O poder de adotar uma mãe

Foto: Patrícia Prudente

Em meio a uma sessão de Pilates, de repente, escutei de um aluno o relato de que havia colocado o nome da tia na sua certidão de nascimento. Como assim? Aquilo me soou um tanto fora do comum, porque simplesmente não sabia nem imaginava que isso seria possível. Fiquei confusa e não consegui processar a informação.

Provavelmente, o mesmo sentimento invadiu a professora que, externando surpresa e tomada pela incompreensão diante do que acabara de ouvir, pediu que ele se explicasse. Ante a revelação inusitada, nos dispusemos a ouvir sobre uma relação de amor maternal entre um sobrinho e uma tia.

O novo filho, segundo as leis, contou que, desde muito pequeno, a tia havia ajudado a criá-lo, quando a mãe precisava se ausentar para trabalhar. Com isso, nasceu uma conexão de mãe e filho que, na adolescência, lhe levou a ir morar na casa da tia. Fez questão de deixar clara a existência de uma boa relação com a mãe, mas que, quando ela se casou pela segunda vez, ele escolheu ficar com aquela que também aquecia o seu coração de filho.

Até aí poderia ser uma história como outras tantas, caso esse rapaz, recém adentrado na maioridade, não tivesse solicitado a inclusão do nome da tia como uma segunda mãe e a adição do sobrenome dela ao seu nome. Diante de nossa admiração, ele justificou, de forma natural, que seria um reconhecimento pela posição que ela sempre ocupara e que, se a lei permitia, seria justo.

É preciso admitir que a atitude do jovem rapaz, embora natural aos seus olhos, certamente, é algo incomum. Após o ocorrido, não pude evitar de refletir a respeito. Fiquei a me perguntar que amor tão grande faz alguém tão jovem ter a atitude de registrar o seu reconhecimento de uma outra maternidade, quando a sua mãe verdadeira também o criou e está viva. Além disso, quis entender como foi possível fazer algo desse gênero, sem um processo judicial e, em que momento, esse direito tinha sido dado aos filhos.

Descobri que a possibilidade de uma multiparentalidade foi o resultado de uma decisão do Supremo Tribunal Federal, que autoriza o reconhecimento de no máximo duas mães ou dois pais. É claro que é preciso obedecer a uma série de requisitos como comprovar a relação de afetividade e a aceitação das partes envolvidas, incluindo os pais biológicos.

Se ponderarmos um pouco a respeito, podemos enxergar que a decisão resolve uma questão humana. E, sob esse aspecto, é fácil imaginar que seu uso mais frequente seria nos casos em que a família é reconfigurada. Neste caso, o padrasto ou madrasta desenvolve uma afetividade significativa com o enteado e deseja reconhecê-lo, judicialmente, como filho. Porém, depois de ver de perto uma outra possibilidade, de certa forma atípica, pude perceber que muitas outras podem advir dessa janela que se abriu, permitindo consolidar uma forma de amor tão inesperada, quanto a sua judicialização.

06/01/2024