A volta dos que não foram a lugar nenhum

 

Assim como muitos que estão passando por esse inesperado tempo de pandemia, eu também tive meus momentos de reflexão sobre o sentido da vida, sobre as lições positivas, mesmo que pareça estranho e, inevitavelmente das negativas que vieram junto com essa experiência, pois dificilmente não há como ficar impassível diante de tempos tão diferentes e que nos levou a uma condição tão adversa do nosso cotidiano e daquilo que chamamos de vida moderna.

E pensando nas coisas positivas, descobri que o silêncio é bom e necessário para que possamos escutar a nós mesmos e para descansar a nossa mente. Com a reclusão as ruas ficaram mais silenciosas, assim como os lares, fazendo com que apesar do momento vivido, fosse possível sentir uma rara calma no ambiente. Mas o que tem me chocado ultimamente é ter visto e presenciado o desespero de algumas pessoas para voltarem exatamente ao que tinham antes, como festas, muito barulho e agitação, como se tudo tivesse acabado e como se essa prova vivida de nada tivesse servido, como se esse momento tão diferente não representasse nada ou não dissesse coisa alguma, ou seja, essas pessoas não foram a lugar nenhum dentro de si mesmas, e querem voltar para algo que dificilmente será igual. Não creio que seja à toa que estejamos vivendo essa experiência e tenho visto tantas pessoas falarem sobre o repensar que este momento trouxe e as oportunidades enxergadas, que não consigo evitar de me surpreender com aqueles que não fizeram outra coisa a não ser esperar pelo seu “retorno triunfante” e mais do que isso, algumas pessoas simplesmente continuaram suas vidas como se nada estivesse acontecendo, mantendo-se alheias e recusando-se a deixar de viver como se não houvesse amanhã, atitude até bastante louvável, se dentro de um outro contexto.

Mas, ainda bem que se existem aqueles que não foram a lugar nenhum, posso dizer que me orgulho de algumas pessoas que foram à luta, aproveitando as oportunidades surgidas, como por exemplo, o bom uso das redes sociais para captar negócios e mostrar o seu valor, como também aqueles que se mobilizaram para ajudar pessoas menos favorecidas e que foram drasticamente afetadas por esse momento tão difícil. Também acredito que foi um momento de transformação para muitas famílias que tiveram que conviver entre si e dividir tarefas. Quantos pais se aproximaram mais de seus filhos e quantos filhos e maridos passaram a ser mais colaborativos, vi isso acontecer muito ao meu redor e dentro da minha própria casa, isso é o que chamo de experiências positivas de um momento tão adverso.

Isso tudo me faz pensar em como o ser humano reage ou não, diante de momentos desafiadores. É claro que cada um tem sua própria percepção das coisas, mas não deixa de ser curioso que algo tão impactante para o mundo possa não fazer qualquer efeito em algumas pessoas, e que elas simplesmente ignorem ou nada tirem como lição ou, assim que tenham a oportunidade de voltar ao seu mundo anterior o façam com uma ansiedade feroz e com uma sede animal chocante. Mas, como diz um famoso filme “e assim caminha a humanidade”, o imagino onde essas pessoas irão chegar, ou até imagino que, na verdade, não irão muito longe, pelo menos para longe desse mundo em que estão submergidas e limitadas, havendo sempre enquanto houver vida, a esperança de uma mudança e de que desses seres possa brotar algo de positivo, afinal não quero crer que precisaremos de uma segunda ou terceira onda da pandemia para iluminar a mente da maioria dos habitantes do nosso planeta e principalmente dos brasileiros, tradicionalmente adormecidos, “deitados em berço esplêndido”, esperando que algo ou alguém salve a pátria de si mesma ou de uma pandemia qualquer.

                                                                                                                                                  08/12/2020

O home office que não escolhemos

Um dia de repente, você chega de viagem de férias e recebe a noticia de que vai começar a trabalhar em home office, algo para o qual não estávamos preparados e não planejamos, mas que chegou como consequência de uma situação de exceção, uma pandemia inesperada que a todos impactou. Além disso, esse trabalho em casa deverá conviver em paralelo com os trabalhos domésticos, frutos de um momento em que a ajuda externa não seria permitida, criando um cenário desafiador e ao mesmo tempo doloroso, visto que não estávamos prontos para esse novo cenário e tínhamos a nossa estrutura de vida organizada de acordo com a realidade vigente, cada um com a sua própria.

Então a coisa começa e ainda não sabemos como vai funcionar e precisaremos configurar e preparar o nosso computador de casa para acessar o ambiente da empresa em que trabalhamos, depois de ultrapassados muitos obstáculos, finalmente conseguimos iniciar as nossas tarefas laborais. Mas aí a casa nos chama e, como precisamos cumprir aquilo que a empresa espera, é necessário nos dividirmos ou mesmo nos multiplicarmos, porque se certas coisas não podem aguardar pelo intervalo do trabalho, fazemos ao mesmo tempo, porque o cotidiano de uma casa nem sempre pode esperar. Se não há, por exemplo, alguém que tome conta de um filho pequeno, como a mãe irá trabalhar? Certamente ela o colocará no colo para continuar o seu trabalho, mas isto é só uma dentre centenas de situações cotidianas a serem enfrentadas por um home office inesperado e não planejado.

