No momento em que estamos vivenciando, durante essa pandemia, a realidade de milhares de vidas sendo perdidas todos os dias e quase sempre de pessoas que nos rodeiam, é claro que não dá para não desconfiar que a morte ronda a nossa porta, é possível que num descuido, ela adentre a nossa casa e nada possamos fazer, e mesmo assim agimos como se não existisse uma grande possibilidade de sermos o próximo ou próxima negando a sua presença e não reconhecendo o significado exato das milhares de vidas que já se foram no nosso próprio território. É uma negação que de certa forma está ligada àquele pensamento de que “só acontece com o outro”, porque não queremos que seja conosco, não está acontecendo. Esta pode ser até uma visão simplista da coisa, mas é o que tenho observado pelo comportamento dos que se acostumam, não mais se chocam com a quantidade de famílias atingidas e cada dia que passa menos se importam com o outro, querendo apenas ter a vida que tinham antes de volta.
Às vezes penso que estamos reacendendo o comportamento primitivo dos povos da idade média, onde era natural matar milhares de pessoas, seja para tomar o seus territórios ou porque elas praticavam uma religião diferente da do seu inquisidor. A vida do outro não valia muito, apenas a sua própria, principalmente quando essa pessoa tinha um pouco de poder, ela sempre se achava dona da vida daqueles que eram considerados inferiores. Hoje se colocarmos uma lupa sobre o comportamento contemporâneo dos que pouco se importam com ou outros e acham que usar uma máscara, por exemplo, é uma “idiotice”, podemos ver o DNA dos nossos ancestrais em suas atitudes.
Quando
falo de não aceitar a morte, não me refiro a ter medo dela, mas sim
de respeitá-la e
não banalizá-la quando ela atinge o outro, porque quando é no
nosso teto tendemos verdadeiramente a não aceitá-la e até tememos
quando ela de fato parece próxima e real, o que é uma contradição
nesse momento, um verdadeiro paradoxo
social, porque se não queremos para nós não devemos expô-la aos
outros. Mas como ainda existem muitas pessoas boas no mundo tenho
visto uma grande luta no sentido de tentar proteger vidas.
Ainda bem que o pensamento egocêntrico não é uma
unanimidade, embora hoje seja quase tão endêmico e letal quanto a
epidemia, considerando o contexto do país. Ainda assim essas pessoas
que fazem o trabalho de formiguinhas podemos dizer que são a
esperança, são aqueles que permanecem com a lanterna na mão
iluminando o caminho dos que ainda insistem em viver na escuridão ou
daqueles que precisam de luz, por não ter o
direito a ela. É uma resistência que nos faz ver além do que está
colocado e faz jus a nossa melhor
porção, que não será destruída por um momento de trevas que
atravessamos. Tenho fé nessas pessoas, elas entendem o sentido
verdadeiro da morte e a respeitam, respeitando a própria vida.
04/10/2020