O gosto eclético dos domingos

Lendo uma crônica de um grande compositor, me transportei para os finais de semana musicais na minha casa. Foi um período que atravessou a minha infância e se estendeu até o início da juventude. Eram muito comuns as sessões de música, primeiro com os LPs, depois com os CDs.

Em geral, quando a família não ia para alguma praia, a programação era musical. Meu pai adorava as novidades do momento e o que havia nas paradas de sucesso, mantendo-se antenado com os lançamentos. Era a época áurea da MPB e o início das carreiras dos roqueiros antológicos, incluindo as bandas. Nesse contexto despontavam artistas como Elton John, Rod Stewart, Steve Wonder, Peter Frampton e grupos como Queen, Kiss e Bee Gees.

Os lançamentos eram uma sensação. Costumávamos dizer que os ouvíamos até furar. Meu pai tinha um gosto eclético, então, volta e meia, dava seus pulos no passado e sacava um Nelson Gonçalves ou antigos LPs de Roberto Carlos. No meio desse passeio pela música brasileira, também pinçava um Benito di Paula, que não era lá muito do meu agrado particular, assim como seus admirados de outrora. Desconfio que a escolha desse repertório dependia de um certo estado de ânimo.

O fato é que com o tempo e o crescimento dos filhos, ele foi incorporando o nosso gosto musical e nossos LPs se tornavam seus. Não importava que fossem músicas da nova geração, pois ele gostava de tudo. Então, na maioria dos finais de semana, nos momentos de colocar o velho prato para girar, todos se integravam ao som que preenchia os espaços da nossa casa. Meu pai fazia questão de ter um equipamento de qualidade, porque ele tinha ouvido para música e gostava de ouvir cada instrumento e viver intensamente cada nota.

Isso se tornou tão parte de nós que assim como ele assimilava nossas preferências nessa área, de vez em quando nos pegávamos como simpatizantes de artistas fora de nossas predileções. Coisa do tipo ouvir o sambista Noite Ilustrada e achar bom. Absolutamente fora. Mas ele também nos ensinou a gostar de ícones como Milton Nascimento, Chico Buarque, Gilberto Gil, Caetano Veloso e outros mais que fizeram história na MPB.

Em um dos lugares que moramos, havia uma galeria onde abriu uma loja de discos. Foi um sonho para quem cultivava o hábito de colecionar LPs. Nessa fase, ele nos fazia ir lá várias vezes para saber se eles já estavam vendendo um determinado lançamento. Desses tempos, um álbum em particular me marcou, porque acredito que, quando meu pai ouvia as músicas dele, estas penetravam a sua alma. Este álbum foi Elvis Aloha from Hawaii. Quando as cenas desse show foram mostradas, no filme Elvis, estas só me remetiam ao meu pai, ouvindo-o em seus domingos de viagem musical. Sempre em alto e bom som, porque ele precisava mergulhar na potência daquela voz inigualável e carregada de emoção visceral. Se alguém duvida, é só assistir ao filme para entender.

Hoje, se cultivamos ou temos uma determinada inclinação para admirar uma série de artistas desse segmento, com certeza, tem a assinatura dele bem embaixo. E se temos nossas extensas coleções de LPs herdados desse passado ou CDs, DVDs e playlists é porque está gravado em nossas memórias e corações as velhas e ecléticas tardes de domingo. Como diria Roberto Carlos: "velhos tempos, belos dias".

02/09/2023