Os efeitos colaterais então seriam o esperado de um contexto repentino. Desde problemas físicos, resultantes de um ambiente inadequado para o trabalho, como móveis não ergonômicos, a os psicológicos, resultantes de uma pressão por mostrar resultados, mesmo diante de um cenário tão adverso e extremamente complicado para algumas pessoas. Mas a vida é isso e, se não estávamos preparados para esse formato de trabalho, é porque talvez não estejamos acompanhando a evolução social alinhada à tecnológica. Na verdade em alguns países isso já é uma realidade, assim como em cidades desenvolvidas do nosso país. Tenho visto em programas de TV que é comum em alguns lugares, as pessoas terem escritório em casa e é claro que para as empresas representa uma grande economia e é óbvio que elas sabem disso, porém o nosso delay vem de questões bem profundas onde não cuidamos do básico, portanto, não fazendo sentido cuidar daquilo que a evolução tecnológica gera, que é o que acontece quando a gente não cresce socialmente. O resultado é sermos atropelados fatalmente por algo que já devíamos estar alinhados, mas na realidade desconhecemos ou não queremos saber, porque nem sequer combina com a nossa identidade cultural, estilo de vida e sociedade.

Mas a coisa está posta para nós e amanhã muitas empresas diante da constatação do que já supunham, começarão, e já estão começando, a fazer dessa prática uma realidade. Resta-nos tentarmos nos adaptar a esse novo contexto de vida, procurando separar a nossa vida pessoal do trabalho, o que é bem difícil, culturalmente falando. Talvez para alguns isto seja uma escolha, mas para outros não, e se hoje fala-se de um novo normal atrelado a novos comportamentos em razão da pandemia que vivemos, o home office pode-se dizer que fará parte disso possivelmente ou talvez inevitavelmente. 

03/11/2020

O difícil entendimento da morte


Há muitos anos atrás, quando era uma estudante do 1 grau, a professora de Português nos deu a tarefa de ler o livro a “Desintegração da Morte” de Orígenes Lessa para fazer sua interpretação, confesso que na ocasião não gostei muito do conteúdo, embora tenha entendido a importância da mensagem que ele carrega. Como a maioria das pessoas, não gostei do fato de abordar um assunto que não gostamos de encarar, mas no final, mesmo com esse sentimento negativo, foi uma leitura que marcou muito e cedo me conscientizou da necessidade da morte irremediável e ao mesmo tempo imprescindível.

No momento em que estamos vivenciando, durante essa pandemia, a realidade de milhares de vidas sendo perdidas todos os dias e quase sempre de pessoas que nos rodeiam, é claro que não dá para não desconfiar que a morte ronda a nossa porta, é possível que num descuido, ela adentre a nossa casa e nada possamos fazer, e mesmo assim agimos como se não existisse uma grande possibilidade de sermos o próximo ou próxima negando a sua presença e não reconhecendo o significado exato das milhares de vidas que já se foram no nosso próprio território. É uma negação que de certa forma está ligada àquele pensamento de que “só acontece com o outro”, porque não queremos que seja conosco, não está acontecendo. Esta pode ser até uma visão simplista da coisa, mas é o que tenho observado pelo comportamento dos que se acostumam, não mais se chocam com a quantidade de famílias atingidas e cada dia que passa menos se importam com o outro, querendo apenas ter a vida que tinham antes de volta.

Às vezes penso que estamos reacendendo o comportamento primitivo dos povos da idade média, onde era natural matar milhares de pessoas, seja para tomar o seus territórios ou porque elas praticavam uma religião diferente da do seu inquisidor. A vida do outro não valia muito, apenas a sua própria, principalmente quando essa pessoa tinha um pouco de poder, ela sempre se achava dona da vida daqueles que eram considerados inferiores. Hoje se colocarmos uma lupa sobre o comportamento contemporâneo dos que pouco se importam com ou outros e acham que usar uma máscara, por exemplo, é uma “idiotice”, podemos ver o DNA dos nossos ancestrais em suas atitudes.

Quando falo de não aceitar a morte, não me refiro a ter medo dela, mas sim de respeitá-la e não banalizá-la quando ela atinge o outro, porque quando é no nosso teto tendemos verdadeiramente a não aceitá-la e até tememos quando ela de fato parece próxima e real, o que é uma contradição nesse momento, um verdadeiro paradoxo social, porque se não queremos para nós não devemos expô-la aos outros. Mas como ainda existem muitas pessoas boas no mundo tenho visto uma grande luta no sentido de tentar proteger vidas. Ainda bem que o pensamento egocêntrico não é uma unanimidade, embora hoje seja quase tão endêmico e letal quanto a epidemia, considerando o contexto do país. Ainda assim essas pessoas que fazem o trabalho de formiguinhas podemos dizer que são a esperança, são aqueles que permanecem com a lanterna na mão iluminando o caminho dos que ainda insistem em viver na escuridão ou daqueles que precisam de luz, por não ter o direito a ela. É uma resistência que nos faz ver além do que está colocado e faz jus a nossa melhor porção, que não será destruída por um momento de trevas que atravessamos. Tenho fé nessas pessoas, elas entendem o sentido verdadeiro da morte e a respeitam, respeitando a própria vida.

