As agruras de uma viagem

Foto: Romain (@visionbrute)

Gosto muito de viajar, tento fazer isso sempre, quando das férias da família. Normalmente a “festa” começa meses antes com a preparação de um roteiro detalhado, a fim de maximizar a diversão, aproveitando de forma eficiente o tempo que temos a nossa disposição, que em geral é curto, considerando que fazemos questão de conhecer a maior quantidade de lugares possíveis dentro do destino escolhido.

Na maioria das vezes temos a sorte de conseguir fazer praticamente tudo o que programamos, são raros os contratempos ou incidentes em nossas viagens. E como temos a consciência de que eles podem acontecer, procuramos ter em mente que não devemos deixar que algo que deu errado possa estragar a viagem, já que na maior do tempo parte nos divertimos e as coisas costumam fluir como esperado. Porém, houve uma ocasião em que, por uma estranha conjunção planetária, digo isso por falta de uma explicação melhor, há alguns anos atrás fizemos uma a qual consideramos totalmente inusitada, dado a quantidade de incidentes que se sucederam, como nunca havia ocorrido antes.

Começou com a quebra de uma peça da nossa máquina fotográfica profissional logo no primeiro dia, o que deixou meu filho que a operava, inicialmente chateado. Seguindo nossas convicções resolvemos tentar não nos afetar por esse acontecimento, mas logo na sequência a sandália que eu havia comprado para usar na maioria dos passeios, se descolou. Até aí tudo bem, mas eis que alugamos um carro que foi entregue com defeito na fechadura e quando reclamamos a Locadora nos culpou de forma grosseira e é claro, ficamos aborrecidos com o tratamento recebido. Para evitar quebrar o clima com esse percalço arrumamos uma maneira de contornar o problema e mais uma vez seguimos em frente, não sem antes descobrir que no hotel em que estávamos nunca tinha vaga na garagem quando retornávamos dos passeios, o que passou a ser um desafio diário encontrar um lugar para deixar o carro sem sermos multados.

Resolvemos então continuar nosso roteiro e fomos conhecer um belo local e a primeira descoberta ao pegar a estrada foi: o carro não podia passar dos 80 km/h que se estremecia todo. Tivemos que atravessar um trecho de estrada esburacada e coberta por areia vulcânica e o carro parecia uma bateria de escola de samba com tantos sons de peças batendo. Mas a coisa não parou por aí, então quando chegamos na pousada, um pneu murchou. Havia furado na volta do passeio, e quando fomos trocar no dia seguinte, o macaco não sustentou o carro que pendeu para um lado, chegando a encostar na coluna de madeira que apoiava a coberta da garagem, quase causando um grande acidente. Como se não bastasse, quando estávamos na borracharia para recuperar o pneu furado e olhei atentamente para o para-brisa, percebi que surgira uma pequena rachadura decorrente de uma pedra que provavelmente havia nos acertado no último passeio, agora era rezar para não sermos cobrados por mais essa. Ainda bem que não fomos.

Outro problema que tivemos ocorreu porque a cidade em que passamos a maior parte dos dias nunca fazia calor e por isso o hotel não tinha ar-condicionado, mas por um acaso da natureza o tempo esquentou e começamos a ter dificuldade para dormir, até que não nos restou outra opção a não ser comprar um ventilador, coisa rara naquele lugar e difícil de conseguir por um preço que não representasse um grande prejuízo para nós. Isso foi realmente inusitado.

Mas para fechar com chave de ouro, quando fomos fazer o último passeio, o qual seria para uma região distante, na metade do caminho descobrimos que a estrada era longa, deserta e parcialmente coberta por areia vulcânica e buracos. Estando com um veículo em estado duvidoso, o receio tomou conta. Mas, baseados na nossa política de resiliência, resolvemos seguir em frente. Mesmo tendo conseguido chegar em paz, nossos corações iam basicamente na mão, e depois de uma longa jornada e já cansados, empoeirados, com frio e loucos por um banho quente, descobrimos que a pousada tinha problemas com os chuveiros e, à noite, a água praticamente não aquecia, nos obrigando a relevar um banho frio. Mas o dia seguinte ainda nos reservaria novas surpresas. Saímos empolgados para conhecer um belo parque com incríveis paisagens, no entanto, ao chegarmos na entrada fomos surpreendidos com uma maratona anual que estava acontecendo no local, nos custando horas de engarrafamento, só para entrar. O resultado: tivemos que mudar nossos planos, porque não havia mais tempo hábil para a trilha que faríamos e parte da área estava fechada em decorrência de um incêndio recente. O plano “B” então foi começar o nosso retorno por uma estrada dentro do parque que nos proporcionaria algumas belas fotos, como consolo de um longo passeio praticamente frustrado onde tivemos mais desafios que diversão. E ao fim, sair daquele emaranhado de coincidências nada agradáveis passou a ser o nosso objetivo. Ainda hoje me pergunto o porquê de tantas agruras numa só viagem, talvez nunca descubra, mas desconfio. Só sei que todos os dias lembrávamos de uma piada de Chico Anísio onde ele dizia, após enfrentar inúmeras situações complicadas com um carro velho numa estrada: “tá certo que a gente viesse, mas precisava trazer o carro?”.

E para dar adeus aos estranhos contratempos e nos despedirmos, resolvemos ir a um restaurante que havíamos gostado muito e, além disso, podíamos pagar com cartão, já que era nosso último dia do roteiro e o dinheiro estava no limite. Porém, ao pedirmos la cuenta, enorme foi a nossa surpresa ao sermos informados pela garçonete, sem a menor cerimônia, de que naquele dia não estavam aceitando cartão, apesar das placas informando o contrário. Quase não acreditamos, tivemos que “raspar o tacho” até os nossos últimos centavos para evitarmos cair nessa última cilada, parece que essa viagem não estava mesmo escrita nas estrelas.

A má sorte com o automóvel alugado acabou quando o entregamos e o vistoriador não se apercebeu dos problemas do carro. Todo o estresse valeu uma reclamação à empresa que havíamos feito o contrato de locação, que ao final nos deu um bônus para uso posterior, recompensa bastante útil na viagem seguinte. Ficamos imaginando que a franquia a qual se portou de maneira vergonhosa deve ter recebido um bom puxão de orelha do franqueador. E como costuma-se dizer “há males que vêm para o bem”. É certo que o mal foi maior, e apesar de termos até cancelado alguns passeios por causa do malfadado veículo, por um outro lado, ele nos levou a vários lugares onde conseguimos fazer registros de paisagens de tirar o fôlego e não nos deixou totalmente na mão. A lição maior foi que é sempre bom lembrarmos quando formos lidar com nossos hermanos argentinos, que precisamos ter as mesmas precauções que temos com los hermanos brasileños, porque afinal somos hermanos até nos nossos defeitos.

09/05/2022