Voar com a asa quebrada

Foto: Ray Harrington

Existe aquela fase da vida em que se diz estar na idade do "condor". Algo que soa até poético, não fosse a pronúncia não corresponder ao significado da vida real. Apesar do lado trágico, o trocadilho tem sua graça, quando partimos a palavra ao meio.

Estava pensando a respeito disso, após começar a aparecer para mim no Instagram, um perfil só de pessoas com 50 anos ou mais, fazendo coisas divertidas ou joviais. Tudo muito alegre com o objetivo de estimular à vida aqueles que cruzaram a linha imaginária da metade de uma existência centenária.

Embora seja verdade que podemos fazer muito nessa fase, é fato que, em geral, o nosso corpo tem muitas perdas. Se por um lado, hoje temos mais disposição mental, porque somos mais longevos que nossos antepassados, por outro lado, ainda sentimos o consumo dos dias até ali. Se ontem as dores eram ocasionais e em menos tempo era possível demovê-las, agora elas são mais frequentes e duram mais. O surgimento de novos problemas é mais comum e é mais fácil ter uma reação a um alimento inadequado ou à falta de exercícios. As emoções, tanto as positivas quanto as negativas, estão mais à flor da pele. E a lista de remédios só aumenta.

Costumamos dizer que existe a vida só de felicidade do Instagram. É um pouco disso, me parece, que é de onde advém todo esse entusiasmo. É como gostaríamos que acontecesse. Recortes que juntos parecem uma linha contínua de possibilidades. É tudo o que podemos ser e fazer, mas também é quase tudo o que não fazemos.

Então, é quando vejo o condor voando com a asa quebrada. Ele voa baixo, mas voa. A gente dança, corre, bebe, anda, ri. Tudo um pouco. Grava logo, enquanto dura o fôlego e publica um reels. Conseguimos. Pequenos objetivos é o que almejamos, e se eles se tornam grandes, é preciso fracioná-los sabiamente. Mas também é preciso objetivar, olhar adiante, esticar o braço e tentar alcançar para dar o próximo passo e chegar lá. Só assim a vida não acaba em sua suposta metade, mas começa de uma outra forma, se ajustando e se amoldando às dores físicas e da alma.


04/08/2023