04/10/2020

A rua da minha infância

De certo que muitas e muitas pessoas têm uma rua da sua infância para lembrar, existe até um livro intitulado “Uma rua como aquela” que é uma síntese de todas as boas lembranças das ruas onde viveram pessoas da minha geração ou de antes dela. Li esse livro na minha adolescência e também vi em alguns trechos retratos da minha própria rua e agora guardo para sempre a recordação da recordação, ou seja, aquela leitura transformou-se também numa lembrança que me fez recordar os momentos divertidos da aurora da minha vida, como no famoso poema “Meus oito anos” de Cassimiro de Abreu.

Hoje posso dizer que sou privilegiada por ter vivido uma infância livre, por ter podido passar muitas horas do dia brincando na rua com minhas colegas, andando de bicicleta, curtindo todas as brincadeiras da época que podiam ser brincadas numa rua sem calçamento, como: academia(a famosa amarelinha), garrafão, queimado, além de pega e esconde-esconde. E ainda achava pouco e queria ficar na rua à noite, que normalmente era proibido, já que passávamos o dia na maloqueragem, como dizia a minha mãe. De vez em quando, ela dava uma chance e podíamos esticar a brincadeira na casa de alguma colega, era uma alegria só. Quando não era permitido e a gente queria sair de qualquer jeito e saia sorrateiramente, a surra era certa. Naquele tempo a gente levava umas sovas de quando em vez, e ninguém se traumatizava.

Assim como no livro, lembro que na minha rua também tinha um sovina, que toda a meninada tinha raiva dele. Quando a gente brincava de queimado e a bola caía na casa dele, eu tinha que apelar pra minha mãe pedir, senão ele não devolvia. Há alguns anos, lembrei esse fato a ela e perguntei se o nome do vizinho sovina era o que eu lembrava, e ela me confirmou que não era imaginação minha, só que garantiu também que ele não era avarento, a gente era que aperreava ele. Na minha rua tinha um morador que possuía o maior carro da época, um Veraneio amarelo queimado metálico, tão grande que nem cabia na garagem e por isso ficava na rua. Também tinha um outro que era médico e dono da casa e do carro mais bonito. É claro que hoje isso não diz nada, mas naquela época era uma sensação, essas coisas eram referências. Tinha a menina mais bonita, e tinha a vizinha que era “a doida”, havia também “a esquisita”, que morava no final da rua. E é claro que perto tinha uma igreja que todos frequentavam e era o point. Nessa Igreja, íamos a todos os batizados e missas de sétimo dia, sendo de conhecidos ou não. Lá todos faziam a 1ª Comunhão e participavam das procissões, como tinha que ser.

Os meninos jogavam futebol no meio da rua, onde faziam um risco e colocavam as barras, meu irmão se juntava com a turma dele e chegava em casa no final da tarde todo sujo de tanto jogar na areia, de vez em quando rolava umas arengas feias, lembro que chamava minha mãe para ela interceder, mas ela sempre dizia: “deixe, que eles se entendem”. Já a minha irmã, na fase adolescente anti criança, era amiga das meninas que moravam no final da rua e já sendo adultas, se comparadas com a gente, nos olhavam pelo “rabo de olho”, afinal éramos todos potenciais dedos-duros dos irmãos na fase de juventude, ou “fuxiqueiros”, como se costuma dizer, além de sermos um estorvo quando tinham que nos levar a algum lugar ou tomar conta da gente.

Como só existiam casas, havia também muitas árvores, principalmente pés de jambo, muito comuns no meu bairro. Essas árvores volta e meia eram motivo de discórdia, pois a criançada adorava colher os jambos alheios e vez por outra alguém levava um carreira do dono.

E assim era a minha rua, igual a muitas outras, mas deixou lembranças únicas para cada criança que ali viveu e curtiu a sua infância, tão livre e tão saudável. Se hoje tenho algum lamento é o das crianças de hoje não terem a oportunidade que tivemos de viver esses doces e divertidos momentos.

13/09/2020

O novo mundo das Lives

A nova realidade criada pela pandemia tem provocado muitas mudanças, tanto individuais como coletivas, tenho visto muitas pessoas repensarem e refletirem sobre suas prioridades e modos de vida e, diante da escassez de trabalho resultante das limitações do confinamento, era de se esperar que o mundo virtual fosse a maior porta de entrada para a solução da maioria dos problemas. E nesse contexto cada classe precisava se reinventar ou buscar novos meios para existir e, a classe artística foi uma delas, especificamente aqueles músicos que viviam de shows e foram privados do seu principal meio de vida. Dizem que a dor ensina a gemer, acredito que essa dor que muitos estão vivendo, ensinou as pessoas a agirem dando asas à imaginação e a criatividade, as lives foram uma demonstração dessa atitude, que gerou diversão para muitos e renda para este segmento que estava sem conseguir enxergar uma luz no fim do túnel. É claro que isso não resolveu o problema de todos desse universo artístico, mas foi um belo e significativo início.

