sem azulejos azuis.

11/04/2021

Querida Tia

Essa semana seria o aniversário da minha querida Tia Marlene, se ela estivesse entre nós. Quase 6 anos depois de sua partida, a saudade ainda é a mesma, então para sentir um pouco da sua presença, resolvi compartilhar um texto que escrevi sobre ela:


Essa vida é um degredo de grande perversidade, o tempo vai passando, a coisa vai piorando e nada se resolve”. Essa era uma das frases que a minha tia costumava dizer, intensa como ela, tanto na dor, como no humor. Mas, se parece que ela falava isso com pesar, ledo engano, porque era puro humor. Pois assim era a minha tia, dois extremos de um mesmo ser. Se a vida era dura e cruel por um lado, por outro tudo podia se transformar numa grande piada.

Lembro que no passado o meu primo sofreu um assalto, daqueles que até o tênis o ladrão fez questão de levar, e ainda deu-lhe uma bofetada por ter escondido dinheiro no calçado. Porém, este incidente ao invés de se tornar um trauma na vida daquele cristão, se transformou numa inacreditável piada ao ser narrado pela minha tia, pois sua maneira peculiar de contar a história tornava os detalhes hilariantes e, ainda valia florear um pouco aqui e ali pra deixar o negócio ainda mais engraçado, coisa que meu primo protestava relutante: “não foi assim” e ela prontamente contra-atacava: “foi”, e caia na risada, encerrando a sua versão dos fatos, deixando por conta do ouvinte o benefício da dúvida.

Minha mãe costumava nos contar as diabruras que minha tia aprontava na adolescência, no tempo em que se comportar mal na escola era pecado mortal punido severamente na instituição e, às vezes, em casa também, para que não houvesse risco de que a lição não fosse aprendida, porém mesmo assim, não havia “disciplina militar” que a intimidasse, depois ela pensava nas consequências. E assim foi no dia em que ela teve a “brilhante” ideia de colocar no lugar do apagador um absorvente. É claro que após o professor tentar apagar o quadro com o estranho artefato e, se dar conta do que portava em sua mão, a fúria resultante do feito audacioso transformou-se numa sucessão de ameaças, que nem ela nem as colegas tiveram coragem de fazer qualquer declaração à respeito, considerando o tamanho do castigo que estaria por vir. Dessa ela escapou, mas nem sempre o final era feliz, ou pelo menos pouco infeliz.

Mas se havia um personagem que era o alvo predileto de suas “exageradas” histórias e imitações, este era o meu tio, que possuia um talento nato para atos impensáveis, suas escorregadelas fazia dele um poço de munição para as incontáveis histórias que a minha tia sempre procurava guardar em suas lembranças para me contar assim que a oportunidade surgisse, coisa que havíamos planejado pouco antes de sua partida desse mundo.

E apesar da saudade que ainda sinto com a sua partida repentina, agradeço a Deus por ter sido rápida e suave, como ela pensou um dia. Com certeza se ela pudesse comentar sobre o próprio enterro, encontraria algo para contar com a graça que só ela conseguia captar em meio às tragédias. Como no dia do velório da minha mãe, que apesar da tristeza que sentia pela perda da irmã, minha tia não conseguiu perder a piada quando entrou no velório errado e ficou rezando sem perceber o engano, quando começou a se dar conta de que não conhecia ninguém e ao perguntar o nome da falecida, saiu disfarçadamente e já guardou a piada para me contar após o término da cerimônia. E assim era a minha querida tia, espirituosa e cheia de personalidade, “pau pra toda obra”, batalhadora e ao mesmo tempo uma contadora de histórias ao estilo “Comédia da vida privada”. Mas pensando no que ela diria sobre as suas desventuras, sou capaz de ouví-la dizendo: “minha filha, só Jesus na cruz para nos salvar! “, seguida de uma bela risada.

Descobertas de um ano que quase não aconteceu



O ano de 2020 começou bem para mim, fiz uma das viagem que sonhei um dia e mesmo no final sendo atingida de raspão pela pandemia, deu para conhecer quase tudo que estava na programação. Assim como todos, eu também não imaginava o que estava por vir. O ano parecia que seguiria não com boas perspectivas, posto que para o brasileiro que enxerga a real situação do país seria mais um ano de resistência, porém dentro de parâmetros já conhecidos. Afinal não imaginávamos que viveríamos além de tempos estranhos para nós, tempos incomuns também para o resto da humanidade.

O fato de termos que permanecer confinados trouxe muitas mudanças, se olharmos para o ano como algo que não aconteceu, por outro lado essa ausência aparente de materialidade desse período gerou muitos caminhos alternativos, acho que a palavra do ano foi reinventar. Se não dava para ser do jeito que sempre foi, a solução foi criar algo novo a partir de si mesmo, pois o tempo não para mesmo que a vida pareça paralisada. Não é porque não podíamos ir para a rua que as nossas necessidades cessariam, precisávamos supri-las de alguma forma.

