Saindo do corpo

 

 O ser humano é muito reflexivo e passa a maior parte de sua vida pensando sobre si mesmo. Não cheguei a conclusão em qual momento da vida a gente faz isso com  mais intensidade, desconfio que é entre a adolescência e a juventude, porque é exatamente quando mais se “entra em parafuso”, como costuma-se falar. Por isso lembro bem que nessa época vivia me fazendo mil perguntas sobre eu mesma e sobre a vida. E nesse ínterim, na tentativa de encontrar respostas, assim como grande parte da humanidade, saí em busca do meu autoconhecimento, e para isso comecei a participar de um grupo, junto com alguns colegas, onde recebíamos ensinamentos sobre uma filosofia de vida que de fato nos trazia muitas respostas e também nos proporcionava novas experiências, que para um jovem é algo entre o interessante e o desafiador, como por exemplo, sair do próprio corpo.

Não cheguei nesse ponto, afinal era necessário praticar regularmente e ter atingido um nível mais avançado, antes disso, deixei o grupo. Estava numa fase onde não passava muito tempo em algo, pois cabeça de jovem vê caminhos em toda direção que olha e geralmente quando chega em algum lugar, surge sempre uma esquina para dobrar e ele dobra. Manter-se num único caminho não é próprio dessa fase.

O fato é que passados alguns anos, sem que eu nem lembrasse das minhas tentativas de experiências além-corpo, termino por viver algo que de sã consciência é preciso ter muito preparo para conseguir. Era uma época em que eu trabalhava somente à tarde e estava sozinha em casa, numa manhã como outra qualquer. Acordei e levantei, mas como meu corpo pedia cama, em razão de uma gripe, voltei e me deitei, e por isso terminei mergulhando no sono dos convalescentes. Nessa hora, minha mente me levou a um sonho incomum onde eu parecia apenas um espírito, falava com as pessoas e elas não me ouviam, num determinado momento resolvia ligar para a minha família, mas quando ia pegar no telefone minha mão passava direto, o que me deixou muito assustada e me fez concluir que eu era mesmo um espectro. Lembro que logo após essa conclusão, vi do alto meu corpo deitado na cama. Nesse momento, o susto foi ainda maior, em frações de segundos, senti um medo pavoroso que me fez voltar imediatamente para o meu corpo. O impacto repentino desse retorno me fez estremecer e fez também com que meu coração disparasse, me acordando num grande sobressalto. Depois disso, tremia em função do susto.

Foi preciso um tempo até que eu compreendesse tudo o que havia acontecido, atualmente penso no quanto estava despreparada para aquele momento, que lá trás era um dos meus objetivos, mas que naquela ocasião soou como uma quase morte. A vida é mesmo surpreendente, para algumas pessoas é preciso viver certas experiências para ter a certeza de que elas existem. Eu sempre achei que essas experiências eram factíveis, porém havia começado a achar que eu estava muito distante disso. Hoje penso diferente, acredito que todos nós estamos suscetíveis e que deve existir alguma porta que se abre para isso, mas nem sempre sabemos quando será.

Quando conto esse episódio, as pessoas ficam pensativas. Não sei se duvidam ou se surpreendem, sempre existem os que acreditam que “há mais coisas entre o céu e a terra do que supõe a nossa vã filosofia” e existem os céticos. Particularmente agradeço aos céus por essa experiência, pois me trouxe a certeza da existência do algo mais, da energia que chamamos de espírito e que pode ou não estar atrelada ao nosso corpo material. Quanto aos outros, fica a cargo de cada um abrir ou não a sua mente para crer em experiências sensoriais, afinal parte de nós é o que acreditamos.


08/10/2021