Quando as primeiras lives começaram não acreditei que seria algo que caísse no agrado das pessoas, porém quando eu mesma comecei a assistir algumas me surpreendi e percebi que cativa e, mesmo não tendo o impacto que um espetáculo presencial nos causa, cada um assiste o que gosta e dá a conotação que quer, tanto pode ser uma festa, como um momento de relaxamento ou distração. Quem por exemplo mora no Nordeste e gosta dos shows juninos, foi agraciado com muitas lives que permitiram a cada família fazer sua festa dentro do seu espaço.

A partir da minha experiência vi que foi bom para todos, porque os artistas puderam aproveitar a oportunidade para receber pelo seu trabalho e nós pudemos contribuir para ajudar outras pessoas da classe artística e outras vítimas da pandemia, com as campanhas que foram disponibilizadas. Os expectadores foram presenteados com excelentes apresentações onde percebia-se que, dentro das limitações do mundo virtual, os artistas estavam tentando dar o melhor de si para superar a restrição imposta pela distância e pelo espaço de um monitor. Tudo isso humanizou uma saída tecnológica para um problema que afetou profundamente a vida de tantas pessoas e, de certa forma, senti orgulho dos que se esforçaram para fazer o seu melhor num momento tão adverso.

Mas como live é algo que pode beneficiar praticamente todas as áreas, é claro que todos pegaram carona nessa ideia, e no bom sentido “choveu” lives sobre todos os assuntos possíveis e imagináveis para todos os gostos e necessidades, e hoje quem não tem uma live para assistir “que atire a primeira pedra”. Praticamente todos os dias, recebo algum convite para assistir uma nova apresentação e fico até confusa, ou não tenho tempo para corresponder a uma demanda que, se por um lado é extremamente enriquecedora para o nosso conhecimento, por outro lado nos pressiona com tantas possibilidades. Cabe a nós termos discernimento para fazer as melhores escolhas daquilo que é relevante para as nossas vidas, visto que não devemos gastar um tempo, que muitas vezes não temos, para assistir a algo que nada vai nos acrescentar e se estamos em nossos lares para nos proteger, não é por essa porta que deixaremos entrar o que não nos pertence.

08/08/2020


Como perder o nome

Uma das coisas que acho muito pitoresco no interior das cidades do Nordeste é o costume de se colocar apelido nas pessoas, por tudo e por nada se perde o nome. E nem sempre a vítima conhece a própria alcunha. Existem situações para todo gosto, tem os que gostam e até preferem o apelido, existem aqueles que não podem ouvir que se transformam praticamente em um animal não domesticado, tem os que se acostumam, os que não gostam, mas nada podem fazer e os que simplesmente nem sabem que foram rebatizados.

Por conviver com pessoas que vieram de diversos interiores, conheço muitas histórias de nomes que se perderam no tempo. E até na capital, em razão dessa influência, tenho alguns colegas que também praticamente perderam seus nomes, após serem devidamente apelidados por alguma alma normalmente não muito bondosa. E a coisa é tão forte, que muitas vezes não conhecemos o nome verdadeiro da vítima, ou simplesmente não conseguimos lembrar, porque o dito cujo só é pronunciado muito eventualmente.

Outro dia um conhecido que mora numa dessas cidades do interior, relatou que recebeu um telefonema de um colega de escola com o qual não falava há muito anos, e o mesmo se apresentou pelo seu verdadeiro nome e sobrenome e ainda precedido do título de doutor, pois agora era advogado. Porém, durante todo o tempo em que estudaram juntos, o colega sempre foi conhecido pelo apelido e o resultado foi que não adiantou ficar insistindo no nome, porque só foi reconhecido quando apelou para o nome do pai. E quando o apelido foi pronunciado do outro lado da linha, não lhe restou senão o lamento de que não podia ser chamado de doutor seguido de um apelido daquele.

Conheci um garçom cujo apelido era “Ingija”, só porque um dia diante da manifestação de insatisfação de um cliente, ele exclamou; “Ingija!”, e foi a conta, após este dia, nunca mais se ouviu falar do seu nome de batismo. Outro caso que me chamou a atenção foi de um caixa de banco que perdeu o nome porque um colega o achou parecido com outra pessoa que se chamava “Bedeu”. Muitos anos depois do acontecido, ele confessou a este mesmo colega que até a mãe o chamava pelo apelido, e além disso, o nome gravado na placa do caixa onde atendia era o do apelido, esse foi um dos que a conformação foi a saída.

