Pequenos dilúvios

Foto: Chris Gallagher
Por todos os pequenos dilúvios a que temos assistido ultimamente, isso me fez lembrar que na cidade em que moro, assim como na maioria das capitais e cidades brasileiras, sempre que caem chuvas torrenciais é um Deus nos acuda. É claro que a maioria foi construída sem pensar no amanhã e a falta de saneamento ou a sua deficiência é o vilão desse desastre sazonal, mais precisamente anual no caso da minha cidade. Apelidei esse acontecimento de dilúvio anual, porque todos os anos, sempre caí uma “tromba d´água” que alaga a cidade criando um caos, digno do noticiário nacional e de nossos dramas particulares onde cada um precisa enfrentar seus próprios desastres para chegar ou retornar do trabalho ou das escolas, quando é possível ter escola. Não precisava ser dessa forma se os administradores das cidades fizessem seu dever de casa e cuidassem dos pontos vulneráveis, já tão extensamente conhecidos.

Porém, um dia num passado já bem longínquo, aproximadamente há 45 anos atrás, um dilúvio de verdade aconteceu na minha cidade, provocando o rompimento da barragem da adutora que abastecia a região traumatizou a população de uma forma tal que o subconsciente guardou essa informação bem guardada, a ponto de décadas depois, após uma forte chuva ter enchido o mesmo reservatório e o governo ter decidido fazer uma liberação controlada para baixar o nível da água, avisando a população. Mesmo assim as pessoas entraram em pânico por acreditarem que a barragem havia novamente estourado. Se todos os anos vivíamos um dia de agonia por causa de alguma chuva torrencial, esse dia foi mais uma dessas ocasiões, não por causa de uma chuva, mas pelo pânico causado pelo aumento dos níveis dos canais provocando alguns transbordamentos. Nesse dia o desespero da população fez todos saírem das escolas e de seus trabalhos mais cedo, as paradas de ônibus ficaram lotadas e o trânsito agitado. Simplesmente uma situação baseada em uma enchente ocorrida tantos anos antes havia ficado no subconsciente das pessoas, provocando um cenário de pânico sem razão.

Mas o clima está mudando e o que era para ser um dia de dilúvio agora já não sabemos mais, porque o comportamento da natureza anda cada dia mais extremo e, às vezes, temos mais de um dia de “dilúvio” no ano. Se não estávamos preparados para uma ocorrência, imagine mais do que isso. Vivo me perguntando o porquê de todos os anos termos que passar por esses transtornos, parece que se forem resolvidos definitivamente faltará notícia nos jornais no inverno e os políticos não poderão prometer eternamente resolver, o que no fundo, não querem solucionar.

Assim como tantos outros problemas que temos, sabe-se a causa e como resolver, mas fica para o próximo ano ou para o próximo governo, quem sabe um dia aparece alguém com seriedade suficiente para encarar e dirimir essas questões, alguém que assuma os eternos problemas que são oportunamente escanteados. O que mais entristece é saber, que muitas vezes, as cidades tem potenciais incríveis e constituem uma oportunidade aos que estão governando de fazer história, de mudar verdadeiramente, de escrever seu nome positivamente no subconsciente das pessoas, para que elas não fiquem desenterrando desesperadamente tragédias de um passado que pouco ensinou e ensina, porque mesmo o sofrimento se repetindo ano a ano as pessoas ainda não são capazes de reivindicar uma qualidade de vida mínima que elas merecem e o respeito ao voto dado, fazendo infelizmente com que suas esperanças sejam levadas pelas águas que todos os anos inundam as cidades. 

 09/01/2022