Uma das melhores coisas da vida é viver como se não houvesse
amanhã, porém isso pode também transformar o nosso amanhã numa
das piores coisas da vida. É mais uma das contradições humanas?
Sim. Seria muito bom se nem tudo que fizéssemos tivesse
consequências, mas até para as coisas prazerosas é assim, porque
tudo demais é demasia, como costumava dizer a minha avó, e na
diversão não é diferente. Sabe aquele aperitivo que você se
delicia com ele mais do que deveria? Que você ultrapassa o limite
que seu corpo suporta para no outro dia cobrar a conta? É disso que
estou falando.
A gente
sempre pensa que aquele carnaval, aquela festa ou aquela comemoração
não seria a mesma coisa se fosse regado só a suco e refrigerante. E
parece que não estamos completamente equivocados, tem seu sentido,
afinal nem biblicamente grandes momentos foram comemorados só com
água, haja visto a passagem da grande transformação de água em
vinho. Um empurrãozinho na alegria não faz mal a ninguém, mas já
um “safanão” condena a criatura a chorar a conta cobrada no dia
seguinte. Muitas vezes no frescor da juventude nossos corpos até
toleram uma alegria a mais, mas a medida que o tempo passa, a nossa
antiga saúde etílica vai dando lugar ao fazedor de ressaca, e se
desejamos que o dia de seguinte seja sempre cor de rosa, temos que
brindar de acordo com os nossos limites.
Falando
assim pode parecer que é só uma questão de idade. Acho que podemos
dizer que é apenas uma meia verdade, porque a qualquer tempo,
estamos sujeitos a sucumbir aos apelos da nossa mente após algumas
doses e cair na tentação da viagem ao fundo do universo dos “sem
censura”, o que na minha turma de juventude costumávamos chamar de
viagem à outra galáxia. O grande problema desta “viagem” é o
dia seguinte, quando por exemplo, se chega a ponto de pedir para
morrer, coisa que pra mim era inimaginável até ver os anjos me
circundando quando estive mergulhada na maior ressaca que me lembro
de ter tido, em um dos não tão memoráveis carnavais que brinquei,
pois após quase visitar o paraíso no primeiro dia de Momo, tive que
me abster do pecado da gula etílica pelo resto do carnaval, com medo
do fantasma do day after, afinal nunca se sabe quando um fígado,
mesmo jovem, vai conseguir estar pronto para outra depois de um teste
de resistência fora dos padrões e, eu não pretendia pagar para
ver.
Apesar
de nunca ter tido a sensação de estar caindo num abismo, como uma
das ressacas que testemunhei, muitas outras rebordosas vieram e com
elas a mais tradicional promessa dos bebinhos arrependidos: “não
bebo nunca mais!”. Um conhecido costumava dizer durante seus days
after que, “o homem que bebe é um cachorro” e muitas vezes nos
meus days after também fui obrigada a concordar. Acho que isso é a
uma das maiores provas de que muitas vezes, mesmo conhecendo o mal
que nos espera, vamos ao seu encontro cheios de alegria. E assim foi
e sempre será, não importa que o tempo passe ou que tenhamos a
devida consciência, até que o nosso corpo nos obrigue a dizer
“não!” ou pelo menos “chega!” e nos faça ir até onde
realmente podemos ir, sempre nos perdoando quando a carne for fraca,
mas o motivo for forte, afinal, nunca deixaremos de pensar que
“viajar para outra galáxia” é muito bom, no entanto ver o dia
seguinte nascer dourado, é ainda melhor.
PS:
Isto não é uma apologia à bebida e continuo concordando com o
colega quando ele dizia que “o homem que bebe é um cachorro”.
Abril/2020