Flutuando em barcos e sonhos

"Como você gosta de um barco! Toda viagem tem que ter um passeio desse". Essa foi a frase que ouvi do meu marido quando chegamos de uma incursão pelo lago Llanquihue, tendo o vulcão Osorno como pano de fundo, em Puerto Varas, no Chile. E só depois desse simples desabafo que me apercebi de que isso era uma constante em meus roteiros de férias. A coisa ficou pior depois que perdemos um passeio em em um icônico rio, durante uma viagem, porque deixamos para o último dia, choveu e ficamos impossibilitados. Depois desse acontecimento, na tentativa de garantir a sua realização, passei a programar esses eventos com um cuidado adicional.

Não sou uma pessoa das mais corajosas, e isso faz com que, apesar dos inúmeros voos que já peguei, nunca me sinta totalmente confortável em um avião. Já com barco, tudo muda. Não sei o porquê, mas eles nunca me assustam, seja no mar ou em um rio. Adoro ver a água correr ao seu lado, a sensação do vento no rosto e o rastro deixado no caminho que vai ficando para trás. E além disso, as diversas paisagens que vão surgindo nesse navegar. Tudo isso me seduz de uma forma impagável, inevitável.

São incontáveis as vezes que me aventurei nessas viagens flutuantes, gozando das mais diversas experiências. Dessas, algumas foram marcantes. Uma delas gosto de lembrar porque se tornou especial: percorrer um trecho do Rio São Francisco e, ao final, mergulhar nas águas desse lendário Nilo Brasileiro. A sensação foi a mesma de alcançar uma bela cascata depois de uma longa caminhada. Mas, nesse caso, a jornada também foi gloriosa porque a paisagem dos seus cânions impressionantes ficaria cravada em minha memória como a pérola desse momento: uma embarcação nos levando ao êxtase de uma comunhão com a natureza: céu, rio, montanhas e o afagar daquelas aguas frias e caudalosas roçando a pele. Por duas vezes protagonizei essa cena, porque é algo que se anseia repetir.

Mas a magia do velho Chico me levou a uma outra experiência. Dessa vez em um pequeno barco que por muitas vezes o observei junto a outros, ancorados sobre um cenário de águas tranquilas desenhando um espelho prateado. Nelas, montanhas refletiam como que deitadas em uma superfície perfeitamente lapidada. Naquela pequena espécie de canoa, seguimos o curso das correntes fluviais e conhecemos novos cenários. E por estar numa posição tão próxima daquelas águas, colocava minha mão fora e nos tocávamos enquanto deslizávamos rio abaixo. Ali aquele barquinho era tudo.

E para nunca esquecer das vezes que o admirei em seu descanso, o fotografei e o emoldurei para que em uma parede da minha casa ficasse ancorado. Ali ele servia de alento nos momentos em que desejava navegar com ele por outras águas. Era só olhar por um instante, fechar os olhos e seguir. E por um tempo fizemos muitos passeios imaginários até que aquela foto amarelada já não fizesse mais sentido ser levada para uma nova parede de um novo apartamento. Nesse, a visão do mar e de embarcações que chegam e partem de um porto não muito distante, traria infinitas possibilidades de me transportar através desse vai e vem em um porta-retratos vivo, despertando desejos de navegar.

14/01/2023