A vida na boca alheia

 

Foto: Ben White

Por que o ser humano nutre a necessidade de falar do próximo? Imagino as mais diversas motivações para isso: curiosidade, inveja, distração, algo para esquecer a própria vida ou realidade. Dispor da vida alheia parece ser uma característica comum em qualquer lugar do planeta. É possível que os especialistas tenham uma boa explicação sobre a verdadeira causa, mas no geral o que tenho ouvido dessas mesmas bocas é simplesmente porque gostam. E os que divergem a respeito que lutem para entender.

É impressionante a atração ou mesmo fetiche pela vida privada do outro. Algo tão gritante, a ponto de matar, a exemplo do acidente com a princesa Diana. O nível de interesse pela intimidade da vida dos membros da família real inglesa, por exemplo, é berrante e sem limites. É fácil perceber isso quando pensamos nos tabloides ingleses e americanos ou nos paparazzi, espécie de ampliadores dessa prática. Estão por toda parte onde possam existir celebridades para bisbilhotar o presente e passado dessas, e espalhar para o mundo. É claro que isso serve também para saciar a sede dos fãs de saber sobre seus ídolos. É até compreensível querermos conhecer mais sobre os famosos, entretanto não é aceitável alguém os perseguir para capturar flagrantes de suas intimidades. Em geral, eles mesmos contam o suficiente sobre suas vidas em entrevistas ou até fazem suas biografias.

Com toda essa gana por uma novidade divulgada em um boca a boca sem filtro, sem uma avaliação da notícia ouvida, essa cultura se tornou um terreno fértil para as fake news. Infelizmente, esse mal se espalhou pelo planeta e se tornou uma arma. Nas mãos daqueles que perceberam como poderiam utilizar o seu poder, foi um instrumento para destruir pessoas e verdades e, em seu lugar, erguer impérios de mentiras.

Desde muito jovem tendo a ficar desconfortável com conversas, girando em torno da vida do outro ou tratando de julgamentos. Nunca sabemos nem conhecemos, de fato, o cerne das questões de cada um, então é um equívoco tirar conclusões baseadas em impressões externas e superficiais.

Em tempos antigos, o poder da língua alheia ditava o destino e o comportamento das pessoas. As mulheres costumavam ser as maiores vítimas, mas também tinham a sua participação na questão. Elas não poderiam ter certos comportamentos, porque ficariam mal faladas. Se fizessem algo contrário aos padrões da época, logo se tornavam alvos fáceis de uma sociedade contaminada pelo jugo e pela difamação. Em muitos casos, deveriam casar ou fazer coisas escondidas para não cair na "falação", como se costumava dizer. O resultado de tudo isso era viver em torno da opinião das pessoas ou das aparências, uma conduta que permeou muitas épocas e persiste ainda em diversos lugares.

No fim não percebemos o quanto essa dependência de um parecer do outro gera medos. É comum as pessoas se sentirem vulneráveis ante a posição de terceiros e isso causar recuos ou mesmo paralisá-las. Esse mal afeta a maioria, a ponto de ser alvo de estudos e pesquisas. Então é preciso ter discernimento para não dar poder aos faladores, disseminadores de mentiras ou olheiros da vida alheia. Além disso, cabe a cada um de nós não alimentar essa prática, por mais comum que ela possa parecer.

07/10/2023