Serenatas às sextas-feiras

Em um tempo em que a música popular brasileira está quase sendo tratada como peça de museu onde haveria espaço para serenatas? A resposta imediata seria: não haveria. A boa notícia, no entanto, é que ainda temos uma sobrevivente em minha cidade. Segundo soube por meio dos que ainda apreciam a sua passagem pelas antigas ruas de Olinda, talvez não por muito tempo.

A verdade é que as gerações mais novas não cultivam o amor ao tipo de música que as serenatas propagam e nem mesmo ao seu estilo. Não que seja algo sem alegria ou ritmo, pelo contrário, mesmo nas interpretações mais nostálgicas há sempre o toque de empolgação. 

Seja no embalo dos instrumentos de corda ou na soma deles com um pouco de percussão, marcando e impulsionando a marcha dos que levam o melhor de nossas canções e os sentimentos que elas carregam.

Nos meus primeiros anos de juventude, muitas sextas-feiras foram regadas a serenatas. Foi um período em que já era certo a minha turma se encontrar no ponto onde os músicos se reuniam para seguir pelas velhas ruas da cidade histórica. Havia sempre os que acompanhavam e os que ficavam nas janelas dos casarões, esperando a nossa passagem. As palmas eram um incentivo e o combustível para rápidas paradas onde o morador era presenteado com uma música, por prestigiar tão calorosamente cantadores e tocadores.

O repertório era sempre atualizado com novas músicas e, ao contrário do que se pensa, nesse grupo não eram tocadas, a toda hora, músicas do tempo dos nossos pais e avós. Em geral, todos conheciam as letras e havia muitos jovens acompanhando e alguns tocando junto com os músicos mais antigos. O gosto pela MPB era normal. Isso me faz perguntar em que momento perdemos o trem da história? A nossa música, que é um primor no mundo, foi ficando para trás e vivendo agora na memória de pessoas que estão envelhecendo e levarão consigo a perpetuação do que temos de melhor.

Moro perto de algumas casas de festa e, às vezes, escuto as músicas que tocam nos eventos que acontecem nesses lugares. Em quase nem um deles não se ouvem mais composições dos nossos artistas mais talentosos, mesmo os novos que têm surgido. Hoje, tenho a sensação de que existe um repertório de músicas sem qualidade onde uma copia a outra e também nem é preciso que as letras digam algo. São sons iguais. Em cada estilo, há uma receita que todos seguem. Não se pode dizer que existe ali um primor nas letras ou nas melodias. E as novas gerações adotaram essa preferência como algo natural, então não se espera mais do que isso.

Em um contexto como esse é preciso aceitar que o antigo grupo das serenatas semanais, provavelmente, está com os dias contados. Segundo soube, o público quase inexiste e o os músicos estão perdendo o apoio para permanecerem mantendo viva a cultura da nossa música, daquilo que nossos grandes artistas construíram com talento, arte e muito trabalho. Não com intenções massificadoras, mas, sim, para tocar as pessoas de alguma forma, seja por meio dos acordes ou pela palavra que diz algo ao coração, à mente ou a ambos.

Ainda bem que tenho a memória desses momentos tão mágicos e únicos. Para quem acha que serenata é tocar ou cantar canções de amor embaixo de uma janela, é importante saber que é mais que isso e é também isso. Afinal, cantávamos em frente aos janelões dos moradores, porém não tínhamos intenções de conquistas e, sim, de compartilhar aquelas belas e inesquecíveis canções e passagens de nossas vidas. Havia felicidade em cada rosto. Éramos felizes a cada nova sexta-feira. E sabíamos disso.

03/06/2023