Apagando a história

 

Desde os tempos de escola sempre gostei de História, era uma das matérias em que tirava excelentes notas, estudava por prazer e fazia questão de aprender o conteúdo. Embora não tendo seguido nenhuma carreira relacionada a essa matéria, nunca deixei de me interessar pelos seus encantos, afinal, como aprendi com uma das minhas professoras dessa disciplina: registrar o passado através dos tempos é necessário para que não repitamos os mesmos erros outrora cometidos.


Nas minhas andanças mundo afora tenho visto o quanto os outros países se preocupam em preservar seu passado histórico, e é impressionante o quanto eles disponibilizam informações para os seus habitantes sobre a importância dessa preservação, pois além de manter viva a identidade do país, muitas vezes seus pontos de preservação tornam-se fontes de turismo e consequentemente, de renda, beneficiando uma parcela significativa de sua população.

Mas, infelizmente até nesse ponto temos muito a lamentar no nosso país. Uma nação que deixa que se incendeie o seu maior e mais importante museu, vítima de uma morte anunciada, é porque tem fortes sintomas de descaso, falta de educação, de consciência e inúmeras outras fraquezas. Tudo isso expondo a fragilidade da sua identidade, que se perde um pouco mais a cada dia. Pessoalmente me deparei com o “apagamento” de duas cenas do nosso passado na minha região, uma em um museu na cidade de Piranhas no Estado de Alagoas e outra no museu do Pe Cícero na Cidade de Juazeiro do Norte, no Ceará.

Em Piranhas quando levei meu filho para conhecer o Museu do cangaço naquela região, fomos surpreendidos com o sumiço dos artefatos utilizados por Lampião, visto que os atuais administradores do museu tinham ligação com a família dos policiais que mataram Lampião e o seu bando e acharam por bem apenas mostrar o lado deles, apagando o outro lado dos fatos, como lhes convinha. No museu do Padre Cícero fui surpreendida com o sumiço da foto do Padre com Lampião, o qual tinha fortes ligações com o vigário, e se sabe que foi o religioso que deu ao cangaceiro a patente de capitão. Ao indagarmos sobre a foto tivemos a segunda surpresa ao sermos informados por uma beata, que trabalhava no museu, de que o Padre nunca esteve com Lampião, quando na verdade registros contam em detalhes a ligação dos dois. Nota-se claramente nos dois casos o interesse em apagar o que não se tem interesse de que as pessoas conheçam, diferente de outros países onde fazem questão de contar os fatos passados, por pior que sejam, exatamente para evitar que seus males de alguma forma possam retornar.

E se as pessoas acham que isso acontece porque trata-se de uma região de poucos recursos e escassez de educação, o que dizer então da narrativa sobre o “descobrimento do Brasil” do país que foi forjada no passado e hoje serve para confundir uma população que sequer conhece a verdade sobre suas origens? E como se não bastasse, quando estive na cidade de Ouro Preto-MG, berço dos inconfidentes e guardiã desse belo registro de lutas pela nossa independência, fui mais uma vez tomada de surpresa pelas afirmações advindas de estudos que questionam a veracidade sobre as ações desses heróis, e deixa a dúvida a respeito da morte de Tiradentes, nosso maior rtir. Mas, nada disso se compara a negação da existência da ditadura, um acontecimento tão recente que ainda existem vítimas e familiares vivos para comprovar seus fatos. Dos apagamentos da nossa história, esse com certeza é o mais chocante e descabido, desafiando a nossa capacidade de permitirmos sermos “lobotomizados” em praça pública. Isso fatalmente nos leva a retornar aos nossos erros recentes avultados pela passividade histórica da nossa população, acostumada a esquecer rapidamente seu passado, mesmo que recente.

Iremos precisar de muita persistência, luta e coragem dos que enxergam o verdadeiro valor da preservação da nossa memória a fim de que possamos vislumbrar um futuro melhor para todos, com a construção de uma identidade como nação e de uma consciência de cidadania, passando pela auto-estima de um povo que permite não somente a subtração daquilo que lhe é devido, como também da sua própria história.

11/07/2021