Como perder o nome

Uma das coisas que acho muito pitoresco no interior das cidades do Nordeste é o costume de se colocar apelido nas pessoas, por tudo e por nada se perde o nome. E nem sempre a vítima conhece a própria alcunha. Existem situações para todo gosto, tem os que gostam e até preferem o apelido, existem aqueles que não podem ouvir que se transformam praticamente em um animal não domesticado, tem os que se acostumam, os que não gostam, mas nada podem fazer e os que simplesmente nem sabem que foram rebatizados.

Por conviver com pessoas que vieram de diversos interiores, conheço muitas histórias de nomes que se perderam no tempo. E até na capital, em razão dessa influência, tenho alguns colegas que também praticamente perderam seus nomes, após serem devidamente apelidados por alguma alma normalmente não muito bondosa. E a coisa é tão forte, que muitas vezes não conhecemos o nome verdadeiro da vítima, ou simplesmente não conseguimos lembrar, porque o dito cujo só é pronunciado muito eventualmente.

Outro dia um conhecido que mora numa dessas cidades do interior, relatou que recebeu um telefonema de um colega de escola com o qual não falava há muito anos, e o mesmo se apresentou pelo seu verdadeiro nome e sobrenome e ainda precedido do título de doutor, pois agora era advogado. Porém, durante todo o tempo em que estudaram juntos, o colega sempre foi conhecido pelo apelido e o resultado foi que não adiantou ficar insistindo no nome, porque só foi reconhecido quando apelou para o nome do pai. E quando o apelido foi pronunciado do outro lado da linha, não lhe restou senão o lamento de que não podia ser chamado de doutor seguido de um apelido daquele.

Conheci um garçom cujo apelido era “Ingija”, só porque um dia diante da manifestação de insatisfação de um cliente, ele exclamou; “Ingija!”, e foi a conta, após este dia, nunca mais se ouviu falar do seu nome de batismo. Outro caso que me chamou a atenção foi de um caixa de banco que perdeu o nome porque um colega o achou parecido com outra pessoa que se chamava “Bedeu”. Muitos anos depois do acontecido, ele confessou a este mesmo colega que até a mãe o chamava pelo apelido, e além disso, o nome gravado na placa do caixa onde atendia era o do apelido, esse foi um dos que a conformação foi a saída.

Apesar dos pesares, ainda não se descobriu uma fórmula para o cristão se livrar desses rebatismos, mas observei que na maioria dos casos, algum colega ou parente mala é o “batizador”, sendo pouco provável que haja algum tipo de salvação, mandinga ou mesmo simpatia que possa livrar a criatura da situação, restando na maior parte das vezes, a conformação mesmo, ou no melhor dos casos, o orgulho, como um rapaz que conheci com a alcunha de um herói imortal. Esse além de se orgulhar, faz questão de ser chamado pelo apelido, afinal, o seu verdadeiro nome não chega nem perto da imponência e ostentação que o apelido carrega, o que me faz pensar que este é o motivo que faz algumas pessoas, de fato, preferirem a identidade número dois e assim se apresentarem ao mundo, de alguma forma, incorporando o brilho de seus “xarás”. O fato é que existem formas diversas de se perder um nome e nenhuma para reencontrá-lo, e quem tiver seus amigos ou parentes “mala” que se cuide, para amanhã não acordar e descobrir que recebeu um novo nome, porém não foi a mãe quem escolheu.

24/07/2020

Os vícios de uma nação

É estranho o quanto o nosso país tem vivido como as ondas, num sobe e desce de ânimos e movimentos. A gente tem até a impressão de que finalmente vai engrenar, mas aí parece que a onda quebra, amansa e o mar fica calmo novamente. Tive até a esperança de que finalmente as pessoas fossem começar uma luta por mais ética, cheguei até a acreditar que finalmente haviam entendido que todos nós temos que ser fiscais daqueles que nos governam e daqueles que trabalham nos órgãos públicos.

A consciência de onde vem o mal que paralisa o país parece ainda não ter assolado os cidadãos. Depois de tantos escândalos e denúncias, acho que ficou bem claro que todos que trabalham com o dinheiro público estão suscetíveis ao sentimento de desejá-lo para si. É claro que isso não é normal, mas a partir do momento em que se cria esta cultura, automaticamente estas pessoas tendem a cultivar este sentimento e basta uma oportunidade para se tornar mais um corrupto na sociedade. Onde está o princípio da honestidade, da coletividade e da ética? Me pergunto todos os dias como essas pessoas conseguem tão facilmente sucumbir  a essas fraquezas e enterrar os valores fundamentais de uma nação e da vida em sociedade.

A cada novo caso, então me pergunto: eles não param nunca? Políticos, policiais, pessoas que trabalham em Fiscalizações, juízes, etc. Todos os dias se vê novos casos. Pessoas entram em cargos que fiscalizam outras pessoas e Empresas e logo são compradas, ou são convidadas a entrar em algum “esquema”. Infelizmente aqui acolá ouve-se esses tipos de história. É difícil entender como um cidadão luta para vencer uma eleição, ou mesmo passa tantos anos estudando pra passar em concursos tão difíceis,  ganha uma boa remuneração, algumas vezes tem muitos privilégios, tem uma vida confortável e mesmo assim se vende. Por um outro lado, só posso lamentar por aqueles que são bem intencionados e quando não aceitam este tipo de “convite”, tem as vidas ameaçadas ou são perseguidas. E assim como tantos outros indignados, me pergunto: que país é esse? Se isso fosse uma prática rara , seria uma fraqueza que acontece também em homens com poder em países civilizados. Mas na proporção que ocorre em nosso país é endêmico, quase patológico.

Gostaria muito de viver para ver a maioria das pessoas deste país defendendo os valores da ética e da honestidade, gostaria muito de ver as pessoas agindo sempre pensando no outro, no futuro do país, nos seus próprios descendentes. Que país essas pessoas pretendem deixar para seus filhos e netos? Quantas e quantas pessoas perdem a oportunidade de deixar o seu nome na história deste país como aquele que contribuiu de alguma forma para melhorar algo? para melhorar a sua cidade, o seu Estado? Eu realmente espero pelo dia em que as pessoas vão começar a entender que só vai ser bom para todos, quando cada um fizer a sua parte, do contrário, seremos eternos reféns daqueles que se entregam facilmente a seus vícios por dinheiro e poder.

PS:  Esse texto foi escrito há poucos anos atrás, mas só agora decidi publicá-lo, porque nada mudou e tudo se agravou, numa proporção que confesso sentir minhas esperanças abaladas, e hoje tudo parece completamente surreal. O comportamento do governo e da sociedade têm sido de uma insanidade inacreditável, e agora me pego praticamente pinçando aqui e ali algumas almas que guardam uma coisa chamada princípios, e vou colocando-as no meu novo bauzinho de novas esperanças, para quem sabe um dia voltar a crer que a maré vai mudar, que as águas vão rolar e tudo isso vai passar, e apesar das epidemias de Covid e de ignorância que assolam o país, amanhã há de ser outro dia.

05/07/2020