Apesar dos pesares, ainda não se descobriu uma fórmula para o cristão se livrar desses rebatismos, mas observei que na maioria dos casos, algum colega ou parente mala é o “batizador”, sendo pouco provável que haja algum tipo de salvação, mandinga ou mesmo simpatia que possa livrar a criatura da situação, restando na maior parte das vezes, a conformação mesmo, ou no melhor dos casos, o orgulho, como um rapaz que conheci com a alcunha de um herói imortal. Esse além de se orgulhar, faz questão de ser chamado pelo apelido, afinal, o seu verdadeiro nome não chega nem perto da imponência e ostentação que o apelido carrega, o que me faz pensar que este é o motivo que faz algumas pessoas, de fato, preferirem a identidade número dois e assim se apresentarem ao mundo, de alguma forma, incorporando o brilho de seus “xarás”. O fato é que existem formas diversas de se perder um nome e nenhuma para reencontrá-lo, e quem tiver seus amigos ou parentes “mala” que se cuide, para amanhã não acordar e descobrir que recebeu um novo nome, porém não foi a mãe quem escolheu.

24/07/2020

Os vícios de uma nação

É estranho o quanto o nosso país tem vivido como as ondas, num sobe e desce de ânimos e movimentos. A gente tem até a impressão de que finalmente vai engrenar, mas aí parece que a onda quebra, amansa e o mar fica calmo novamente. Tive até a esperança de que finalmente as pessoas fossem começar uma luta por mais ética, cheguei até a acreditar que finalmente haviam entendido que todos nós temos que ser fiscais daqueles que nos governam e daqueles que trabalham nos órgãos públicos.

A consciência de onde vem o mal que paralisa o país parece ainda não ter assolado os cidadãos. Depois de tantos escândalos e denúncias, acho que ficou bem claro que todos que trabalham com o dinheiro público estão suscetíveis ao sentimento de desejá-lo para si. É claro que isso não é normal, mas a partir do momento em que se cria esta cultura, automaticamente estas pessoas tendem a cultivar este sentimento e basta uma oportunidade para se tornar mais um corrupto na sociedade. Onde está o princípio da honestidade, da coletividade e da ética? Me pergunto todos os dias como essas pessoas conseguem tão facilmente sucumbir  a essas fraquezas e enterrar os valores fundamentais de uma nação e da vida em sociedade.

A cada novo caso, então me pergunto: eles não param nunca? Políticos, policiais, pessoas que trabalham em Fiscalizações, juízes, etc. Todos os dias se vê novos casos. Pessoas entram em cargos que fiscalizam outras pessoas e Empresas e logo são compradas, ou são convidadas a entrar em algum “esquema”. Infelizmente aqui acolá ouve-se esses tipos de história. É difícil entender como um cidadão luta para vencer uma eleição, ou mesmo passa tantos anos estudando pra passar em concursos tão difíceis,  ganha uma boa remuneração, algumas vezes tem muitos privilégios, tem uma vida confortável e mesmo assim se vende. Por um outro lado, só posso lamentar por aqueles que são bem intencionados e quando não aceitam este tipo de “convite”, tem as vidas ameaçadas ou são perseguidas. E assim como tantos outros indignados, me pergunto: que país é esse? Se isso fosse uma prática rara , seria uma fraqueza que acontece também em homens com poder em países civilizados. Mas na proporção que ocorre em nosso país é endêmico, quase patológico.

Gostaria muito de viver para ver a maioria das pessoas deste país defendendo os valores da ética e da honestidade, gostaria muito de ver as pessoas agindo sempre pensando no outro, no futuro do país, nos seus próprios descendentes. Que país essas pessoas pretendem deixar para seus filhos e netos? Quantas e quantas pessoas perdem a oportunidade de deixar o seu nome na história deste país como aquele que contribuiu de alguma forma para melhorar algo? para melhorar a sua cidade, o seu Estado? Eu realmente espero pelo dia em que as pessoas vão começar a entender que só vai ser bom para todos, quando cada um fizer a sua parte, do contrário, seremos eternos reféns daqueles que se entregam facilmente a seus vícios por dinheiro e poder.

PS:  Esse texto foi escrito há poucos anos atrás, mas só agora decidi publicá-lo, porque nada mudou e tudo se agravou, numa proporção que confesso sentir minhas esperanças abaladas, e hoje tudo parece completamente surreal. O comportamento do governo e da sociedade têm sido de uma insanidade inacreditável, e agora me pego praticamente pinçando aqui e ali algumas almas que guardam uma coisa chamada princípios, e vou colocando-as no meu novo bauzinho de novas esperanças, para quem sabe um dia voltar a crer que a maré vai mudar, que as águas vão rolar e tudo isso vai passar, e apesar das epidemias de Covid e de ignorância que assolam o país, amanhã há de ser outro dia.

05/07/2020

As cores do mar

As vezes gosto de ficar observando o mar, é sempre muito inspirador e também traz muita calma. Não é à toa que alguns espaços terapêuticos são propositadamente localizados em áreas litorâneas, porque, de fato, contemplar toda a sua imensidão, o movimento e o som do vai e vem das ondas, acalma o espírito e nos eleva a um outro nível de pensamento e sentimento. Talvez a percepção do quanto somos pequenos diante da sua grandiosidade e poder, nos coloque no nosso devido lugar.