Ficar em casa teve seu ônus, mas também teve seu bônus. Da telinha dos nossos aparelhos móveis assistimos as transformações daqueles que buscaram soluções onde parecia que não havia um caminho, vimos através das inúmeras lives de todas as naturezas as pessoas se reinventando, se adaptando e buscando sua sobrevivência e de tantos outros, pois a solidariedade também se fez presente nessa nova vertente, e os que não tiveram a oportunidade de se manter ou de transformar a sua realidade, também foram ajudados.

Nesse cenário eu mesma descobri escritores que não conhecia, reencontrei a poesia, que foi minha primeira forma de expressão e, hoje sinto que estamos numa fase de “paquera” em que estou só olhando de longe e me enamorando, vivi experiências que não teria vivido em um ano “normal”, me dediquei a novos hábitos, descobri algo de bom que poderia extrair da tecnologia através do instagran, participei de dinâmicas virtuais onde o foco era buscar um maior equilíbrio num momento tão adverso, e com isso encontrei pessoas de muito talento e de muita substância, contrariando a realidade política do país, sustentada por um vazio humanístico. Essas pessoas trazem esperança, colocam uma luz no fim do túnel e trazem à convivência o humano, os valores reais, a dignidade perdida, o que realmente importa.

No balanço do que vivemos ou não nesse ano, tivemos uma corrente paralela que buscou despertar o melhor das pessoas, que trabalhou arduamente para dar um sentido a tudo isso, que tentou mostrar o significado do que tivemos que viver, que apresentou as oportunidades e possibilidades advindas de uma reflexão que jamais teríamos. Até a natureza silenciosamente gritou para nós, o seu grito de alívio, de uma pausa de tanta agressão feita pelo homem, então se isso não foi para nos dizer nada, qual seria o sentido dessa experiência? Acredito que uma boa parte da humanidade se fez essa pergunta. E só o fato dela ter povoado a mente dos humanos, creio que já foi uma grande descoberta, sobre o quê? Sobre existir e sobreviver num mundo onde o outro parecia não importar, e agora as pessoas acordaram para perceber o quanto é difícil vivermos socialmente distantes, o quanto precisamos uns dos outros, que não há sentido jogar num estádio vazio ou fazer nossas comemorações sozinhos, pois queremos partilhar, a grande diferença é: que nesse momento além da necessidade, temos a certeza disso, e essa talvez tenha sido a nossa maior descoberta.

A contradição de tudo isso é num ano seguinte, parte da população do país entregar-se a negação de uma futura explosão da pandemia, promovendo um comportamento suicida em escala, levando-nos de volta ao começo. O resultado é que o tempo tem nos mostrado que se uns têm crescido com essa espécie de provação, outros têm sucumbido ao lado sombrio de seus valores, e para esses, o ano de 2021 poderá vir a ser mais um ano que não aconteceu.

05/03/2021

Precisa-se de um líder

 

Essa coisa de liderar como se diz comumente, tem que ser um talento nato. É preciso ter o dom da oratória para atrair e guiar outras mentes, é necessário saber dizer as coisas certas, aquilo que as pessoas querem ouvir e apesar de um pouco assustador é o que os líderes fazem, isso pode ser bom e pode ser usado para o mal. Afinal como a maioria das coisas na vida, existem dois lados da mesma questão.

Outro dia um colega me contou sobre um político que disse exatamente isso, “falamos o que as pessoas querem ouvir”, fiquei bastante chocada com essa revelação e passei muito tempo digerindo essa informação. Mas, por mais estranho que pareça ser, se alguém tem boas intenções ela vai falar coisas que são o que esperamos de quem tem intenções positivas, coisas que trarão esperança para quem anseia por dias melhores. O grande problema é saber se aquelas palavras são verdadeiras ou apenas lorotas para iludir os que necessitam de alguém que guie suas vidas para algo melhor do que é a sua realidade, crer nisso nos faz seguidores e líderes são criados. Isso desde o nosso tempo de estudantes, quando elegemos um representante de turma até a eleição de um Presidente, que é o líder maior de nosso país, pois ele irá nos representar e guiar os destinos de toda uma nação.

Mas como temos vivido tempos estranhos e sombrios, aqueles que eram nossos antigos líderes parece que se apagaram, ofuscados pelas novas ondas ideológicas sem substância, e hoje estamos a espera de novos personagens que possam ser chamados de líderes. Neste momento as pessoas estão sendo direcionadas a ocuparem postos de liderança não porque elas têm a capacidade de liderar, mas por serem manipuladas por outros que possuem interesses particulares, ao invés de coletivos.

