Sonhando com a minha cidade

 

Uma vez alguém me indicou um curta metragem intitulado “Recife frio”. Assisti e foi uma verdadeira viagem através da imaginação, mergulhei totalmente na vibe do diretor e fui em frente. Pois, se a cidade fica situada em uma região onde as temperaturas praticamente o ano inteiro variam ente 25 e 30 graus, imagine se essa temperatura caísse bruscamente a ponto de gelar os rios. Essa foi a realidade fictícia trazida pelo filme e todas as consequências atreladas a esse fenômeno. Fiquei entusiasmada de poder ver de forma tão realista uma situação tão surreal, mas palpável através da imaginação. Seria algo como materializar algo que você já havia idealizado ou pensado, “e se fosse assim?”

Então outro dia me peguei numa dessas fantasias do “E se...”. Comecei a sonhar com o Recife como se fosse uma grande metrópole desenvolvida, não me parecia nada distante, pois vejo que o abismo das diferenças sociais é criado e mantido pelo homem que hoje habita esse chão. Fechei os olhos e vi uma bela cidade limpa, com os seus rios de águas claras, as ruas com calçadas, jardins e praças bem cuidados, com um transporte decente para o seu povo, que diariamente é esmagado em viagens perversas. Vi os bairros mais humildes com dignidade, pessoas em suas casas pintadas, as ruas arrumadas, cada um com suas escolas, parques, espaços para as crianças. Vi um lugar onde as pessoas poderiam andar sem se preocupar com a segurança, aproveitando o talento natural da cidade para a beleza, afinal, não é à toa que Recife é conhecida como a Veneza Brasileira. Ah! como seria fantástico se tivessem metade do cuidado que a verdadeira Veneza tem com sua história e com seus recantos. Com seu clima ensolarado quase o ano todo, se encheria de turistas ávidos por desfrutar de suas belezas naturais e de suas praias. Seria uma cidade e tanto para se morar e para passear. É possível que alguns moradores até pensem que moram em um lugar assim, afinal um dos traços de seu povo é a megalomania, que os faz achar que tudo na cidade é maior, e nesse pensamento, o que pode ser melhor? Quem irá buscar o melhor?

Depois resolvi ir um pouco mais longe e ainda com os olhos da imaginação vi Olinda, sua cidade irmã, também sufocada pela ganância política e cheia de talento para a beleza. Vi uma cidade bem cuidada, limpa e segura, com muitas áreas verdes, praças, com inúmeras vias de acesso permitindo o trânsito fluir sem causar os transtornos diários que vivem os seus habitantes. Vi uma beira-mar sem tantos prédios, permitindo que a brisa do mar cheque a quem não mora há poucos metros do oceano. Esse que torneia e embeleza uma cidade tão cheia de atributos naturais, também maltratados pelos homens que habitam esse pedaço de terra. Difícil pensar que outrora inspirou seus descobridores e lhes causou profunda admiração e desejo de tê-la para si, como um troféu por seu espírito desbravador, que os fez atravessar o oceano e aportar em suas águas.

Mas, abro os olhos e vejo que assisto ao meu próprio curta-metragem que me fez mergulhar numa realidade fictícia, embora mais palpável que aquela do filme sobre o Recife. Seria algo tecnicamente possível de se realizar, mas impossível pela cultura hoje instaurada no submundo dos interesses políticos, sempre acima dos sociais, que nos encurrala num paradoxo humanista. Quando a gente sai desse mundo aqui criado e, vê até mesmo em nosso país, cidades com menos belezas naturais e menos potencial, mas desenvolvidas, vemos que não é impossível realizar quando se quer verdadeiramente. Mas isso se um dia fosse vislumbrado, seria um longo processo que teria que nascer de sua gente, que ainda não acordou para a sua realidade. Um despertar que se ocorresse, mesmo que tardio, seria um renascer para cumprir uma vocação natural e inexorável.

06/06/2021