Acredito que existe uma conexão entre o ser humano e o mar, apesar de não sermos seres marinhos. E mesmo sendo tão pequenos, carregamos dentro de nós turbulências e calmaria, hora estamos sujeitos a momentos de águas muito revoltas, hora estamos só deixando a vida nos levar num movimento contínuo de marés altas e baixas. E assim como o mar está sempre mudando de cor, de acordo com as condições de tempo, nós também estamos sempre nos adequando às nossas condições e contexto de vida. Num mesmo dia tudo pode parecer cinzento como como a aurora, quando despertamos logo cedo, porém quando o sol vai também se levantando e as águas vão ficando azuladas, o nosso dia parece que vai clareando, e à tarde quando as águas já parecem límpidas e esverdeadas, temos a sensação de que o pior passou e que estamos conseguindo transpor nossos momentos de maré revolta. E ao final do dia, quando o sol vai se pondo e as as águas vão tomando o brilho da noite, sentimos que vencemos mais um dia e que estaremos prontos, para no dia seguinte enfrentar os diversos movimentos a que estamos sujeitos, assim como sentimos uma enorme paz, quando nossas águas estão em plena calmaria e os ventos estão amenos.

Gosto de pensar que a gente tem essa afinidade com o mar e também gosto de me surpreender com a sua beleza, pois mesmo estando acostumada a presenciar as constantes mudanças das suas cores e o movimento de suas marés, sempre me admiro, pois ele possui um arco-íris particular, com suas próprias cores e tonalidades, tão susceptíveis a mudanças, e também cheio de beleza, e tão furioso em alguns momentos, como cada um de nós pode ser.

Há instantes em que parece que suas águas são um espelho das nuvens e a cada movimento delas, logo abaixo, o mundo vai se transformando e dando lugar a outras tonalidades. Às vezes me divirto observando as sombras das nuvens se movimentando sobre as águas do mar. Mesmo parecendo insignificante, não consigo deixar de viajar naquele movimento da natureza que em tão pouco tempo transforma um mar hora cinzento, hora prateado, num enorme espelho degradé, começando por um azul anil que vai se juntado ao azul do céu, até que a mais perfeita paisagem mesclada com os mais diversos tons de azul e verde, seja pintada diante dos olhos. É quando sinto que, de alguma forma, é só olhar e mergulhar.

01/06/2020

Vindos da Itália

Normalmente não escrevo sobre minhas viagens, porém considerando o contexto atual de pandemia e o fato de ter saído do “olho do furacão”, fez com que algumas pessoas sugerissem que falasse a respeito, já que fatalmente fomos atingidos pelas consequências de estarmos saindo do epicentro do problema.

É possível que alguns indaguem sobre o que fomos fazer na Itália nos tempos do corona. Mas não havia como imaginar o que estaria por vir, quando saímos do Brasil e chegamos em Milão, afinal ao chegarmos lá, só havia um caso confirmado de uma pessoa internada com os sintomas. Em poucos dias as outras pessoas que este paciente contaminou, começaram a contaminar outras, e aí foi quando começamos a acompanhar de lá a evolução do contágio, víamos a cobertura da imprensa italiana e a do Brasil pela Internet.

Coincidentemente estávamos na região da Lombardia onde tudo começou, mas não estávamos perto das cidades atingidas, logo fomos pra a região de Veneto, onde seria a próxima a ter novos casos, mas também não era onde estávamos. Em seguida fomos para Florência, na Toscana, onde até então não havia casos. E por fim chegamos em Roma na nossa última etapa da viagem, onde também não havia nenhum caso inicialmente, até que soubemos que existia uma pessoa internada. A essa altura, já estávamos há 15 dias na Itália e os casos no norte já estavam completamente alarmantes e a imprensa do Brasil mostrava uma realidade que não chegamos a vivenciar, porque tivemos a sorte de encontrar os lugares ainda dentro de uma certa normalidade, estando fechados apenas alguns museus e igrejas, por precaução. O interessante foi que íamos publicando nossas fotos no Instagram, como se nada tivesse acontecendo e as pessoas sabendo das notícias, iam ficando abismadas e preocupadas conosco, pois não imaginávamos que a Itália estava se transformando rapidamente no epicentro da pandemia, nem ninguém nos passava a real imagem que o mundo estava vendo da Itália naquele momento.

Mas a normalidade começou a mudar depois que chegamos em Roma, durante os dois primeiros dias, começamos a tomar conhecimento do fechamento das cidades e das proibições de circulação entre elas, enquanto isso ainda estávamos fazendo nossos passeios, conforme programamos, A partir do terceiro dia as coisas começaram a mudar drasticamente e medidas mais duras começaram a ser tomadas e comunicadas pelo primeiro ministro italiano. Foi quando presenciamos as primeiras medidas para o distanciamento entre as pessoas e na sequência o início da quarentena dos romanos, foi uma sensação muito estranha, de repente não podíamos chegar perto das pessoas, no dia seguinte fecha quase tudo e as pessoas somem das ruas, logo o sentimento de turista deslumbrado se transformou numa sensação de isolamento e rejeição, porque diferente dos brasileiros, na hora que o governo diz que tem que manter um distanciamento, quando nos aproximamos de pessoas como caixas ou garçons, eles mesmos alertam: “não se aproximem!”. Aqueles que ainda andavam pelas ruas como nós, olhavam uns para os outros com um olhar de desconfiança, foi quando a maioria começou a usar máscaras nos locais fechados e nos transportes públicos, lugar onde era impossível manter a distância. Sorte que estava muito próximo do nosso retorno, tentamos antecipar nosso voo, mas não foi possível. Então tentamos manter a calma e aguardar o dia marcado para o nosso retorno, já que estava muito próximo.

