Você se parece com quem?

Foto: Alexander Grey

Aquele seria mais um dia de retorno do estágio de onde eu saía para ir à aula, na faculdade. Na época, passava por uma rua a qual começava reta e fazia uma curva, onde havia uma farmácia". Foi exatamente nesse ponto que tomei um enorme susto ao me deparar com uma criatura igual a mim. É claro que o sangue desceu imediatamente para as pernas. Levei alguns incontáveis segundos para compreender o que se passava, tempo suficiente para me refazer e as pernas saírem do estado de esmorecimento em que estavam começando a entrar.

O cérebro é rápido o suficiente para constatar que, dada uma situação incoerente, é preciso procurar uma explicação lógica. Então, em milésimos de segundos compreendi aquela imagem. Ela se tratava do meu próprio reflexo em um grande espelho do chão ao teto, localizado no canto da parede da farmácia. Ao se situar na curva, refletia a imagem dos transeuntes da sua calçada, uma passagem bastante movimentada por ser caminho da universidade onde eu estudava. Desconfio até que a posição do famigerado era proposital para suscitar esse tipo de desconfiança nos desavisados.

Isso foi apenas uma introdução para pensarmos nas diversas possibilidades de descobrirmos nossos sósias mundo afora. O efeito disso pode ser cômico ou trágico a depender da situação. Meu cunhado, por exemplo, foi uma dessas pessoas que teve a sorte de cruzar com seu sósia quando, em um carnaval, foi confundido diversas vezes com ele - uma personalidade popular entre os foliões - diferente de Jean Charles, o brasileiro morador de Londres, o qual foi confundido com um terrorista.

E você, já encontrou seu quase gêmeo por aí? Houve um tempo em que me achavam parecida com uma atriz de novela. Consequentemente, ela se transformou em meu avatar no quadro de tarefas da minha equipe, no local de trabalho. É impressionante como existem pessoas parecidas neste planeta. Outro dia um colega de trabalho fez uma correlação de pessoas da nossa empresa com seus sósias famosos. Foi surpreendente.

Na época em que o ocidente caçava Osama Bin Laden, um outro cunhado meu foi advertido pelos colegas de trabalho para não sair do país. Eles pegaram uma foto dele, colocaram um turbante e a cópia do terrorista estava feita. Até eu me espantei ao ver a montagem. Por precaução, o aconselhamos também a não cruzar as fronteiras.

No entanto, pensando sobre a questão, um aspecto me deixa bastante confusa. Isso ocorre quando vejo uma pessoa jovem, muito semelhante a algum conhecido meu, quando tinha a mesma idade. Confesso que esse é sempre um cenário no qual meus neurônios ficam em polvorosa. A primeira pergunta é: como pode? É o tipo de visão dificilmente compreendida pelo cérebro. Um duvidoso retorno ao passado. Vez por outra isso acontece, beirando o estranho. Entretanto, não deveria, porque assim são os humanos e o planeta está repleto de sósias.

Se pararmos para pensar a respeito é mais um elemento a corroborar a nossa semelhança, um fator aproximador. No entanto, a humanidade segue se agarrando às diferenças e supervalorizando-as. É onde nascem os preconceitos e intolerâncias, quando desconhecemos o outro e achamos que somos melhores.

Costumo me perguntar do que o ser humano precisa para compreender que somos fundamentalmente iguais. Assim como existem as semelhanças físicas, existem as psicológicas. E nas voltas da vida, onde a roda gira, ele pode encontrar o seu espelho e ser vítima dele. Mas há esperança: tudo depende de como enxergamos os nossos iguais e essa visão pode mudar. Para melhor.

02/08/2024