O resultado de todo esse cenário é que estamos órfãos, porque se um líder começa a despontar, não existe uma base que possa sustentá-lo, não existe um conjunto respaldado pela ética e pelo interesse do bem comum que possa assegurar uma fala de justiça ou igualdade, apesar de muito se falar a respeito. Afinal são sentimentos pulverizados mundo afora, mas não é uma unanimidade suficiente para nutrir um líder forte e verdadeiro.

Temos muito que evoluir e num espaço de tempo muito pequeno em relação a nossa história, demos muitos passos para trás, a ponto de permitirmos que o nosso líder e representante seja um fraco que foi levado ao cargo para atender os interesses de quem o patrocinou, e se não tivemos maturidade para enxergar um fato tão evidente, é porque estamos carentes não só de um líder, mas de valores, brio, respeito pelo outro oprimido e preterido por esses tipos que se unem para a exploração dos mais fracos, não somente em termos financeiros e de direitos, mas também mentalmente fracos, um povo fácil de ser manipulado e enganado. O resultado de tudo isso são indignações diárias: preconceitos, indiferenças e violências exacerbadas por falta dos bons valores individuais.

Lembro que lá trás quando estudei uma matéria denominada Organização Social e Política Brasileira (OSPB), onde estudávamos os problemas do Brasil, comecei a ter um sentimento e uma visão forte de que o Brasil era um trem desgovernado. Hoje a visão que tenho é de que o próprio povo está desorientado, como zumbis. E a essa altura, a necessidade de um líder se faz mais do que indispensável, faz-se uma obrigação, um caminho para readquirir um pouco de respeito perdido no momento em que entregamos o posto mais alto do país a alguém sem um mínimo de competência, respeito ao cargo que ocupa, caráter ou humanidade.

07/02/2021

Porque não comprar


Por coincidência recentemente tive a oportunidade de ver através de duas mídias diferentes explanações sobre a questão do consumo consciente, e este tem sido um assunto muito falado ultimamente, porque quando nos referimos a conservação da natureza, não há como não relacionar os dois assuntos, afinal o consumo desenfreado está totalmente relacionado às questões dos impactos ambientais.

Há um tempo atrás li um livro sobre organização e quando cheguei na parte em que falava da arrumação do guarda-roupa, a autora fez todo um esclarecimento sobre o consumo consciente, inclusive trazendo números mostrando que a maioria das pessoas utilizam um percentual pequeno das roupas que possuem. Fiquei abismada ao perceber na época que eu me encaixava nessa estatística, e foi ao mesmo tempo um susto e uma tomada de consciência. Desde então comecei a repensar sobre a questão e tentar manter um equilíbrio na quantidade de itens de cada peça. Me desfiz de muitas roupas e sapatos e estipulei para mim mesma uma regra de consumo, onde para cada conjunto de peças novas compradas, a mesma quantidade é doada e nenhuma das partes onde as peças são guardadas pode ficar lotada, devendo haver sempre uma folga. Mas isso ainda é pouco comparado a tantas coisas que consumimos desnecessariamente.

Cada dia que passa tenho sentido uma necessidade maior de mergulhar nessa questão e avançar um pouco mais, uma atitude simples que adotei e serve para muitas pessoas é antes de comprar algo que está em promoção me fazer a seguinte pergunta: estou comprando só porque está em promoção? Se a resposta for afirmativa, não devo comprar. Mas existe outra pergunta muito simples e factível, praticamente uma obrigação em tempos de consumo consciente, que é: eu realmente preciso desse item?

Acostumamos não pensar nas consequências para o planeta quando consumimos bens materiais ou mesmo alimentos. Porém é necessário pensar, porque existe uma coisa muito impactante que é o descarte, associado a cada coisa que adquirimos desde um objeto qualquer até um carro por exemplo, pois um dia seja lá o que for será descartado e nunca paramos para pensar no destino que isso tomará, se será reutilizado ou se irá diretamente para algum grande depósito para que os milhares de anos o consuma. É claro que se não fizermos a roda da reciclagem girar, o nosso planeta não comportará todo o lixo que produzimos, porque simplesmente não caberá nós e os nossos descartes.

A novidade é que além de termos como reciclar muitos materiais, também podemos ter uma vida mais minimalista, e para tanto já existem especialistas em sustentabilidade no mercado para orientar e ajudar pessoas que são verdadeiros consumidores compulsivos ou acumuladores. E mesmo que não nos enquadremos num desses dois grupos, ainda assim temos obrigação de repensar nossos conceitos a respeito. E se tínhamos dúvida sobre a questão do ter, esse momento em que fomos obrigados a viver uma reclusão em razão da Pandemia veio para nos provar que realmente não precisamos de tanto para viver, que podemos ser melhores para o planeta que tanto nos dá, que é a nossa casa e também será daqueles que virão depois de nós, mas precisamos permitir que isso aconteça.

02/01/2021