A morte de uma delicatessen

Foto: petr-sevcovic

Ela nasceu com cinco estrelas, toda de vidro, com diversos espaços atrativos, até mesmo um pequeno e aconchegante bar em um piso superior equipado com uma adega comandada por um especialista. Maitre fardado, espaço gourmet, queijos especiais, comida pronta congelada, bolos, salgados, biscoitos importados, cafeteria, self-service de almoço e jantar, forno à lenha para pizza preparada na hora e dezenas de funcionários para fazer essa grande máquina funcionar. Lá, nos primeiros meses de vida, a delícia era fazer um happy hour na adega. Podíamos até variar, passeando por outras bebidas, porque havia também. Assim como havia uma agradável música ambiente e comidinhas para fazer felizes os que esticavam a noite naquele recanto.

Um dia, marcamos com um casal de amigos que, conhecedores da fama daquela que já chegou “chegando”, logo se empolgaram com o convite. Aquela foi uma noite regada a vinhos, fazendo jus a um espaço acessado por um elevador panorâmico que já dava as boas-vindas ao cliente. Ainda bem que aproveitamos a sua breve vida. Mas se queríamos tomar um cafezinho com um salgado numa tarde de sábado, era lá que matávamos o nosso desejo. Assim como quando queríamos apenas comer uma saborosa pizza, era só andar dois quarteirões e lá estava um lugar com lindas mesas com cadeiras amarelas, e uma garçonete toda tatuada e risonha que se divertia com as brincadeiras do meu marido.

Em um natal, os donos colocaram um grande boneco de papai Noel que ficava dançando e tocando uma mesma música do tema. Quem se sentava perto, rapidamente se cansava daquela repetição sem fim. Quando isso ocorria conosco, chamávamos a risonha garçonete e entre piadas e apelos, perguntávamos se dava para desligar o enjoado dublê de caixa de música natalina. Como já estava familiarizada conosco, para o seu próprio alívio, desligava o famigerado, justificando aos colegas que fazia aquilo a pedido de um cliente.

Então, quando já havíamos incorporado a existência daquela delicatessen às nossas vidas, estranhamente começamos a perceber a redução de mercadorias e funcionários em uma velocidade impensável. O primeiro serviço encerrado foi do andar superior. Logo começaram a esvaziar as prateleiras, em seguida, os itens de lanche. O espaço para jantar cessou as atividades e logo depois, o self-service. Os clientes desapareceram, porque já não havia motivação para frequentar o local. Nos últimos suspiros o que ainda conseguia oferecer era vinhos e outras bebidas a bons preços, alguns salgadinhos em potes e os biscoitos importados. Era o fundo do poço de um negócio que começou transbordando sucesso com um grande e fiel público.

A explicação: divórcio não consensual dos donos. Um casal que jogou todas as suas diferenças no negócio e o arruinou como parte de um rompimento litigioso. Eles não dividiram. E a intenção da parte responsável pela administração da delicatessen era sangrá-la até a morte a fim de atingir o outro lado. Um enredo típico de uma novela mexicana. E nós, onde estávamos nessa história? Em lugar nenhum. Ou, para ser mais exata, assistindo a tudo como meros espectadores até que a plateia esvaziasse.


04/05/2023