Faltando um dia para a nossa volta ao Brasil, quando acordamos tivemos a surpresa de receber uma mensagem informando que o nosso voo de volta, que faria conexão em Amsterdam, havia sido cancelado. Ficamos desnorteados e começamos a imaginar o que poderia acontecer se não conseguíssemos outro voo. Entramos em contato com a Empresa aérea e pelo menos fomos informados de que eles dariam um jeito de retornarmos ao Brasil, nosso problema agora era quando. E a única forma de resolver seria indo ao Aeroporto no box da Companhia aérea, coisa que fizemos, mas não adiantou, porque estranhamente o cancelamento estava só no e-mail. Pelo sim e pelo não, resolvemos arrumar nossas malas e no dia seguinte voltar ao aeroporto a fim de conseguir um outro voo, pois a esta altura já havíamos sentido a gravidade da situação e vimos que precisávamos sair da Itália o quanto antes, pois quase nenhum país queria receber voos de lá. Foi aí que praticamente começou a nossa quarentena.

No box da Companhia aérea, soubemos que haviam recebido a confirmação do cancelamento do nosso voo, o que dava cobertura para que nos realocassem em outros voos, o que foi feito, porém isso nos custaria um dia inteiro no aeroporto de Roma e mais um dia de quarentena em um hotel em Paris, para depois viajar uma noite inteira chegar em São Paulo e pegar um outro avião pra casa. Por incrível que pareça, estávamos felizes por isso, porque vimos que muitos passageiros de outros países não conseguiram o mesmo, pois no dia em que saímos de Roma só o nosso voo para Paris não havia sido cancelado. Começamos a entrar numa nova vivência que nos levou a várias lições e, acho que essa foi a nossa primeira lição desse momento, pois toda a longa jornada da volta tornou-se curta diante do contexto em que nos encontrávamos, além é claro, de manter a calma numa situação tão adversa e inesperada.

Quando estávamos na longa espera pela volta, já nos demos conta de que teríamos que fazer uma quarentena, por ter estado no “olho do furacão”. E começamos a nos preparar psicologicamente para isso. Os primeiros casos estavam surgindo no Brasil, mas o medo dos que chegavam de lugares contaminados já era bem latente. Então ao chegar em casa, começou a nossa quarentena oficial, no dia em que chegamos, a síndica amedrontada mandou passar álcool no elevador e pouco tempo depois pediu que não andássemos nas dependências do prédio. Mesmo sabendo que ela estava correta, foi um choque para nós esta recepção, visto que precisávamos sair, já que nossa geladeira estava vazia e tínhamos necessidade urgente de comprar alimentos. Ficamos inicialmente desorientados, mas aos poucos fomos nos adaptando à situação. O temor da contaminação, levou um dos moradores a denunciar nossa chegada a Secretaria de Saúde do Município, fomos contatados para saber se estávamos seguindo a quarentena e nos deram orientações. Todos esses temores dos nossos vizinhos nos causou novamente um estranho sentimento de rejeição, tivemos que superar este sentimento e compreender o lado deles, já que a maioria são idosos, penso que esta foi a nossa segunda grande lição de toda esta situação. Mesmo nos sentindo vítimas, era necessário se colocar no lugar do outro, para entender e aceitar que possivelmente teríamos os mesmos temores se estivéssemos do outro lado. Quatorze dias depois, sair da quarentena de viagem e entrar na geral, nos provocou outros sentimentos que dia a dia estamos aprendendo a lidar e acho que esta é a terceira grande lição: aprender a ficar em casa, vivendo um dia de cada vez e todos os dias uma nova lição, um novo aprendizado.

26/04/2020

The day after

Uma das melhores coisas da vida é viver como se não houvesse amanhã, porém isso pode também transformar o nosso amanhã numa das piores coisas da vida. É mais uma das contradições humanas? Sim. Seria muito bom se nem tudo que fizéssemos tivesse consequências, mas até para as coisas prazerosas é assim, porque tudo demais é demasia, como costumava dizer a minha avó, e na diversão não é diferente. Sabe aquele aperitivo que você se delicia com ele mais do que deveria? Que você ultrapassa o limite que seu corpo suporta para no outro dia cobrar a conta? É disso que estou falando.

A gente sempre pensa que aquele carnaval, aquela festa ou aquela comemoração não seria a mesma coisa se fosse regado só a suco e refrigerante. E parece que não estamos completamente equivocados, tem seu sentido, afinal nem biblicamente grandes momentos foram comemorados só com água, haja visto a passagem da grande transformação de água em vinho. Um empurrãozinho na alegria não faz mal a ninguém, mas já um “safanão” condena a criatura a chorar a conta cobrada no dia seguinte. Muitas vezes no frescor da juventude nossos corpos até toleram uma alegria a mais, mas a medida que o tempo passa, a nossa antiga saúde etílica vai dando lugar ao fazedor de ressaca, e se desejamos que o dia de seguinte seja sempre cor de rosa, temos que brindar de acordo com os nossos limites.

