Onde está o asfalto?

Foto: Jachan Devol

Estava passando por uma avenida qualificada também como rodovia estadual, localizada na saída da cidade em que moro, quando percebi que o asfalto estava sendo extraído. Rapidamente, percebi que ali haveria um recapeamento, mas só depois de observar atentamente, constatei que haviam retirado algumas camadas antes colocadas.

À primeira vista, pode parecer algo corriqueiro para a manutenção de uma via urbana ou estrada, entretanto o acúmulo lateral que restou dos antigos calçamentos, tornou-se um registro dos processos de restauração ali executados. Era como camadas em um tronco de árvore que denota a sua idade, conta a sua história. Aqueles resquícios de asfalto nos contam sobre a curta vida útil desse derivado de petróleo em uma via de grande fluxo e sujeita a intempéries e eventuais cargas pesadas.

Não é preciso ser um expert em obras ou construção de estradas para perceber o desperdício e a falta de compromisso de diversos governos que a cada véspera de eleição fazem esse tipo de obra para lembrar que trabalham pela cidade, estado ou mesmo país.

Outro dia, peguei um táxi e o motorista como ex-funcionário de uma empresa de engenharia que asfaltava vias públicas, nos contou como faziam esse trabalho. A ideia era aplicar uma camada mais fina que o especificado, para economizar e ficar com mais dinheiro e a obra não durar, permitindo a possibilidade de uma nova manutenção e mais dinheiro para as empreiteiras. Perguntamos se era sempre assim e como a fiscalização permitia isso. A explicação foi simples: sempre compravam o fiscal. E arrematou, reafirmando que todas as empresas que prestam esse tipo de serviço fazem o mesmo, daí o motivo das vias esburacarem a cada novo inverno.

Após ouvir essa revelação, tive a certeza de que a questão das avenidas se deteriorarem todos os anos era algo proposital e não um acaso provocado pelo excesso de chuvas sazonais. Até porque se já é algo esperado, o normal e honesto seria fazer uma boa estrutura para suportar as invernagens. Assim como ocorre em outros países que possuem ao menos um pouco de seriedade e compromisso com o dinheiro dos contribuintes.

Foi por lembrar desse episódio que quando vi as diversas marcas de recapeamento voltei a me indignar, ao invés de ver com bons olhos o que parecia ser um trabalho de cuidado com a cidade. Não. Não poderia ser. Inúmeras vezes essa via esteve em obras, numa frequência tal que dá a impressão de estar sempre nesse estado. Essa camada seria só mais uma dentre tantas de dinheiro despejado e seria retirada para que tudo recomeçasse novamente.

Para onde terá sido levado esse lixo tão poluente? Foi automático o meu lamento e espanto ao me deparar com aquele cenário onde os políticos costumam falar "o transtorno passa e o benefício fica". Nesse caso, o benefício é de uma efemeridade tal que o transtorno, ao contrário, parece perene e está sempre lá.

04/05/2024