Amores Platônicos

Foto: Filipe Almeida

James era um solteirão aparentemente convicto que vivia se apaixonando e desapaixonando ao sabor dos ventos. E em meio a uma dessas ondas, ele chegara mais uma vez ao trabalho ansioso por encontrar aquela que seria o motivo dos seus devaneios atuais, uma bela jovem que por estar comprometida, não o olhava de outra forma, a não ser como um bom colega de trabalho, amigo, gentil, mas não mais do que isso. Naquele dia, como em todos os outros, ele procurava encontrar uma maneira de ajudá-la em qualquer coisa que fosse apenas para estar perto dela e assim nutrir seus sentimentos ocultos. Era quase hora do almoço, quando ele aproveitou que estava na sala da sua amada e decidiu convidá-la para almoçarem juntos, convite que ela prontamente aceitou, pois apreciava a boa companhia do colega. Enquanto almoçavam, ela comentou que estaria sem carro para retornar do trabalho, pois o mesmo estava na revisão. James, impulsionado pelos seus sentimentos, prontamente se ofereceu para deixá-la em casa após o expediente. Apesar de ficar um pouco constrangida com aquela gentileza, decidiu aceitar a carona, e ao encerrar o expediente, conforme combinado, ele a levou em casa e despediu-se feliz pela sua empreitada.

No dia seguinte ao chegar ao escritório, procurou seu melhor amigo e contou-lhe sobre o seu dia anterior com a amada, sempre querendo parecer em suas narrativas um simples colega de trabalho. Mas como o amigo já conhecia bem as “paixonites” do outro, ao terminar de ouvir toda aquela história, um tanto quanto familiar, já foi dando seu diagnóstico. Uma constatação que fez James esboçar seu velho sorriso de disfarce, para primeiro negar sem nenhuma convicção as teorias do amigo e em seguida confessar seus sentimentos, afinal estava mais uma vez apaixonado.

E o tempo foi passando, e cada oportunidade de agradar sua amada era aproveitada. Ela já estava começando a desconfiar daquelas inúmeras gentilezas, como presente no dia do seu aniversário, favores, etc. Mas ele nunca ultrapassava os limites ou dava alguma direta ou mesmo indireta, discrição era o seu lema. Seu amigo conhecendo-o bem, sempre o alertava, pois aquele “cão” tinha dono, embora desconfiasse que se tratava de mais uma das paixões platônicas do amigo.

Por ironia do destino, algum tempo depois, eis que a pretendida de James estava livre e desimpedida, criando uma oportunidade de aproximação. No entanto, neste momento, diante da possibilidade real de ficar com aquela que povoava os seus sonhos todos os dias, ele começa a examinar todos aspectos possíveis e imaginários, ligados a uma potencial união entre os dois. Afinal, era da sua personalidade estudar meticulosamente e calcular cada passo dado na sua vida, sendo esta apenas mais uma situação a ser estudada.

Lúcia, aquela por quem suspirava, como estava vulnerável após uma recente separação e encontrava no amigo uma atenção especial, começou a pensar também na possibilidade de se aproximar dele. E a coisa começou a parecer real. O amigo de James percebendo então que havia um cenário favorável para o nascimento de uma relacionamento concreto, começou a questioná-lo sobre o futuro desta relação. Porém o suposto apaixonado se utilizando de sua capacidade de racionalidade diante das situações da vida, começava a expor para o amigo possíveis motivos para não ficar com Lúcia, a começar pela diferença de idade, que segundo seus cálculos, em 10 anos ele seria quase um velho e ela estaria na flor da idade, bonita e cheia de vida, criando um risco futuro. O amigo simplesmente não acreditava no que ouvia, mas de certa forma compreendia. Afinal de contas, amores platônicos não se concretizam.

E como o rio sempre corre para o mar, Lúcia começa a dar suas primeiras investidas e James suas primeiras recuadas. Até que ela começa a estranhar a atitude do colega e a achar que tudo não passava de imaginação da sua cabeça e que na verdade havia apenas um sentimento de amizade por trás de toda aquela gentileza. Porém, num momento de coragem e decidida a enfrentar o tudo ou nada, ela decide perguntar objetivamente se ele tem algum interesse por ela, ou se tudo não passou de um engano, fruto de um coração, por um lado partido, mas por outro confortado por tantas atenções. Neste momento, surpreendido, aturdido e ao mesmo tempo desencorajado, ele apenas disfarça, como se tudo aquilo não passasse, de fato, de um engano. Em seguida, lamenta por ela ter pensado diferente e faz um belo e esfarrapado discurso sobre a sua dedicada amizade, negando aquela oportunidade a si mesmo, porque na sua complexa e meticulosa cabeça, só era bom enquanto não era real.

20/11/2022