Vai pentear macaco!

Foto: Park Troopers

Por volta dos meus onze anos, li uma divertida crônica escrita por Fernando Sabino a qual fazia parte do livro de Português da série em que cursava na época. Ela tratava de uma história onde um pesquisador enviava um telegrama para um amigo solicitando um ou dois macacos para um estudo, mas por um erro do telegrafista a mensagem seguiu com a solicitação de "1002 macacos". Imaginem a confusão após o a amigo enviar um carregamento inicial com centenas de criaturinhas dessa espécime.

Gostei tanto dessa história que mostrei para a minha mãe, uma leitora fiel do autor. Depois desse dia, ela, uma simpatizante dos ditados populares, adicionou ao já conhecido "vai pentear macaco!" a observação de que haviam 1002 macacos soltos para serem penteados. Lembrei dessa singela bronca, que por vezes recebia dela, num dia em que fui invadida pela recordação desses ditos, os quais ela soltava aqui e ali quando a oportunidade se fazia presente.

0 humor da minha mãe pairava em suas tiradas e piadas juvenis cujos temas se adequavam a nossa idade. Vez por outra conto as mesmas nos momentos em que se encaixam. Uma delas é a velha historinha do menino que saiu para comprar sabão, repetindo o mandado recebido e levou um tropeço, trocando imediatamente o "sabão sabão" por "toucinho toucinho". Ela tinha algumas dessas micro histórias guardadas na manga para soltar na hora certa. De sorte que algumas delas também coloquei nos meus guardados da memória.

Acho que vez ou outra a importunava com algo que queria muito ou reclamava de coisas as quais discordávamos só para ouvir frases do tipo "vai ver se estou lá na esquina!" ou "vai lamber sabão,  menina!". Não posso dizer que não me divertia com isso. Ela era boa em zoar com a gente quando dávamos motivo. Meu irmão por exemplo, era um dos seus alvos e eu achava graça quando ela começava a falar na hora do almoço que a vizinha tava doida para comer a nossa comida e logo surgiria perguntando por esse ou aquele prato. Isso acontecia porque ele costumava perguntar da área de serviço em alto e bom som qual o almoço do dia e fazer suas observações a respeito. A questão era: o local reverberava a sua voz de tal modo que os vizinhos do térreo ouviam toda a conversa claramente. Uma cena que se repetia nos finais de semana quando ele sabia que a refeição era algo diferente.

Mas o meu irmão também gostava de zoar de coisas que ela dizia, por isso ela já se antecipava e falava o que ele iria dizer. Graça de um, piada do outro. Frases de livros que ela apregoava, logo se transformavam em piadas caseiras. Dois livros que marcaram esse período foi "Otimismo em gotas" e "Não erre mais". Se ela tentava nos ensinar alguma lição desses livros e ela mesma caísse na esparrela de não cumprir o ensinado, isso se transformava em uma auto-armadilha. E ele era especialista em flagrá-la quando escorregava em seus próprios ensinamentos. Mas isso não a deixava zangada. Ela ria de si mesma e dizia que também estava aprendendo. Desconfio que essas brincadeiras nos ajudavam a fixar as lições por trás de tudo.

Não sei exatamente em qual momento isso foi se perdendo e a vida foi se tornando mais dura e séria. Tenho meus palpites, mas nada acrescentaria ao resultado do que se foi. Então vou me divertindo com fragmentos do que tivemos de melhor. É verdade que o cérebro assimila mais facilmente os fatos ruins, mas por outro lado, o coração guarda bem guardado os bons, e é nesse lugar que gosto de içar as melhores lembranças de outrora e rir novamente delas. Quanto a você que anda guardando coisas ruins, vai pentear macaco!

01/06/2024