O difícil entendimento da morte


Há muitos anos atrás, quando era uma estudante do 1 grau, a professora de Português nos deu a tarefa de ler o livro a “Desintegração da Morte” de Orígenes Lessa para fazer sua interpretação, confesso que na ocasião não gostei muito do conteúdo, embora tenha entendido a importância da mensagem que ele carrega. Como a maioria das pessoas, não gostei do fato de abordar um assunto que não gostamos de encarar, mas no final, mesmo com esse sentimento negativo, foi uma leitura que marcou muito e cedo me conscientizou da necessidade da morte irremediável e ao mesmo tempo imprescindível.

No momento em que estamos vivenciando, durante essa pandemia, a realidade de milhares de vidas sendo perdidas todos os dias e quase sempre de pessoas que nos rodeiam, é claro que não dá para não desconfiar que a morte ronda a nossa porta, é possível que num descuido, ela adentre a nossa casa e nada possamos fazer, e mesmo assim agimos como se não existisse uma grande possibilidade de sermos o próximo ou próxima negando a sua presença e não reconhecendo o significado exato das milhares de vidas que já se foram no nosso próprio território. É uma negação que de certa forma está ligada àquele pensamento de que “só acontece com o outro”, porque não queremos que seja conosco, não está acontecendo. Esta pode ser até uma visão simplista da coisa, mas é o que tenho observado pelo comportamento dos que se acostumam, não mais se chocam com a quantidade de famílias atingidas e cada dia que passa menos se importam com o outro, querendo apenas ter a vida que tinham antes de volta.

Às vezes penso que estamos reacendendo o comportamento primitivo dos povos da idade média, onde era natural matar milhares de pessoas, seja para tomar o seus territórios ou porque elas praticavam uma religião diferente da do seu inquisidor. A vida do outro não valia muito, apenas a sua própria, principalmente quando essa pessoa tinha um pouco de poder, ela sempre se achava dona da vida daqueles que eram considerados inferiores. Hoje se colocarmos uma lupa sobre o comportamento contemporâneo dos que pouco se importam com ou outros e acham que usar uma máscara, por exemplo, é uma “idiotice”, podemos ver o DNA dos nossos ancestrais em suas atitudes.

Quando falo de não aceitar a morte, não me refiro a ter medo dela, mas sim de respeitá-la e não banalizá-la quando ela atinge o outro, porque quando é no nosso teto tendemos verdadeiramente a não aceitá-la e até tememos quando ela de fato parece próxima e real, o que é uma contradição nesse momento, um verdadeiro paradoxo social, porque se não queremos para nós não devemos expô-la aos outros. Mas como ainda existem muitas pessoas boas no mundo tenho visto uma grande luta no sentido de tentar proteger vidas. Ainda bem que o pensamento egocêntrico não é uma unanimidade, embora hoje seja quase tão endêmico e letal quanto a epidemia, considerando o contexto do país. Ainda assim essas pessoas que fazem o trabalho de formiguinhas podemos dizer que são a esperança, são aqueles que permanecem com a lanterna na mão iluminando o caminho dos que ainda insistem em viver na escuridão ou daqueles que precisam de luz, por não ter o direito a ela. É uma resistência que nos faz ver além do que está colocado e faz jus a nossa melhor porção, que não será destruída por um momento de trevas que atravessamos. Tenho fé nessas pessoas, elas entendem o sentido verdadeiro da morte e a respeitam, respeitando a própria vida.

04/10/2020