Falando assim pode parecer que é só uma questão de idade. Acho que podemos dizer que é apenas uma meia verdade, porque a qualquer tempo, estamos sujeitos a sucumbir aos apelos da nossa mente após algumas doses e cair na tentação da viagem ao fundo do universo dos “sem censura”, o que na minha turma de juventude costumávamos chamar de viagem à outra galáxia. O grande problema desta “viagem” é o dia seguinte, quando por exemplo, se chega a ponto de pedir para morrer, coisa que pra mim era inimaginável até ver os anjos me circundando quando estive mergulhada na maior ressaca que me lembro de ter tido, em um dos não tão memoráveis carnavais que brinquei, pois após quase visitar o paraíso no primeiro dia de Momo, tive que me abster do pecado da gula etílica pelo resto do carnaval, com medo do fantasma do day after, afinal nunca se sabe quando um fígado, mesmo jovem, vai conseguir estar pronto para outra depois de um teste de resistência fora dos padrões e, eu não pretendia pagar para ver.

Apesar de nunca ter tido a sensação de estar caindo num abismo, como uma das ressacas que testemunhei, muitas outras rebordosas vieram e com elas a mais tradicional promessa dos bebinhos arrependidos: “não bebo nunca mais!”. Um conhecido costumava dizer durante seus days after que, “o homem que bebe é um cachorro” e muitas vezes nos meus days after também fui obrigada a concordar. Acho que isso é a uma das maiores provas de que muitas vezes, mesmo conhecendo o mal que nos espera, vamos ao seu encontro cheios de alegria. E assim foi e sempre será, não importa que o tempo passe ou que tenhamos a devida consciência, até que o nosso corpo nos obrigue a dizer “não!” ou pelo menos “chega!” e nos faça ir até onde realmente podemos ir, sempre nos perdoando quando a carne for fraca, mas o motivo for forte, afinal, nunca deixaremos de pensar que “viajar para outra galáxia” é muito bom, no entanto ver o dia seguinte nascer dourado, é ainda melhor.

PS: Isto não é uma apologia à bebida e continuo concordando com o colega quando ele dizia que “o homem que bebe é um cachorro”.

Abril/2020

Falando só


Interessante como a gente costuma pensar que as pessoas que falam sós, têm algum problema mental. Existem de fato, muitas pessoas que têm problemas e falam sozinhas, de vez em quando a gente até vê pelas ruas algumas almas acometidas por distúrbios psicológicos que as levam a esse comportamento, porém como nem tudo que parece é, por um outro lado, nem sempre isso é um sintoma de alguma patologia, pode ser simplesmente um hábito, que exatamente pela conotação que possui, evitamos realizar em público. Até neste momento, só porque estou falando isso é possível que algum leitor pense ou venha a pensar que a minha sanidade é meio duvidosa, apesar de todos saberem que de médico e louco todos nós temos um pouco.

Um dia fui assistir a uma palestra de um médico que cuida da saúde no trabalho e ele falou sobre esse assunto, fiquei impressionada ao escutar dele a afirmação de que falar só ou cantar nos corredores é algo absolutamente normal e saudável e, mais do que isso, ajuda a aliviar as tensões da vida propiciando um bem estar aos artistas de corredor e de chuveiro. Ao contrário do que pensamos, isto não torna ninguém louco. Confesso que senti até um certo alívio porque conheço gente que só sabe fazer as coisas falando, precisa estar sempre dizendo para si mesma o que vai fazer, não necessariamente em silêncio. Já vi no meu trabalho gente cantando nos corredores e não posso deixar de dizer que fiquei de orelha em pé. Ainda bem que agora posso ver meus colegas em pleno relaxamento mental sem pensar alguma bobagem e, além disso, não tomar nenhum tipo de susto quando me pegar falando sozinha.

Nós humanos às vezes criamos barreiras que atrapalham a nossa própria existência. Até um comportamento que é inerente a nossa espécie e não representa nenhum perigo, rotulamos como inadequado. Fico pensando por exemplo, nas pessoas que vivem sozinhas se elas, em não conversando consigo mesmas, como costumamos dizer: “com seus próprios botões”, correm o risco de perder um pouco do seu equilíbrio emocional. Não é à toa que crianças têm amigos imaginários e também não foi à toa que no filme “O Náufrago”, o personagem principal deu vida a uma bola e ela passou a representar um companheiro que ele conversava em seus momentos de angústia. Se isso acontece é porque, de alguma forma, precisamos ter sempre algo ou alguém a quem possamos  recorrer nos momentos em que não há ninguém.

Portanto, acho que é tempo de compreendermos melhor, não só os que cantam nos corredores ou enquanto fazem suas tarefas, mas também aqueles que falam enquanto pensam, o que afinal, é muito mais salutar do que falar sem pensar.

16/02/2020