A rua da minha infância

De certo que muitas e muitas pessoas têm uma rua da sua infância para lembrar, existe até um livro intitulado “Uma rua como aquela” que é uma síntese de todas as boas lembranças das ruas onde viveram pessoas da minha geração ou de antes dela. Li esse livro na minha adolescência e também vi em alguns trechos retratos da minha própria rua e agora guardo para sempre a recordação da recordação, ou seja, aquela leitura transformou-se também numa lembrança que me fez recordar os momentos divertidos da aurora da minha vida, como no famoso poema “Meus oito anos” de Cassimiro de Abreu.

Hoje posso dizer que sou privilegiada por ter vivido uma infância livre, por ter podido passar muitas horas do dia brincando na rua com minhas colegas, andando de bicicleta, curtindo todas as brincadeiras da época que podiam ser brincadas numa rua sem calçamento, como: academia(a famosa amarelinha), garrafão, queimado, além de pega e esconde-esconde. E ainda achava pouco e queria ficar na rua à noite, que normalmente era proibido, já que passávamos o dia na maloqueragem, como dizia a minha mãe. De vez em quando, ela dava uma chance e podíamos esticar a brincadeira na casa de alguma colega, era uma alegria só. Quando não era permitido e a gente queria sair de qualquer jeito e saia sorrateiramente, a surra era certa. Naquele tempo a gente levava umas sovas de quando em vez, e ninguém se traumatizava.

Assim como no livro, lembro que na minha rua também tinha um sovina, que toda a meninada tinha raiva dele. Quando a gente brincava de queimado e a bola caía na casa dele, eu tinha que apelar pra minha mãe pedir, senão ele não devolvia. Há alguns anos, lembrei esse fato a ela e perguntei se o nome do vizinho sovina era o que eu lembrava, e ela me confirmou que não era imaginação minha, só que garantiu também que ele não era avarento, a gente era que aperreava ele. Na minha rua tinha um morador que possuía o maior carro da época, um Veraneio amarelo queimado metálico, tão grande que nem cabia na garagem e por isso ficava na rua. Também tinha um outro que era médico e dono da casa e do carro mais bonito. É claro que hoje isso não diz nada, mas naquela época era uma sensação, essas coisas eram referências. Tinha a menina mais bonita, e tinha a vizinha que era “a doida”, havia também “a esquisita”, que morava no final da rua. E é claro que perto tinha uma igreja que todos frequentavam e era o point. Nessa Igreja, íamos a todos os batizados e missas de sétimo dia, sendo de conhecidos ou não. Lá todos faziam a 1ª Comunhão e participavam das procissões, como tinha que ser.

Os meninos jogavam futebol no meio da rua, onde faziam um risco e colocavam as barras, meu irmão se juntava com a turma dele e chegava em casa no final da tarde todo sujo de tanto jogar na areia, de vez em quando rolava umas arengas feias, lembro que chamava minha mãe para ela interceder, mas ela sempre dizia: “deixe, que eles se entendem”. Já a minha irmã, na fase adolescente anti criança, era amiga das meninas que moravam no final da rua e já sendo adultas, se comparadas com a gente, nos olhavam pelo “rabo de olho”, afinal éramos todos potenciais dedos-duros dos irmãos na fase de juventude, ou “fuxiqueiros”, como se costuma dizer, além de sermos um estorvo quando tinham que nos levar a algum lugar ou tomar conta da gente.

Como só existiam casas, havia também muitas árvores, principalmente pés de jambo, muito comuns no meu bairro. Essas árvores volta e meia eram motivo de discórdia, pois a criançada adorava colher os jambos alheios e vez por outra alguém levava um carreira do dono.

E assim era a minha rua, igual a muitas outras, mas deixou lembranças únicas para cada criança que ali viveu e curtiu a sua infância, tão livre e tão saudável. Se hoje tenho algum lamento é o das crianças de hoje não terem a oportunidade que tivemos de viver esses doces e divertidos momentos.

13/09/2020