Descobertas de um ano que quase não aconteceu



O ano de 2020 começou bem para mim, fiz uma das viagem que sonhei um dia e mesmo no final sendo atingida de raspão pela pandemia, deu para conhecer quase tudo que estava na programação. Assim como todos, eu também não imaginava o que estava por vir. O ano parecia que seguiria não com boas perspectivas, posto que para o brasileiro que enxerga a real situação do país seria mais um ano de resistência, porém dentro de parâmetros já conhecidos. Afinal não imaginávamos que viveríamos além de tempos estranhos para nós, tempos incomuns também para o resto da humanidade.

O fato de termos que permanecer confinados trouxe muitas mudanças, se olharmos para o ano como algo que não aconteceu, por outro lado essa ausência aparente de materialidade desse período gerou muitos caminhos alternativos, acho que a palavra do ano foi reinventar. Se não dava para ser do jeito que sempre foi, a solução foi criar algo novo a partir de si mesmo, pois o tempo não para mesmo que a vida pareça paralisada. Não é porque não podíamos ir para a rua que as nossas necessidades cessariam, precisávamos supri-las de alguma forma.

Ficar em casa teve seu ônus, mas também teve seu bônus. Da telinha dos nossos aparelhos móveis assistimos as transformações daqueles que buscaram soluções onde parecia que não havia um caminho, vimos através das inúmeras lives de todas as naturezas as pessoas se reinventando, se adaptando e buscando sua sobrevivência e de tantos outros, pois a solidariedade também se fez presente nessa nova vertente, e os que não tiveram a oportunidade de se manter ou de transformar a sua realidade, também foram ajudados.

Nesse cenário eu mesma descobri escritores que não conhecia, reencontrei a poesia, que foi minha primeira forma de expressão e, hoje sinto que estamos numa fase de “paquera” em que estou só olhando de longe e me enamorando, vivi experiências que não teria vivido em um ano “normal”, me dediquei a novos hábitos, descobri algo de bom que poderia extrair da tecnologia através do instagran, participei de dinâmicas virtuais onde o foco era buscar um maior equilíbrio num momento tão adverso, e com isso encontrei pessoas de muito talento e de muita substância, contrariando a realidade política do país, sustentada por um vazio humanístico. Essas pessoas trazem esperança, colocam uma luz no fim do túnel e trazem à convivência o humano, os valores reais, a dignidade perdida, o que realmente importa.

No balanço do que vivemos ou não nesse ano, tivemos uma corrente paralela que buscou despertar o melhor das pessoas, que trabalhou arduamente para dar um sentido a tudo isso, que tentou mostrar o significado do que tivemos que viver, que apresentou as oportunidades e possibilidades advindas de uma reflexão que jamais teríamos. Até a natureza silenciosamente gritou para nós, o seu grito de alívio, de uma pausa de tanta agressão feita pelo homem, então se isso não foi para nos dizer nada, qual seria o sentido dessa experiência? Acredito que uma boa parte da humanidade se fez essa pergunta. E só o fato dela ter povoado a mente dos humanos, creio que já foi uma grande descoberta, sobre o quê? Sobre existir e sobreviver num mundo onde o outro parecia não importar, e agora as pessoas acordaram para perceber o quanto é difícil vivermos socialmente distantes, o quanto precisamos uns dos outros, que não há sentido jogar num estádio vazio ou fazer nossas comemorações sozinhos, pois queremos partilhar, a grande diferença é: que nesse momento além da necessidade, temos a certeza disso, e essa talvez tenha sido a nossa maior descoberta.

A contradição de tudo isso é num ano seguinte, parte da população do país entregar-se a negação de uma futura explosão da pandemia, promovendo um comportamento suicida em escala, levando-nos de volta ao começo. O resultado é que o tempo tem nos mostrado que se uns têm crescido com essa espécie de provação, outros têm sucumbido ao lado sombrio de seus valores, e para esses, o ano de 2021 poderá vir a ser mais um ano que não aconteceu.

05/03/2021